Petróleo, gás, estradas e populações tradicionais no Alto Juruá
Edilene Coffaci de Lima; Mauro Barbosa de Almeida & Marcelo Piedrafita Iglesias
Traçado em discussão para a estrada Cruzeiro do Sul-Pucallpa (Mapa: David Salisbury, 2004)
O mês de fevereiro chegou com a notícia de que o senador Tião Viana conseguiu assegurar recursos no Orçamento Geral da União para incluir o Estado do Acre na agenda das prospecções a serem licitadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
De lá para cá muita tinta correu sobre o assunto e alguém já escreveu, com certa ironia, que, antes mesmo da prospecção ser iniciada, a existência de petróleo e gás no Acre é tida como favas contadas. Parecem ser favas contadas também tudo o que se alardeia sobre a riqueza e os benefícios que advirão. Com a exploração do petróleo, o Acre supostamente poderia reviver o período de opulência econômica do início da exploração da borracha na virada do século XX. Não custa recordar que dentre os resultados dessa opulência, cantada em verso, prosa e, mais recentemente, romanceada na minissérie "Amazônia", inúmeras populações indígenas desapareceram e os seringueiros e índios foram submetidos a condições de vida que não deixavam nada a dever à escravidão, recém abolida oficialmente no Brasil quando o boom da borracha começava.
De fato, alardeia-se ainda que "o Acre poderá ter no futuro uma nova grande fonte geradora de recursos, para investir na melhoria da qualidade de vida de sua população". Mas a simples exploração de petróleo e gás trará automaticamente essa melhoria? Como serão repartidos os prejuízos e benefícios advindos da exploração, e para quem irão os maiores lucros? Que entidades regulatórias tratarão desse tema? Qual será o papel das populações indígenas e das comunidades rurais nessas entidades? Essas perguntas são sonegadas nas matérias na imprensa e nos argumentos daqueles favoráveis à iniciativa.
Apesar da avaliação do que venha a ser riqueza, pujança, bem-estar e fartura depender muito da perspectiva daquele que fala, também tomaremos como hipótese inicial de que a exploração de petróleo e gás no Acre, particularmente no Alto Juruá, são favas contadas, para podermos refletir sobre algumas de suas possíveis implicações futuras.
Exploração em áreas protegidas?
A simples idéia da prospecção reacende no horizonte desacertos antigos. Na Serra do Divisor, o Departamento Nacional da Produção Mineral e a Petrobrás realizaram prospecções nas décadas de 1930, 1960 e 1970, como mostrou o professor Alceu Ranzi, a 4 de abril, no blog do jornalista Altino Machado.
No Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), onde se suspeita mais fortemente que exista petróleo em abundância, em meados dos anos de 1990, algumas famílias começaram a reivindicar o reconhecimento de sua identidade indígena – eram e são os Nawa. Esses índios foram então duramente rechaçados por agentes governamentais e não-governamentais, que questionaram, inclusive na Justiça Federal, a autenticidade de sua indianidade, alegando que esta só teria emergido motivada pelo interesse de ficarem no Parque. Como se sabe, a legislação ambiental brasileira não prevê a presença humana em parques nacionais. Com muito custo, e como resultado de uma decisão da Justiça, balizada numa perícia antropológica, os Nawa garantiram, em 2003, seu direito de permanecer num território que outrora ocuparam incontestemente – uma conquista respaldada na Constituição de 1988, que estabelece que os índios têm precedência histórica na ocupação de qualquer território, ainda que seja um parque nacional, e determina ao governo federal a demarcação e proteção das terras por eles tradicionalmente ocupadas.
O caso dos Nawa leva a uma pergunta simples que fazemos a alguns dos órgãos oficiais e das organizações não-governamentais que não se manifestaram ainda sobre a prospecção de petróleo, ou que, com alguma discrição, preferiram mudar de idéia no curso do debate: se índios não deveriam permanecer no PNSD, petróleo e gás devem ser ali explorados? Populações tradicionais devem ser removidas do Parque para que exatamente? Para a entrada de uma grande empresa exploradora de petróleo?
Três dias após a visita promovida por Tião Viana à "Província Petrolífera de Urucu", este Página 20, reproduzindo um release da assessoria de imprensa do senador, registrou: "os técnicos deixaram claro para a comitiva que a Petrobrás nunca 'praticou, ousou e sequer pensou' em explorar derivados do petróleo em terras indígenas e em unidades de conservação, pois a legislação ambiental brasileira não permite que tal atividade ocorra nessas áreas protegidas por força da Constituição do país". Ainda bem, mas não custa acompanhar. Em países onde a legislação é menos rígida, como no Peru e Equador, a empresa não se faz de rogada, e não demonstra o mesmo compromisso com a agenda socioambiental – como registrado neste mesma coluna a 15 de abril.
Se as esperanças de encontrar "ouro negro" estão depositadas no Alto Juruá, cabe lembrar, uma vez mais, que estão ali situadas 29 terras indígenas e boa parte das áreas de conservação do Acre: três reservas extrativistas (Alto Juruá, Riozinho do Liberdade e Alto Tarauacá), três florestas estaduais e o PNSD. Além dos seringais ocupados por populações que faz um século vivem do extrativismo e da agricultura, há na região 32 projetos destinados pelo Incra, sob diferentes modalidades, a famílias beneficiárias da reforma agrária.
A exploração de petróleo, assim como de outras riquezas minerais, depende de lei específica para acontecer em terras indígenas, como disposto nos art. 176, §1º, e 231, §3º, da Constituição Federal. Essa lei específica ainda não foi formulada, discutida ou aprovada pelo Congresso Nacional, e enquanto não existir, não poderá ocorrer qualquer exploração de recursos minerais em terras indígenas. Por sua vez, o art. 28 do SNUC estabelece: "São proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos". É certo que os técnicos da ANP, da Petrobrás e o senador Tião Viana sabem disso. Os movimentos sociais e as organizações indígenas devem também ter isto sempre em mente. E estarem atentos a iniciativas como o Acórdão 560/2007, do Plenário do Tribunal de Contas da União, de 11 de abril, e o projeto de lei em vias de ser apresentado pelo governo ao Congresso, que visam abrir as terras indígenas à exploração mineral, e podem gerar jurisprudência para viabilizar o início da exploração petróleo e gás nesses mesmos territórios.
É fundamental ressaltar ainda que os resultados do Zoneamento Econômico-Ecológico do Acre (Fase II) – produzidos em cinco anos por técnicos de órgãos governamentais e consultores especializados, discutidos nas sedes municipais, referendados pelas câmaras da Comissão Estadual do ZEE, apresentados à Assembléia Legislativa pelos Secretários de Planejamento e de Meio Ambiente e, finalmente, aprovados pelos deputados em dezembro passado – não recomendam, ou mesmo contemplam, a possibilidade de exploração de petróleo e gás em território acreano.
Por fim, cabe destacar a firme oposição às atividades de prospecção e exploração desses recursos em terras indígenas, já demarcadas e em processo de reconhecimento oficial, ou em regiões que possam resultar em impactos diretos ou indiretos sobre esses territórios, firmada por três organizações e 20 povos indígenas do Acre, sul do Amazonas e noroeste de Rondônia em documento tornado público em 14 de abril.
Escalas regional e binacional
Chama atenção que muito tem se destacado sobre a possibilidade de diminuição, e inclusive sobre a inexistência, dos impactos ambientais na exploração de petróleo e gás. A comitiva que, por poucas horas, realizou uma visita guiada pela Petrobrás para conferir o tão propagandeado modelo exemplar de Urucu, afirmou ter voltado impressionada com o "mínimo impacto" da exploração, dando margem a que essa visão se consolidasse como verdade absoluta a fundamentar os argumentos daqueles favoráveis à prospecção. Os últimos três Papos de Índio, por sua vez, receberam a esclarecedora contribuição do professor Oswaldo Sevá, da Unicamp, que destacou, em outra direção, a impropriedade de se imaginar que a exploração petrolífera possa se fazer com baixo impacto ambiental ou com a ausência de riscos significativos.
Visando também colaborar com a problematização da esperança hoje depositada na prospecção, perguntamos: como se pensam os impactos sociais e ambientais de uma futura exploração? Como se mensuram os impactos sobre a população acreana, particularmente sobre aquela parcela que, ao longo de décadas e gerações, desenvolveu formas sustentáveis de relação com a floresta e a mantém firmemente em pé?
Não pretendemos, nestas poucas linhas, esgotar o assunto, mas cabe indagar: caso haja exploração de petróleo e gás no Alto Juruá, como serão esses produtos dali transportados? Um impacto – e não devemos jamais perder isso de vista – gera outro, numa onda que se propaga, alcançando escalas e magnitudes crescentes.
Planeja-se escoar essa produção pelo Juruá e por água até Manaus, pelas estradas ou por meio da construção de um oleoduto? A alternativa de transporte pelo Juruá sequer merece ser comentada. Será pela BR-364, de Cruzeiro do Sul até Rio Branco, para seguir para o restante do Brasil e, pela BR-317, para o Peru, pela Rodovia Transoceânica? Haveria uma terceira alternativa, ainda não comentada: realizar outra integração rodoviária com o Peru, estendendo a BR-364, cortando florestas dos rios Juruá e Ucayali, aí incluído o PNSD, até Pucallpa, capital do Departamento do Ucayali. Ou seja, por uma segunda estrada binacional até o Pacífico. Se for por um oleoduto/gasoduto, quais seriam os traçados possíveis? Para Coari, rasgando imenso trecho de florestas no alto e médio cursos do rio Juruá? Para oeste, para o Peru?
Em qualquer uma dessas situações, para além dos desdobramentos da exploração localizada de petróleo e gás, novos impactos socioambientais, nenhum deles "mínimo", se configuram. As estradas que permitirão escoar a produção de petróleo e gás não poderão servir também para escoar madeira, explorada ilegalmente no Brasil? Para abastecer com gado mercados peruanos? Se a exploração ilegal de madeira é problema hoje – inclusive feita por peruanos que a bandeiam para o lado de lá –, como será quando novas estradas forem abertas? As rodovias não favorecerão o incremento do tráfico de drogas, problema constante no Alto Juruá há pelo menos duas décadas? O desmatamento e a especulação e expropriação fundiária não deverão também ganhar força com a valorização da terra no entorno dessas vias?
O fato incontestável é que os planos de exploração petrolífera na fronteira acreano-peruana, de exportação de gado para o Peru e da conexão viária até Pucallpa estão interligados, podendo levar a uma integração irreversível, de enormes conseqüências, entre o sudoeste amazônico e os países andinos, no sentido leste-oeste. Já contemplados na Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional da América do Sul (IIRSA), os interesses geopolíticos, financeiros, energéticos, viários e comerciais associados a essa ligação transamazônica, no sentido Rio Branco-Cruzeiro do Sul-Pucallpa, gerarão impactos, diretos e indiretos, potencialmente gigantescos. A este respeito, cabe mencionar o valioso estudo "Geopolítica nas fronteiras acreanas com o Peru e os povos indígenas", escrito por Marcelo Piedrafita e Terri Aquino, em 2005, para o ZEE.
No âmbito do Eixo do Amazonas, do IIRSA, os investimentos necessários à "Interconexão Vial" Cruzeiro do Sul-Pucallpa estão estimados em US$ 247 milhões e à "Interconexão Energética" entre essas cidades em US$ 40 milhões. Recentes acordos binacionais reforçam esse cenário. Em Comunicado de 9 de novembro último, os presidentes Lula e Alan Garcia ressaltaram a "alta prioridade" atribuída por seus governos ao "processo de integração da infra-estrutura física" entre ambos países, concordando em apoiar a conclusão da Rodovia Transocêanica e o acesso rodoviário entre Cruzeiro e Pucallpa. Registraram ainda memorando assinado pelos Ministérios de Minas e Energia, estabelecendo um mecanismo de "consulta e cooperação bilateral em matéria energética, geológica e de mineração", e a relevância do "Memorando de Entendimento para o desenvolvimento de investimentos em exploração, produção, transporte, transformação e distribuição de hidrocarbonetos", firmado entre a Petrobrás, a Petroperú e a Perúpetro a 27 de setembro.
Projetos viários e energéticos previstos no IIRSA para a região Ucayali-Acre. (Fonte: IIRSA).
Ao lermos os jornais acreanos, tudo se passa como se o que estivesse hoje em jogo no Alto Juruá fossem iniciativas desarticuladas: o asfaltamento da BR-364 até Cruzeiro, o intercâmbio comercial com Pucallpa, o anúncio da exploração petrolífera (sem especificar trajetos possíveis para o seu escoamento) e, em letra miúda, as discussões sobre ações binacionais para a integração aérea e viária. É ingenuidade supor, pelo exposto acima, que a exploração de petróleo e gás se resuma a aumentar as arrecadações estadual e municipais para uso em fins sociais e ecológicos. Custa crer, ainda, que essa agenda da ligação viária e energética esteja em construção ante nossos olhos, sem que a sociedade acreana e brasileira esteja discutindo os efeitos previsíveis das obras de infra-estrutura, dos fluxos de capitais, pessoas e mercadorias que serão iniciados, dos deslocamentos migratórios para os já precários centros urbanos e, ainda, dos impactos sobre a floresta e as populações tradicionais que nela habitam. Somados, os resultados desses processos dificilmente ficarão atrás daqueles que transformaram profundamente Rio Branco e o Vale do Acre em décadas recentes, de triste memória.
Impactos "localizados", planos regionais
Lembremos que, em 2003, no início das discussões sobre a integração com o Departamento do Ucayali, o então governador Jorge Viana chegou a propor que uma faixa de 50 quilômetros ao longo da fronteira com o Peru fosse preservada de qualquer exploração, para proteger o meio ambiente e garantir as boas relações entre as populações locais. Essa proposta foi novamente defendida pelo ex-governador em encontro com o então presidente Alejandro Toledo, em Lima, em março de 2004, no qual as invasões e os prejuízos ambientais promovidos por madeireiros peruanos na Terra Indígena (TI) Kampa do Rio Amônea e no PNSD foram claramente colocados como obstáculo ao avanço da integração.
No atual contexto, trata-se novamente não apenas de manter a integridade e viabilidade do PNSD, das reservas extrativistas e terras indígenas já existentes. Antecipando-se às enormes conseqüências daquele modelo de integração, trata-se de dar transparência aos planos de trajetos tanto de estradas como de possíveis gasodutos/oleodutos, para subsidiar a criação de zonas de proteção em ambos países e a elaboração, com ampla participação, de planos de zoneamento regional e de mitigação e compensação dos impactos socioambientais.
Há exemplos, em outros países, de discussões públicas de projetos energéticos similares que levaram a soluções de longo prazo, contemplando efetivamente os direitos de populações indígenas e tradicionais. No caso do gasoduto-oleoduto do Vale do Mackenzie, no Canadá, uma medida foi a criação de um escritório de apoio aos grupos aborígenes e a outros interessados, com a responsabilidade de apoiar as comunidades nativas e demais moradores locais a fortalecer sua capacidade organizacional para participarem em todos os aspectos do projeto; coordenar e estabelecer relações de trabalho efetivas com órgãos de governo, empresas e outros atores; coordenar as contribuições sobre os aspectos ambientais; e apoiar a pesquisa científica em relação à avaliação da construção e da operação do gasoduto. Mas as discussões e essas medidas foram feitas antes, e não depois, dos fatos consumados.
Para ficarmos apenas com os impactos gerados pelas estradas no Acre, vale lembrar que a pavimentação da BR-364, no trecho entre Cruzeiro do Sul e Rio Branco, ainda não concluída, não previa impactos dessa monta. Quando os estudos antropológicos para a revisão dos EIA-RIMAs do asfaltamento da BR-364 e da BR-317 foram elaborados, em 2001, a exploração do "ouro negro" não constava – pelo menos de modo transparente – na agenda dos representantes políticos. Tendo em conta que a BR-364 corta por 18 quilômetros a TI Campinas Katukina, fortemente impactada pela pavimentação, será preciso realizar novos estudos, ali e em todo o entorno da estrada, para avaliar os impactos socioambientais e a viabilidade do seu uso para transportar o que for produzido a partir da exploração petrolífera e/ou de gás.
Algumas das medidas definidas para minimizar o impacto do asfaltamento da BR-364 entre os Katukina da TI Campinas, ainda hoje, passados mais de seis anos, não foram implementadas de modo adequado – como é o caso de um diagnóstico do estoque faunístico para embasar a elaboração e execução pelos índios de um plano de manejo de caça. A pavimentação provocou profundas mudanças na vida dos Katukina, particularmente em sua dieta alimentar, e também aumentou as invasões de caçadores na terra indígena e a violência em seu entorno, como registrado nesta coluna há exatos dois anos. Se os Katukina até agora não foram devidamente assistidos naquilo que foi previsto no início do asfaltamento da estrada, na primeira gestão Jorge Viana, quando o serão? Que garantia terão eles de que os novos impactos serão minimizados e compensados no futuro próximo, com o uso da rodovia para escoar a produção petrolífera, se planos de mitigação mais simples, antes acordados, não foram implementados? Cabe ponderar, ainda, que se não fosse pela pressão exercida pelos Katukina junto ao governo estadual, e pela responsabilidade, boa vontade e dedicação de alguns poucos funcionários, esses planos nunca teriam sido executados.
É possível crer que planos de mitigação, compensação e monitoramento dos impactos ambientais e socioculturais resultantes da conjugação do asfaltamento da BR-364, do manejo madeireiro empresarial nas florestas estaduais e da exploração de petróleo e gás serão elaborados e efetivamente cumpridos pelos governos estadual e federal no Alto Juruá? É difícil acreditar, à luz da experiência recente.
Projeto, impactos e debates às claras
Todas essas questões, atinentes à ampliação dos impactos que via de regra resultarão da exploração petrolífera e de gás no Acre, não foram debatidas até este momento. Se não forem desde já, quando serão?
As conseqüências da exploração de petróleo certamente não se limitam à área efetivamente explorada. Uma avaliação meticulosa e precisa da onda de impactos que se propagará deve ser incluída de imediato na agenda, para que se tenha plena certeza – isso talvez aumente as incertezas ou os argumentos contrários – da viabilidade da exploração ou dos custos que os acreanos podem, ou querem, efetivamente pagar para participar da concretização de um sonho petrolífero estatal de quase sete décadas.
Consta do site do senador Tião Viana, e de várias matérias de sua assessoria de imprensa, que suas gestões junto à ANP para prospectar petróleo no Acre iniciaram-se há seis anos. No mesmo período, quais providências tomou para promover estudos e debates que permitissem avaliar os diferentes cenários que uma futura exploração de petróleo e gás poderá delinear?
As opiniões e anseios da população acreana deveriam ter começado a ser ouvidos antes mesmo do início de suas gestões junto à ANP. Principalmente por se tratar de uma iniciativa do senador, quem, face às primeiras críticas à sua proposta, pela possibilidade da exploração incluir áreas habitadas por povos indígenas, inclusive índios "isolados", lembrou ter elaborado parecer, na Comissão de Assuntos Externos do Senado, que contribuiu para a ratificação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo Congresso e pelo governo brasileiro.
É recomendação expressa do art. 6 da Convenção, cabe lembrar ao senador, a necessidade da consulta, prévia, informada e de boa fé, aos indígenas e às suas organizações sobre projetos de governo e do legislativo que venham a causar impactos sobre seus territórios e formas de vida. No caso dos recursos minerais, o art. 15 da Convenção é igualmente claro: "(...) os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras". Dada sua relevância, procedimentos semelhantes deveriam ter sido viabilizados junto a toda a sociedade acreana, e especialmente a aqueles que vivem na floresta, em cujos locais de moradia a prospecção e exploração poderiam vir a ocorrer.
Mais de seis anos se passaram, todavia, desde as primeiras iniciativas do senador para obter recursos para a prospecção. Somente há duas semanas, ocorreram as primeiras "palestras", em Rio Branco e Cruzeiro, proferidas por diretores e técnicos da ANP e da Petrobrás, para iniciar um "debate" sobre seu projeto. É importante frisar que esses eventos resultaram de críticas e demandas da sociedade civil, e não necessariamente de um desejo do senador, como agora procura fazer crer a imprensa. Organizados com palestrantes recrutados pelo gabinete do senador, com a clara intenção de legitimar sua proposta, e construídos por uma tendenciosa campanha de mídia, os "seminários" foram marcados pela ausência de um debate de fato democrático.
Ambos eventos pouco contribuíram para o esclarecimento da população acreana. Esta ficou sem saber, por exemplo, que, na véspera do primeiro anúncio do projeto do senador na imprensa, a 7 de fevereiro, a Diretoria da ANP já autorizara a abertura de licitação para contratar "serviços técnicos especializados de aquisição e processamento de 105 mil quilômetros lineares de dados aerogravimétricos e aeromagnetométricos nas bacias do Acre, Madre de Dios e Solimões", ou seja, a primeira etapa da prospecção. Aberto a 22 de março, o edital foi "adiado" quatro dias depois. Previa que os ganhadores do pregão seriam conhecidos a 3 de abril, um dia depois, portanto, da comitiva visitar Urucu e nove dias antes do seminário de Rio Branco. Segundo o edital, a prospecção aérea incluía o território peruano. Na região do Madre de Dios, asfaltando a Transoceânica, hoje atuam a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão, empreiteiras que possuem subsidiárias especializadas na perfuração de poços de petróleo e gás. Apesar da licitação estar formalmente suspensa, o Diretor da ANP, em entrevista publicada neste Página 20 a 27 de abril, afirmou que a empresa ganhadora já é conhecida e que o início da prospecção depende agora de autorização expressa do presidente Lula, por se tratar de atividade em faixa de fronteira.
Claro está que a exploração de petróleo e gás pode não se efetivar em território acreano. Mas, se o senador Tião Viana tem investido tanto de seu tempo e capital político para viabilizá-la, sua esperança certamente deve ser outra – e diferente da nossa.
Nos últimos seis anos, seu projeto deveria ter sido exposto e discutido às claras, referenciado aos interesses energéticos, viários, comerciais, empresariais e (geo)políticos, e aos impactos ambientais, a ele associados. Amplos estudos também deveriam ter sido iniciados, permitindo que hoje se tivessem fundamentos e opiniões mais sólidos sobre a viabilidade socioambiental do seu "sonho petrolífero".
É certo que não existem ainda respostas para várias perguntas que até agora, infelizmente, muitos parecem querer, de forma deliberada, evitar de formular ou de responder. Mas, desta vez, mais ainda do que em períodos anteriores da história do Acre, não convém improvisar.