sábado, janeiro 28, 2006

UM ANO SEM DOROTHY

Poster de homenagem do CNS a Dorothy Stang no Congresso realizado em Manaus em dezembro passado

No dia 12 de fevereiro fará um ano do brutal assassinato da Dorothy.
O Centro Memorial Robert F. Kennedy para Direitos Humanos (The Robert F. Kennedy Memorial Center for Human Rights) e o Escritório de Washington para América Latina (Wahington Office on Latin America) estão organizando uma homenagem no lado de fora da capela no campus da Universidade Trinity em Washington, DC.

Pessoas já confirmadas que vão falar:
Kathleen Kennedy Townsend (ex Governador de Maryland)
Parlamentar Tim Ryan (D-OH)
Parlamentar Jim McGovern (D-MA)
Parlamentar Mike Turner (R-OH)
Thomas Lovejoy (Presidente The H. John Heinz III Center
for Science, Economics, and the Environment)
Embaixador Brasileiro Roberto Abdenur
Pedro Christoffoli (MST)

Essa foi a mensagem enviada por Emily Goldman, do Robert F. Kennedy
Memorial Center for Human Rights.
E no Brasil, o que vamos fazer?
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STEPHEN BUNKER



A pessoa que realmente me motivou a ir a Madison foi Stephen Bunker, sociólogo que publicou importantes artigos e livros a respeito do modelo de desenvolvimento da Amazônia e o extrativismo. Ele era bastante pessimista e transmitia isso em seus artigos e aulas.

Eu havia conhecido Bunker em 1978 quando ele era pesquisador do NAEA e eu estava fazendo minha primeira viagem pela Amazônia. Lembro desse encontro porque ele me deu um draft de um capítulo que estava escreveno sobre o subdesenvolvimento das florestas tropicais que depois virou seu livro mais importante: "Underdeveloping the Amazon: Extraction, Unequal Exchange, and the
Failure of the Modern State". Urbana: University of Illinois Press. Paperback edition, Chicago: University of Chicago Press, 1988 .
Um clássico!

Stephen era professor no departamento de sociologia da Universidade de Wisconsin, dava um curso sobre a Amazônia e me convidou para ir à sua classe. Fui, falei sobre a história do movimento dos seringueiros e as reservas extrativistas, que, claramente, eram a evidência mais flagrante de que era possível mudar o curso trágico do destino da Amazônia.

Stephen e os alunos perguntaram, foi muito interessante o encontro. E aí ele fez uma revelação genunína: disse que acompanhava a história dos seringueiros e das reservas e a minha luta em provar que elas era viáveis e que ficava com inveja - no bom sentido da palavra - de ver que nós conseguíamos mudar a realidade que um olhar cientista treinado, cético, jamais poderia aceitar que aconteceria.

Percebi também que os alunos de Stephen estavam pesados, cansados, provavelmente com o fardo de carregar essa terrível saga de ser o lugar mais estratégico do mundo e não conseguir fazer nada! Dá a sensação, para qualquer americano médio, de que somos totalmente imbecis por não conseguir assimilar mensagem tão banal.

Enfim, foi um reencontro forte e impactante.

Stephen estava com câncer, visivelmente abatido e frágil, lutando, como ele disse. Dois meses depois, recebi um email de Alberto Vargas dizendo que Stephen Bunker, o sociólogo, havia morrido.

Voltar a Wisconsin para dar um curso sobre a Amazônia pode ser também uma homenagem a ele - e um elo para os inúmeros alunos que, motivados, passaram a estudar a Amazônia e, de repente, ficaram sem interlocutor.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

PROFESSORES VISITANTES


[Universidade de Wisconsin-Madison em 27 de abril
de 2005 conversando com estudantes brasileiros.
A Antropóloga Alcida Ramos (UnB) está ao fundo]

Hoje, depois de três emails (não mais que isso), acertei minha ida para a Universidade de Wisconsin-Madison nos EUA em janeiro de 2007 como professora visitante com uma bolsa da Tinker Foundation. Programa do curso, agenda, tudo definido. Simples, prático e eficiente.

Aconteceram contatos anteriores, você vai dizer, e por isso tudo foi tão rápido. É verdade. Em abril do ano passado passei dois dias na universidade para uma palestra e a idéia de voltar como visitante surgiu lá. Mas depois de dizer que eu gostaria de voltar, foram suficientes estes três emails e pronto, a proposta vai para a Fundação e deverá ser aprovada sem maiores problemas.

Isso significa que, em 31 de janeiro de 2007, pleno inverno no norte dos Estados Unidos, vai começar o curso sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas na Amazônia para estudantes de mestrado e doutorado até maio. E no meio do semestre vamos fazer um seminário sobre o projeto de pesquisa em Reservas Extrativistas. Simples e fácil assim.

A Universidade de Wisconsin-Madison tem excelentes centro de pesquisas em meio ambiente. Por exemplo, o Gaylord Nelson Institute for Environmental Studies que tem o Center for Sustainability and the Global Environment (SAGE) onde trabalha Jonathan Patz. Ele é especialista em doenças tropicais e no impacto das mudanças climáticas sobre a saúde humana.

Sobre o SAGE ele escreveu recentemente: "At the Center for Sustainability and the Global Environment (SAGE), we examine the linkages between natural resources, human health and security, and changes in the global environment. Our staff and students conduct cutting-edge research on these critical problems, and disseminate that knowledge through innovative teaching and outreach at the University of Wisconsin-Madison".

Um dos mais atualizados estudos sobre a ligação potencial entre desmatamento e malária foi publicado no início de janeiro por Jonathan Patz: "By dramatically changing the landscape, we are tipping the balance in a way that is increasing the risk of malaria transmission," says senior author Jonathan Patz. "This is one of the most detailed quantitative field studies in the Amazon that directly addresses the potential link between deforestation and malaria."• UW Press release• additional press coverage: Washington Post, NPR, World Changing

O sumário está a seguir:

THE IMPACT OF DEFORESTATION ON MALARIA RISK: ASSOCIATION BETWEEN HUMAN-BITING RATES OF THE MAJOR SOUTH AMERICAN MALARIA VECOR, ANOPHELES DARLINGI, AND THE EXTENT OF DEFORESTATION IN THE PERUVIAN AMAZON

AMY YOMIKO VITTOR,PhD, ROBERT H. GILMAN,MD, MPH, JAMES TIELSCH,PhD, GREGORY E. GLASS,PhD, TIMOTHY M. SHIELDS,MS, WAGNER SÁNCHEZ LOZANO, BA, VIVIANA PINEDO CANCINO, BA, AND JONATHAN A. PATZ,MD, MPH

Abstract
To better understand the impact of tropical rainforest destruction on malaria, we conducted a year-long study of the rates at which the primary malaria vector in the Amazon, Anopheles darlingi, fed on humans in areas with varying degrees of ecological alteration in the Peruvian Amazon. Mosquitoes were collected by landing catches along the Iquitos-Nauta road at sites selected for type of vegetation and controlled for human presence. Although the overall biting rates were low, deforested sites had an A. darlingi biting rate that was more than 278 times higher than the rate determined for areas that were predominantly forested. Our results indicate that A. darlingi displays significantly increased human-biting activity in areas that have undergone deforestation and development associated with road development. Controlling deforestation may not only help decrease the loss of biodiversity and erosion, but also control the incidence of malaria.

Outro centro importante para pesquisadores e professores é o "Latin American, Caribbean and Iberian Studies Program". http://polyglot.lss.wisc.edu/laisp/ Alberto Vargas, mexicano com experiência em ongs vinculadas ao Brasil e América Latina é assistente do diretor. Ele criou o Centro de Investigaciones de Quintana Roo (CIQRO), um espaço de pesquisa em ecodesenvolvimento no Mexico Caribenho, uma região rica em recursos naturais e dominada pelo turismo. Nos anos 80 Alberto trabalhou em Washington, DC como consultor. Ele colaborou na campanha que resultou na primeira incorporação dos aspectos ambientais nas políticas do Banco Interamericano de Desenvolvimento e no Banco Mundial. E quem foi a pessoa chave nessa campanha?

Chico Mendes.
Alberto estava lá.
Elos que fazem com que uma história aproxime as pessoas.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

DIVERSIDADE CULTURAL


[Alunos do curso Environment, Development and Social
Movements: an Amazonian Perspective, Yale, Fall 2004.]


Os alunos que fazem o Mestrado na Escola de Florestas de Yale vêm de diferentes países. No curso do Fall de 2004 havia uma incrível diversidade étnica e cultural: Japão, Colômbia, Peru, Brasil e, claro, Estados Unidos.

Ao final do curso os alunos fazem uma avaliação escrita confidencial. E o nosso curso recebeu uma das mais altas daquele semestre, por uma razão muito simples: a perspectiva de aplicar os conhecimentos adquiridos que a questão dos movimentos sociais desperta. A mesma razão que me atraiu para a Amazônia e que continua instigando tantas pessoas, de estudantes a profissionais.

Outro aspecto que também me chamou a atenção foi a experiência de campo que os estudantes norte-americanos tinham, apesar de serem muito jovens. Eles aproveitam as férias para trabalhar como bolsistas em comunidades indígenas, ongs, instituições conservacionistas ou de pesquisa, aprendem a língua (praticamente todos falavam espanhol além do inglês) e depois utilizam as informações em seus trabalhos acadêmicos.

A história do movimento dos seringueiros é paradigmática neste contexto, e abre inúmeras possibilidades de comparação. Fiquei até surpresa quando recebi este email Catherine Schloegel, minha aluna que acompanha o confronto jurídico dos indígenas do Equador contra a Texaco:

"O final de semana passado tive a oportunidade de encontrar Judith Kimerling que apoiou os grupos indígenas do norte da Amazônia Equatoriana em sua luta contra a Texado. Estou entusiasmada com a possibilidade de trabalhar com ela neste verão. Enquanto o processo jurídico contra a Texaco está parado, ela decidiu convidar 31 comunidades indígenas (que já manifestaram interesse em trabalhar com ela) para uma reunião durante a qual elas vão começar a escrever planos comunitários de recuperação ambiental. Se as comunidades ganharem a questão na justiça, ela acredita que grande parte do dinheiro ficará diluído e que elas teriam uma melhor oportunidade de reivindicar sua parte com um plano bem desenvolvido de recuperação...

Estou escrevendo para você porque, falando com ela, não pude deixar de lhe contar a respeito do curso que você deu em Yale e sobre o primeiro encontro dos seringueiros que você organizou em 1985 em Brasília. O sonho dela de colocar as 31 comunidades juntas este verão no Equador é muito parecido com o trabalho que você fez em 1985. Na minha conversa com Judith, ela mencionou que está preocupada em como encontrar fundos para pagar ônibus e barcos para viabilizar que representantes de cada comunidade possam atender. Então, estou te escrevendo para perguntar por idéias a respeito de como encontrar recursos para apoiar reuniões de comunidades como estas...."

A comparação é interessante, embora o tempo seja outro. Em 1985 nós conseguimos apoio da Fundação Interamericana, da UnB, da Oxfam, do INESC, da CNBB, mas o dinheiro só era suficiente para trazer 130 seringueiros a Brasília e não para levá-los de volta. Decidimos trazê-los, mesmo sem ter como pagar a volta... eu tinha certeza que ninguém iria querer deixá-los em Brasília por muito tempo. E foi assim que aconteceu: os governos estaduais rapidamente pagaram para os manifestantes voltarem para casa...

O entrosamento com os estudantes também foi muito bom, como se pode perceber da festa na qual cada um leva a cultura de seu país para trocar com os outros!

AMAZÔNIA EM MARSH HALL



Marsh Hall é essa casa de 1860 onde funcionou, por muitos anos, a primeira Escola de Florestas dos Estados Unidos, e que é hoje parte do patrimônio histórico nacional. Era a residência de um famoso paleontologista e explorador do século dezenove, professor Othniel C. Marsh.

Ali, naquela janela do térreo do lado direito da entrada, era o meu gabinete quando fui professora visitante da Universidade de Yale no fall de 2004.

O curso chamou "Environment, Development and Social Movements: an Amazonian perspective"(Meio Ambiente, Desenvolvimento e Movimentos Sociais: uma perspectiva Amazônica) e teve Christiane Heringhaus, que estava fazendo seu doutorado, como co-professora. Christiane defendeu sua dissertação no ano passado depois de mais de dois anos de pesquisa na Reserva Extrativista Chico Mendes. O título: "Post-Victory Dilemmas: Land Use, Development, and Social Movement in Amazonian Extractive Reserves" (Dilemas Após a Vitória: Uso da Terra, Desenvolvimento e Movimentos Sociais nas Reservas Extrativistas Amazônicas) é auto-explicativo em relação à relevância do debate.

Os alunos que fizeram o curso tiveram a oportunidade de aprender comigo a história de Chico Mendes, os empates contra as derrubadas, o Encontro Nacional dos Seringueiros onde surgiram os debates iniciais em torno da idéia de reserva extrativista, e as estratégias para conseguir que essa proposta fosse apoiada por algum órgão de governo. E aprenderam com a Christiane os desafios atuais quando aquela idéia de vinte anos atrás se transformou em uma política pública bem sucedida.

Foi desse debate que surgiu a idéia de ampliar as pesquisas nas reservas porque não sabemos nem direito quantas áreas existem quanto mais como se vive e quais os desafios que as pessoas estão enfrentando. O Conselho Nacional dos Seringueiros acompanha, reúne, anda pelas áreas. Mas existem lugares nos quais nunca chegou. O CNPT, criado para ser o interlocutor oficial principal, não tem estrutura financeira nem pessoal preparado para isso. O resultado é que, vinte anos depois que começaram a ser criadas, não temos uma visão de conjunto sobre as políticas e práticas de implementação.

Dar este tipo de curso nos Estados Unidos (Yale, Chicago e Flórida) tem me permitido perceber o incrível avanço dos movimentos sociais na Amazônia. Não existe nada parecido nos outros países da Bacia Amazônica em termos de criatividade, alcance e vitalidade das propostas. Existem movimentos muito fortes, especialmente indígenas nos países andinos, como a eleição de Evo Morales evidenciou na Bolívia. O que não existe é a prática de implementar propostas do nada, contando exclusivamente com a determinação de fazê-las virar realidade. Quem poderia imaginar, em 1976, quando começaram os empates, que em 2006, teríamos um patrimônio tão grande protegido para comunidades locais!

Amanhã a estória passa por Chicago antes de chegar na Flórida.

IDENTIDADE VIRTUAL



Estou iniciando este blog hoje, 25 de janeiro de 2006, com alguns objetivos em mente.

Um deles resulta da descoberta do poder da identidade virtual. Sou navegadora persistente há muitos anos e quero potencializar este espaço virtual de comunicação. Não há nada mais interessante do que poder me comunicar com o mundo a partir da biblioteca da minha casa em Curitiba, de Gainesville, de Yale, ou de qualquer outro lugar deste planeta. Quero potencializar esse espaço com identidades reais.

O outro é um imperativo: é preciso construir um espaço de comunicação a respeito do que acontece hoje nos territórios protegidos da Amazônia. Mario Menezes (Amigos da Terra) enviou hoje os seguintes dados:

"Atualmente, existem na Amazônia 59 Reservas Extrativistas e 14 Reservas de Desenvolvimento Sustentável, abrigando 143 mil pessoas e garantindo o uso sustentável e a proteção de 19,1 milhões de hectares de florestas. Mais 45 novas unidades estão em processo de criação na região e 28 em outras regiões do país. São territórios protegidos para uso sustentável dos recursos naturais por comunidades locais. Outros números significativos estão relacionados com os projetos de reforma agrária não convencionais, ou seja, que também consideram os aspectos ambientais. Existem 39 Projetos de Assentamento Extrativista e oito Projetos de Desenvolvimento Sustentável já criados, sobre 3,1 milhões de hectares, onde vivem 52.375 pessoas.

No total, são 120 unidades criadas, 22,2 milhões de hectares, ou 5,4% da floresta, colocados sob o regime dessas modalidades de conservação de uso sustentável e de reforma agrária ecológica, e em torno de 196 mil pessoas vivendo nesses territórios".

Esta é a síntese de 2005, que foi um ano especial: 20 anos desde a formulação da idéia de ter territórios especialmente protegidos para populações locais na Amazônia. Em 1985 ocorreu o primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros, em Brasília, que formulou esta idéia. E o Congresso das Populações Extrativistas que aconteceu em Manaus no início de dezembro, foi uma evidência da vitalidade destas idéias. Chico Mendes foi o primeiro, aquele que abriu os caminhos para novas e revolucionárias idéias. Nós apenas o seguimos e garantimos que fossem viabilizadas.

O último objetivo do espaço virtual é exatamente sua principal função: divulgar, debater, comunicar o que acontece nas reservas extrativistas e outras unidades de conservação de uso sustentável. Trata-se da Rede de Pesquisadores em Reservas Extrativistas, criada na Universidade da Flórida em novembro passado. E este vai ser o tema dos próximos textos.

Por hoje, deixo com vocês a imagem do Congresso dos Extrativistas ocorrido nos primeiros dias de dezembro de 2005 e a idéia de apresentar a Rede na próxima edição.

Este blog não será diário porque não sou jornalista e não dou conta de editar informações todos os dias. Pretendo que ele seja atualizado, pelo menos, duas vezes por semana. É o mínimo para começar a se comunicar.

O espaço está aberto.

Mary Allegretti

PS. Nada disso teria sido possível sem Altino Machado, este incrível jornalista do Acre. Além de muito bem informado, ele conhece os detalhes da tecnologia. Mais que isso, a diferença horária entre nós permite que ele esteja no ar quando eu estou acessando a web. Foi ele que viabilizou - e incentivou - a criação deste blog, que no futuro poderá ser parte da ANA - Agência de Notícias da Amazônia - uma idéia que vou me empenhar em concretizar.