sábado, maio 20, 2006

PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA...(2)

A segunda vez, no mesmo seminário, que um funcionário de alto escalão do governo afirmou a mesma coisa em relação a ser a primeira vez na história... foi quando Tasso Azevedo disse que a Lei de Gestão das Florestas inovou ao separar a remuneração pela exploração do recurso natural, da propriedade da terra. Ou seja, não é mais preciso comprar terra para explorar o recurso florestal - o que a partir de agora passará a ser feito mediante concessão - o que elimina a especulação fundiária, uma das principais causas do desmatamento.

De fato essa separação é fundamental em toda a Amazônia. E Jorge Viana, governador do Acre, falou de forma muito interessante sobre isso, na aula que deu na Universidade da Flórida em dezembro passado. Ele disse mais ou menos assim:

"O segredo do desenvolvimento da Amazônia, está em compreender que, diferentemente de outras regiões não detentoras de florestas tropicais, aqui a riqueza não resulta da exploração direta da terra, mas do que se pode obter a partir da utilização do que está acima - biodiversidade e recursos florestais - e/ou abaixo da terra - recursos minerais."

Além disso, acrescentei, em um texto escrito em janeiro passado para o governo do Acre, "também a forma de exploração apresenta características próprias: mais importante do que ter a propriedade dos recursos é ter assegurado o direito de utilizá-los de forma permanente. A separação entre uso e propriedade é uma antiga tradição na região; dos indígenas aos extrativistas e, destes, às concessões florestais, os recursos naturais pertencem ao Estado e são utilizados ou explorados, mediante acordos e regras, por aqueles que detém direitos de posse ou de exploração. "

"Estes conceitos se originaram na luta das comunidades tradicionais do Acre e foram reconhecidos por pesquisas acadêmicas a partir da década de 90. E a inversão destes preceitos, colocando o valor da terra àcima do valor da floresta, prática que tem predominado nas florestas tropicais do Brasil e de vários outros países, é a causa de conflitos e disputas que em nada têm beneficiado as sociedades locais e a proteção da biodiversidade. "

O Decreto 98.897/90, assinado dois dias antes de José Sarney deixar a Presidência, criou a figura da reserva extrativista, aí sim, pela primeira vez na história da Amazônia, separando propriedade e uso dos recursos e oficializando uma modalidade de reforma agrária e uma política pública coerentes com essa peculiar maneira de lidar com os recursos na Amazônia. Essa política perdura, com muita vitalidade, até hoje. E essa é uma lição importante: toda política pública que resulta de um movimento social, ou que sacramenta uma forma socialmente consolidada de fazer as coisas, dá certo!

Assim, o que está sendo feito pela primeira vez, no caso da Lei Florestal, é aplicar esse conceito ao recurso madeireiro, porque aos não madeireiro já havia sido feito. Agora resta ver se essa Lei vai se consolidar, ou seja, se ela realmente resulta de uma demanda social.

PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA...


Quantas vezes você já escutou essa frase de algum representante do governo Lula: "pela primeira vez na história deste país.... fizemos isso e aquilo..."? De maneira geral, é sempre um risco fazer esse tipo de afirmação em qualquer área de atuação governamental. Na área ambiental, então, é temerário. Tem muita gente inovando há bastante tempo, já. Além disso quase tudo que se faz é continuação de algo que alguém já fez, dentro e fora do governo.

Tive que explicar isso ao Secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, Capobianco, na semana passada, no seminário do IPAM sobre a Amazônia, em Brasília. Ele afirmou que o esforço do governo Lula em gerenciar o impacto da BR 163, (Cuiabá-Santarém), com a criação de áreas protegidas e ações de ordenamento fundiário, foi uma iniciativa pioneira na Amazônia. Nunca aconteceu isso antes, disse ele, ou seja, pela primeira vez na história do país, etc

Na verdade, a primeira vez que o impacto de uma estrada foi discutido na Amazônia foi com o asfaltamento da BR 364, no trecho São Paulo - Cuiabá, quando a ABA - Associação Brasileira de Antropologia, fez o governo militar reconhecer os grupos indígenas que seriam afetados e regularizar seus territórios. O famoso massacre dos Nambikwara ficou conhecido no país e no mundo e representou o confronto dos antropólogos com o governo em função do asfaltamento de uma estrada.

Mas foi no segundo trecho da mesma rodovia, a 364, entre Porto Velho e Rio Branco que o maior confronto eclodiu. O BID, financiador da estrada, estabeleceu inúmeras medidas mitigadoras, ambientais e sociais (um projeto ainda hoje considerado exemplar dentro do Banco), em 1985! O governo brasileiro, embora tenha assinado o contrato com essas exigências, achou que não precisava cumpri-las porque ninguém iria cobrar. Acontece que Chico Mendes foi a Washington, cobrou e assinou uma sentença de morte ao assim fazer por contrariar fortes interesses no Acre. Chico foi assassinado. As terras indígenas foram criadas e as reservas extrativistas também. Ou seja, medidas mitigatórias de impacto de uma estrada na Amazônia estão diretamente relacionadas com o assassinato mais famoso do mundo - não se pode esquecer isso! E também com medidas fundamentais que evitaram a expulsão de muitas famílias e deram origem à política de áreas protegidas de uso sustentável, na figura das reservas extrativistas.

A única diferença, é bom que se diga, é que ninguém precisou ir a Washington para pressionar o governo brasileiro a cumprir a lei que determina a mitigação de impacto de obras desse tipo. Mas também, já não era sem tempo!