domingo, maio 03, 2009

Extrativismo no Plano Amazônia Sustentável

Esta semana 60 representantes de Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável de toda a Amazônia, liderados pelo Conselho Nacional dos Seringueiros, estarão reunidos para discutir uma nova política para o extrativismo no âmbito do PAS - Plano Amazônia Sustentável. É uma iniciativa da SAE - Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República que coordena o PAS, com apoio do CGEE - Centro de Estudos e Gestão Estratégica.

O seminário "O PLANO AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL E O FUTURO DO EXTRATIVISMO" será realizado nos dias 6 e 7 no salão Acrópole do Hotel Mercure Apartment Brasília Líder, em Brasília.
AGENDA

No dia 6, a abertura será realizada pelo Ministro Mangabeira Unger e espera-se também a presença do Ministro Minc. Em seguida a SAE vai apresentar a proposta de uma Nova Política para o Extrativismo. No período da tarde a proposta será discutida com os participantes. No dia 7 serão debatidos dois temas considerados relevantes pelos extrativistas:

Tema 1 - Regularização Fundiária das Reservas Extrativistas. O objetivo é realizar um balanço das dificuldades encontradas na regularização fundiária das Unidades de Conservação de Uso Sustentável, especialmente das Reservas Extrativistas na Amazônia, e apresentar alternativas.

Foram convidados a participar deste debate as seguintes instituições: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; Advocacia Geral da União; Secretaria de Patrimônio da União; INCRA; Ministério Público Federal e Secretaria de Assuntos Estratégicos.

Tema 2 - Gestão e Desenvolvimento das Reservas Extrativistas. O objetivo é realizar um balanço das ações, dificuldades e oportunidades relacionadas à gestão e ao desenvolvimento econômico das Reservas Extrativistas na Amazônia.

Foram convidados a participar deste debate as seguintes instituições: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável/MMA; Serviço Florestal Brasileiro; MAPA/Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Conab/Companhia Nacional de Abastecimento; Ministério do Desenvolvimento Social; Representante do PAC Social/Casa Civil; Secretaria de Assuntos Estratégicos.

Ao encerrar o seminário será definida uma Agenda de Compromissos entre os participantes.

UM BALANÇO 20 ANOS DEPOIS DE CHICO MENDES

O seminário vai fazer um balanço das conquistas e dos impasses vinte anos depois do assassinato de Chico Mendes e propor novas políticas que superem os obstáculos existentes para que as populações possam desenvolver sua potencialidade econômica e melhorar a qualidade de vida sem precisar para isso destruir a floresta.

As conquistas, vinte anos depois do assassinato de Chico Mendes, são enormes. Em termos de áreas criadas para populações extrativistas, os dados são impressionantes: as áreas reservadas para populações extrativistas totalizam 87 unidades protegendo 4.6% da Amazônia Legal. São 68 Resex e 19 RDS, federais e estaduais, cobrindo uma área total de 24.011.555 hectares (12.994.045 Resex e 11.017.510 RDS), representando 2.49% e 2.11% da Amazônia Legal respectivamente.

O mapa a seguir, produzido pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), para o seminário, mostra todas as áreas criadas até o momento:
















Fonte: IPAM/CGEE

O mais interessante é que estas áreas, desde que começaram a ser criadas, em 1990, até 2007, apenas desmataram 4% deste total; 3% no caso das Resex e 1% no caso das RDS.









Fonte: IPAM/CGEE

Durante o mesmo período deixaram para trás o sistema tradicional de escravidão por dívidas, criaram formas próprias de organização social e econômica, adquiriram educação formal, melhoraram os níveis de saúde, ampliaram os espaços de participação e influência nas políticas públicas.

Os impasses e desafios não são menores: desse total de áreas criadas, apenas duas estão plenamente regularizadas e receberam concessão de uso, conforme determina a lei. A regularização das demais anda em passos tão lentos que esse será um dos temas do seminário, que procurará reunir todos os órgãos responsáveis na mesma mesa, feito inédito até hoje.

Outro impasse refere-se às regras de gestão. O modelo adotado pela Lei que criou o Sistema de Unidades de Conservação, o SNUC (Lei nº 9.985, DE 18.07.2000) transferiu instrumentos de gestão das unidades de conservação de proteção integral para as de uso sustentável, como planos de manejo e conselhos deliberativos. São instrumentos importantes mas que não atendem exatamente as prioridades das comunidades extrativistas. Desde que assumiu a presidência do ICMbio, a instituição responsável pelas unidades de conservação do país, Rômulo Mello vem modificando a compreensão que os órgãos ambientais tinham até então destes mecanismos. Mas um aspecto ele ainda não mudou e vem criando grandes problemas nas áreas: a existência de chefes da reserva. Em unidades de conservação de uso sustentável como as Resex e RDS, que resultaram de anos de lutas das pessoas que moram ali, ninguém mais quer saber de chefe; o que eles querem é gestão compartilhada efetiva, um conceito bem mais apropriado a essa realidade.

Outro desafio, talvez o mais crítico, é o desenvolvimento destas áreas, razão principal do seminário desta semana em Brasília. É preciso construir uma nova política que, ao mesmo tempo viabilize a exploração sustentável da importante biodiversidade amazônica, e a proteja. Nenhum outro país do planeta enfrentou desafio semelhante na escala do que temos que enfrentar.

A pergunta que nos fazemos é a seguinte: o governo militar criou a Zona Franca de Manaus e disponibilizou todos os tipos de incentivo e isenção fiscal para que empresas nacionais e multinacionais ali se instalassem para produzir bens de consumo e também quinquilharias que não tem nada a ver com a realidade da Amazônia. Do ponto de vista econômico é um típico enclave no meio da floresta. Mas um dos benefícios da Zona Franca foi gerar empregos urbanos sem exercer pressão sobre a floresta, embora pouco tenha representado em termos da economia da floresta.

E se os mesmos benefícios fiscais e tributários fossem alocados para a indústria dos produtos extrativistas, isso não poderia trazer um revolução para as população da floresta amazônica?

Outro tema relevante é a remuneração pelos serviços ambientais proporcionados pelas populações extrativistas para toda a sociedade brasileira e planetária. Não seria justo que erradicássemos a pobreza dessas áreas, que gerássemos um avançado sistema de educação e implantássemos pólos de alta tecnologia em compensação por esse serviço? E qual o estoque de carbono assegurado por estas áreas, quanto isso representa de emissões evitadas e quanto poderiam as populações ganhar neste mercado?
Estas e outras questões serão debatidas no seminário desta semana. Outros dados inéditos serão apresentados durante a reunião. Será mais um marco na longa e exemplar trajetória destas pessoas que ainda hoje se inspiram em Chico Mendes.

Concluo com uma fala de Julio Barbosa, que já foi presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros e prefeito de Xapuri, liderança histórica e respeitada do movimento dos seringueiros:

"A questão do desenvolvimento da Amazônia versus preservação vem convivendo com uma série de conflitos há bastante tempo, e a cada ano que passa essa relação entre produção e preservação vem agravando esses conflitos. O obstáculo que existe para nós, enquanto representantes de comunidades tradicionais, está exatamente no processo conceitual. Existe uma visão, que nós consideramos extremamente prejudicial para o processo de desenvolvimento da região, que é: 'quando se preserva você não pode explorar absolutamente nada'. Esse processo é extremamente equivocado quanto à história da Amazônia, porque a Amazônia foi ocupada ao longo de sua história por populações que ao mesmo tempo produziram e preservaram.

A nossa grande discussão agora é que não estamos mais vivendo no século XIX, estamos vivendo no século XXI e o desafio é a busca de melhoria e de qualidade de vida para essas populações que têm como garantia a preservação do patrimônio natural. Então, acho que esse é um desafio que existe na questão do extrativismo. Nós temos discutido isso há muitos anos, porque se avança tanto no Brasil na pesquisa da atividade agropecuária - em poucos anos a questão da soja no Brasil se fortaleceu com inúmeras pesquisas importantes; agora estamos na questão do biodiesel e do etanol; o Brasil já tem informações em quantidade acerca das potencialidades da produção do biodiesel e do etanol - e por quê em 100 anos não conseguimos avançar em nada em estudos para o desenvolvimento do extrativismo não-madeireiro? Da forma como estamos vivendo não dá para continuar; ou o extrativismo passa a ser um produto importante para o desenvolvimento da Amazônia ou teremos a nossa floresta sofrendo ameaças de desmatamento." Seminário o Futuro do Extrativismo, Belém, 17.10.2008.