quarta-feira, junho 25, 2008

A MORTE DA RUTH CARDOSO

A morte da antropóloga Ruth Cardoso mexeu comigo desde ontem à noite quando vi a notícia na televisão. Não fui sua aluna, não trabalhei com ela em nenhum dos programas que ela coordenou durante o tempo em que fui da equipe do presidente Fernando Henrique Cardoso; conversamos algumas vezes, não tantas vezes quanto eu gostaria; mas ela sempre marcou muita gente, e a mim também. E por que?

Como antropóloga, ela trabalhava com questões urbanas, eu com questões florestais, ambientais, por isso não nos cruzamos muito em cursos, palestras, eventos da área. Assim, não foi no exercício da profissão, estrito senso, que ela me marcou.

As oportunidades que tive de encontrá-la e conversar com ela, foram durante o tempo em que estive à frente da Secretaria de Coordenação da Amazônia, no Ministério do Meio Ambiente.

Quando cheguei, sua marca já estava lá. Em articulações feitas pelo Conselho Nacional dos Seringueiros e executadas pela antropóloga Ana Lange, havia sido criado, em 1998, o Programa Amazônia Solidária, a primeira iniciativa de inserir nas políticas públicas federais ações efetivas voltadas para esse segmento social, na área de apoio financeiro a projetos, política de preços para a borracha, organização da produção. Recursos, ainda pequenos, estavam no orçamento para 1999. Os seringueiros e extrativistas já tinham a política de criação de reservas definida e em execução, mas ainda não tinham a política de desenvolvimento, que começou ali, e cujos recursos foram crescendo todos os anos até 2003.

Digamos, porém, que esse era um reflexo de sua atuação no governo como um todo; como idealizadora do programa Comunidade Solidária, mais cedo ou mais tarde iniciativas como essas chegariam aos seringueiros como chegaram a muitos outros segmentos da sociedade.

Não eram os resultados de suas ações nem as idéias que defendia, que mobilizavam o meu interesse. O que me impressionava nela eram características de personalidade que admiro - e que são tão raras - em pessoas públicas:

- o senso de igualdade: o mesmo tratamento dado para todas as pessoas; opiniões mantidas, sem se preocupar em agradar ninguém.

- a convicção expressa: a opinião fundamentada na capacidade de análise da realidade, dita com tranquilidade, sem querer convencer nem intimidar, mas que convencia e intimidava pela consistência.

- a presença forte e discreta: como alguém consegue fazer as duas coisas é algo que só vi de fato nela; essa certeza de que não precisava aparecer, nem fazer valer sua opinião, porque não estava interessada com imagem mas com fatos.

- a independência: não tinha partido e era respeitada por todos, não fazia parte de nenhuma igreja, não condicionava sua opinião a pesquisas nem a momentos, não regulava seus atos pelas expectativas dos outros.

Talvez, pensando bem, essas são características que se aprende na profissão: ver o ponto de vista do outro, se colocar no lugar dele, captar sua lógica, são passos que levam ao hábito de questionar, valorizar, relativizar, um jeito de ser que distingue os que fazem algo porque a realidade exige que algo seja feito e não porque os outros esperam que se faça.

A morte de Ruth Cardoso tira de cena essa referência. E é isso que me deixa triste - não ter referências em que se espelhar. Não ter pessoas públicas a admirar.

domingo, junho 01, 2008

POLÍTICA PARA O EXTRATIVISMO NO PARÁ


Duas lideranças do Pará, Raimunda Monteiro, Diretora Geral do Instituto de Florestas do Pará - Ideflor e Atanagildo Matos, o Gatão, da Diretoria do Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS, articularam o governo e os movimentos sociais para aprovar a nova política de extrativismo do estado do Pará. A política foi publicada no dia 29 de maio e o texto está a seguir:

DIÁRIO OFICIAL Nº. 31179 de 30/05/2008

GABINETE DA GOVERNADORA

D E C R E TO Nº 1.001, DE 29 de maio de 2008

Institui a Política Estadual de Desenvolvimento do Extrativismo no Pará.

A GOVERNADORA DO ESTADO DO PARÁ, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 135, inciso V, da Constituição Estadual, e

Considerando, a demanda dos extrativistas do Pará, no sentido de elaborar uma proposta de política de desenvolvimento da economia extrativista adequada à realidade regional, respeitando suas peculiaridades;

Considerando, que foi instituído um grupo de trabalho, através do Decreto nº 370, de 23 de agosto de 2007, com o objetivo de elaborar a política de desenvolvimento da economia extrativista no Pará;

Considerando, os resultados do Seminário Estadual de Extrativismo e Populações Tradicionais;

Considerando, as orientações da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto Nacional nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007,

D E C R E T A:

Art.1ºFica instituída a Política Estadual de Extrativismo no Pará, na forma do Anexo deste Decreto.

Art. 2º Para os fins deste Decreto e do seu Anexo, compreende-se por:

I -Atividade Extrativista Florestal: a coleta, o uso, o beneficiamento e a comercialização de produtos não-madeireiros originários de recursos florestais, fauna silvestre, recursos pesqueiros nativos e a prestação de serviços ambientais;

II – Extrativista: toda e qualquer pessoa física que comprove a prática da atividade extrativista, por meio de documento pessoal ou de organização representativa, desde que reconhecidos pela Delegacia Regional do Trabalho;

III -Produtos florestais não-madeireiros: qualquer recurso natural nativo retirado de forma sustentável da floresta, lagos e rios, excetuando-se a madeira e seus subprodutos;

IV -Serviços ambientais extrativistas: serviços oferecidos pelos ecossistemas e mantidos pelos extrativistas por meio de atividades sustentáveis (produção de oxigênio e seqüestro de carbono, belezas cênicas, conservação da biodiversidade, proteção de solos e regulação das funções hídricas).

Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

PALÁCIO DO GOVERNO, 29 de maio de 2008.

ANA JÚLIA CAREPA
Governadora do Estado

ANEXO ÚNICO
POLÍTICA ESTADUAL DE EXTRATIVISMO

Dos Princípios

Art. 1º As ações e atividades voltadas para o alcance dos objetivos da Política Estadual de Extrativismo deverão ocorrer de forma intersetorial, integrada, coordenada, sistemática e observar os seguintes princípios:

I -o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade socioambiental e cultural dos extrativistas;

II -a segurança alimentar e nutricional como direitos tradicionais ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis;

III -o desenvolvimento sustentável como promoção da melhoria da qualidade de vida para as gerações presentes, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras e respeitando os seus modos de vida e as suas tradições;
IV -a promoção da descentralização e transversalidade das ações e da ampla participação da sociedade civil na elaboração, monitoramento e execução desta Política a ser implementada pelas instâncias governamentais;
V -a articulação com as demais políticas públicas relacionadas aos direitos dos extrativistas nas diferentes esferas de governo;
VI -a promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos extrativistas nas instâncias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses;
VII -a articulação e integração com o Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional;

VIII -a contribuição para a formação de uma sensibilização coletiva por parte dos órgãos públicos sobre a importância dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e do controle social para a garantia dos direitos dos extrativistas;

IX -a preservação dos direitos culturais, o exercício de práticas comunitárias, a memória cultural e a identidade racial e étnica.

Do Objetivo-Geral

Art. 2º Política Estadual de Extrativismo tem como principal objetivo promover de forma integrada o desenvolvimento sustentável da economia extrativista no Estado do Pará, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais das comunidades extrativistas, com respeito e valorização a sua identidade, suas formas de organização e suas instituições.

Dos Objetivos Específicos

Art. 3º São objetivos específicos da Política Estadual de Extrativismo:

I -normatizar o uso dos recursos florestais extrativistas, levando em consideração os aspectos regionais, socioeconômicos e culturais;

II -apoiar as atividades de uso comunitário e familiar sustentável nas florestas localizadas no Estado do Pará;

III -instituir a assistência técnica florestal pública para o desenvolvimento de cadeias produtivas extrativistas com base nos recursos florestais do Estado do Pará;

IV -articular, junto aos órgãos afins do Governo Federal, definição de prioridades regionais, a serem atendidas no âmbito dos programas desenvolvidos no Estado, conforme demandas da Comissão;

V -estruturar arranjos produtivos locais da economia extrativista, o estudo de suas potencialidades de uso e acesso a mercados, a estruturação de unidades industriais e apoiar o fortalecimento da capacidade de gestão de negócios;

VI -promover a capacitação e a qualificação profissional dos extrativistas para a indução de novas atividades de geração de renda com base no uso de recursos florestais;

VII -articular junto ao Banco do Estado do Pará S.A. a inserção de linhas de crédito de acesso direto simplificadas e adequadas à realidade das populações extrativistas;

VIII -promover incentivos fiscais para a execução e instalação de empreendimentos extrativistas em escalas familiar e comunitária, desde que sejam de relevância para o desenvolvimento econômico local ou regional;

IX -implementar ações de ensino médio e programas de alfabetização e ensino fundamental de jovens e adultos voltadas aos extrativistas, de acordo com as especificidades das realidades locais;

X -implementar, no âmbito da ETPP -Escola de Trabalho e Produção do Pará, o ensino profissionalizante extrativista;

XI -disponibilizar linhas de fomento à pesquisa local diferenciada;

XII -garantir a comunicação e a inclusão digital, em áreas essenciais para o desenvolvimento da economia extrativista;

XIII -garantir a proteção da propriedade intelectual dos extrativistas;

XIV -promover investimentos em infra-estrutura para o acesso aos locais de produção, para o funcionamento de plantas de beneficiamento próximas às comunidades, para o armazenamento e comercialização da produção extrativista;
XV -desenvolver mecanismos para o reconhecimento das atividades extrativistas para o acesso à seguridade e a benefícios sociais;
XVI -articular ações que viabilizem o atendimento das demandas das comunidades extrativistas quanto ao acesso à energia elétrica e água potável;
XVII -implementar ações de proteção, recuperação, manutenção e uso das áreas de manguezais e outras formações florestais de influência marinha;
XVIII -fortalecer as organizações sociais representativas das populações extrativistas;
XIX -formular a política estadual de remuneração por serviços ambientais.

Dos Instrumentos

Art. 4º São instrumentos de implementação da Política Estadual de Extrativismo:

I -a Comissão Estadual de Extrativismo -COMEX, composta pelos membros do Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto nº 370, de 23 de agosto de 2007, acrescidos da Secretaria Estado de Pesca e Aqüicultura -SEPAq e do Instituto de Terras do Pará -ITERPA;

II -o Plano Plurianual:

a) Pará Florestal;

b) Ciência, Tecnologia e Informação;

c) Desenvolve Pará.

III -o Plano de Ação, compreendendo:

a) a Terra de Direitos;

b) o Campo Cidadão;

c) a Bolsa Trabalho para capacitação para o desenvolvimento de atividades extrativistas de base florestal.

Da Implementação

Art. 5º A implementação da Política de Extrativismo requer instância colegiada que busque o cumprimento dos interesses dessa Política junto ao Governo Estadual, zele pela descentralização da execução das ações e vise assegurar a participação dos setores interessados.

§ 1º Fica instituída a Comissão Estadual de Extrativismo -COMEX, que será composta pelos membros do Grupo de Trabalho, instituído pelo Decreto nº 370, de 23 de agosto de 2007.

§ 2º As atribuições da Comissão serão definidas em regulamento.

Art. 6º A coordenação da Política de Extrativismo caberá ao Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará -IDEFLOR, que terá as seguintes atribuições:

I -articular as ações da Política Estadual de Extrativismo junto aos demais setores do governo e da sociedade;

II -acompanhar e avaliar a execução dos componentes da Política de Extrativismo e elaborar relatórios de desempenho das atividades da economia extrativista no Pará;

III -articular-se com os demais órgãos públicos e instituições afetos aos temas tratados para a elaboração e encaminhamento de propostas de criação ou modificação de instrumentos legais necessários à boa execução da Política de Extrativismo;

IV -promover a integração de políticas setoriais para aumentar a sinergia na implementação de ações direcionadas à gestão sustentável do extrativismo (conservação, utilização sustentável e repartição de benefícios), evitando que estas sejam conflituosas;

V -estimular a cooperação interinstitucional e internacional para a melhoria da implementação das ações de gestão do extrativismo.