segunda-feira, outubro 30, 2006

BIBLIOTECA DA FLORESTA

Governo do Estado do Acre

Biblioteca da Floresta

A Amazônia do século 21 tem múltiplas faces: sociedades desconhecidas imersas na floresta densa se protegem no auto-isolamento; indústrias de alta tecnologia convivem com a extração e coleta de produtos nativos; frentes de expansão abrem enormes clareiras para extrair rapidamente riquezas milenares; alguns governos privilegiam a conservação enquanto outros lideram a destruição. Ao mesmo tempo em que parcela da sociedade aposta em um futuro sustentável outros apelam para a violência.

Nessa multiplicidade de cenários a idéia de viver dos recursos da floresta ainda não alcançou a hegemonia; mas quebrou-se a noção de que desenvolvimento só pode ser alcançado pela destruição da natureza. Não se pode falar em Amazônia, hoje, sem elencar as inovadoras e avançadas iniciativas de gestão baseadas nos mais modernos conceitos de sustentabilidade.

O Acre sempre esteve à frente deste processo inovador de construção de um modelo novo para a Amazônia. No Acre surgiram os movimentos sociais contra o desmatamento na década de 70 e as primeiras propostas da sociedade civil para conciliação entre desenvolvimento e meio ambiente na década de 80. Aqui se desenvolveu a única experiência continuada de mais de dez anos de gestão pública, municipal e estadual, voltada para a implementação de um modelo de desenvolvimento baseado na valorização dos recursos florestais e da biodiversidade.

Agora, depois de mais de 20 anos de história, é preciso colocar à disposição da sociedade o acervo de experiências práticas construído pelos movimentos sociais, pela gestão pública e comunitária dos recursos naturais e pelas iniciativas legislativas e judiciárias geradas no processo. Em um mundo velozmente conectado pela Internet a circulação de informações produzidas em diferentes lugares do mundo pode influenciar formadores de opinião, aqui e lá. É preciso construir um espaço para que essa troca de saberes aconteça.

Este é o espírito da Biblioteca da Floresta: reunir a experiência dos movimentos socioambientais e da gestão pública do Acre com as múltiplas formas de pensar a sociedade e o ambiente que vem sendo formuladas por centros de excelência, comunidades e governos espalhados em nichos institucionais diferenciados em nosso Planeta.

Para tornar esse ousado projeto realidade, contamos com a sua colaboração.

Jorge Viana, governador

Biblioteca Pública Temática de Florestas Tropicais

Objetivos

O Governo do Estado do Acre, consciente da sua responsabilidade junto à sociedade e ao meio ambiente, vem implementando o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Acre, uma política inovadora fundamentada em alternativas de utilização econômica e ambiental sustentáveis dos recursos naturais, em coerência com a importância da Amazônia na economia brasileira e mundial. Com apoio financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID e do BNDES, o programa visa promover o desenvolvimento florestal respeitando o alto nível de diversidade biológica e cultural existente no Estado.

Um dos desafios desse modelo de desenvolvimento é assegurar os meios para sua continuidade no futuro. A educação da sociedade e o acesso de pesquisadores e formadores de opinião a fontes de informação é uma das alternativas mais eficientes de assegurar que isso aconteça e que resultados aperfeiçoados sejam alcançados no curto e no médio prazo.

Para atender a esta demanda, o Governo do Estado do Acre criou a "Biblioteca da Floresta" - Biblioteca Pública Temática de Florestas Tropicais com os seguintes objetivos: (i) organizar a informação histórica e atual sobre desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões (econômica, social, ambiental, institucional, política e cultural); (ii) disponibilizar trabalhos de pesquisa acadêmica e técnica sobre temas relevantes ao desenvolvimento sustentável (manejo de uso múltiplo; áreas protegidas; gestão comunitária; tecnologia de transformação industrial de matéria-prima; alternativas de geração de valor; remuneração de serviços ambientais, dentre outros); (iii) incentivar a ampla divulgação dos resultados de estudos, pesquisas e projetos em execução na região, por meio de publicações, seminários, debates e outros meios considerados adequados.

Aspecto estratégico da implantação da Biblioteca da Floresta é a parceria com instituições nacionais e internacionais (universidades, centros de estudo, organizações multilaterais, governamentais e não governamentais) que possam contribuir com a organização e manutenção de um acervo de documentos e fontes atualizados sobre o desenvolvimento sustentável em diferentes países do mundo. Este acesso deverá ser viabilizado mediante convênios de cooperação técnica e científica a serem firmados entre o Governo do Acre e as instituições identificadas.

Coleção Especial: Movimentos Socioambientais do Acre

Aspecto fundamental para atrair a atenção de pesquisadores à Biblioteca da Floresta é a originalidade da documentação que conseguir reunir. O Governo do Estado decidiu identificar acervos relevantes e originais que possam vir a ser incorporados, mediante cessão ou doação, ao setor de documentação e pesquisa da Biblioteca. A primeira iniciativa está reunindo a memória dos movimentos socioambientais do Acre e da Amazônia naquele espaço. Para isso, foi firmado convênio com o Centro dos Trabalhadores da Amazônia, visando a digitalização de filmes, entrevistas gravadas e acervo documental sobre as iniciativas lideradas por Chico Mendes na década de 80. Convênios cobrindo acervos de outras instituições deverão ser realizados no futuro. Esse material passará a fazer parte da documentação da Biblioteca da Floresta e regras de acesso serão definidas para instituições e pesquisadores que queiram permutar conhecimento e informação.

Funcionamento

A Biblioteca da Floresta será um espaço organizado para atrair pesquisadores interessados na realidade amazônica e acreana e para abrir horizontes para pesquisadores locais trocarem informações com instituições internacionais. Para atingir estes objetivos está sendo organizada em diferentes seções:

. Bibliografia nacional e internacional
. Publicações oficiais de instituições ligadas ao tema
. Acesso on line a livrarias e coleções . Acervos digitalizados e/ou microfilmados

Gestão

A Biblioteca da Floresta está vinculada à Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour – FEM, responsável pelo monitoramento das atividades processuais do projeto, como implantação, organização técnica e capacitação de pessoal. A Biblioteca estará vinculada ao Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas - SEBP/AC e ao Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas – SNBP.

Formas de Colaboração

A Biblioteca da Floresta será implantada por intermédio de diferentes parcerias:

- Doação e/ou permuta de livros
- Doação de artigos técnicos
- Doação de documentos para a Coleção Especial

- Acesso a recursos on line
- Publicações governamentais, de ONGs e organizações multilaterais

Defina sua forma de colaboração e entre em contato:

SEBP/BIBLIOTECA DA FLORESTA
Helena Carloni
Rua Franco Ribeiro 77
69.908.020 Rio Branco, Acre
biblioteca.floresta@ac.gob.br

quinta-feira, outubro 26, 2006

UMA BIBLIOTECA ESPECIAL

O Acre está criando uma biblioteca especial.:
a Biblioteca da Floresta.

Governador Jorge Viana está enviando uma carta para instituições nacionais e internacionais divulgando a nova instituição e solicitando publicações.

Se você acha que esta é uma iniciativa importante, mande seu livro, ou doe um livro que você considera fundamental que alguém leia.

Veja a carta do governador e os objetivos da biblioteca no blog.

terça-feira, outubro 24, 2006

GORE AGITA AMERICANOS















Mensagem e foto de Brent Millikan diretamente de Berkeley , Califórnia

MAIS QUE CONVINCENTE

Hoje fui num comício em Berkeley em prol da aprovação de Proposition 87, referendo a ser votado nas eleições de novembro que visa a diminuir a dependência do Estado da Califórnia ao petroleo importado e estimular a adoção de energias alternativas limpas. O convidado especial era o Al Gore, que fez um ótimo discurso, destacando a oportunidade histórica e responsabilidade da California em tomar a liderança nos esforços pare enfrentar o aquecimento global nos EUA, inclusive como forma de pressionar o Governo Bush a mudar sua desastrada posição. Alias, para quem ainda não assistiu, vale conferir o excelente filme documentário "Uma verdade inconveniente", mesmo que seja mais voltado, com razão, ao público dos Estados Unidos. Um dos destaques do discurso do Gore foi quando mencionou que esteve no Brasil na semana passada, e ficou impressionado com os esforços do país em buscar alternativas ao petroleo, por meio alternativas aos combustíveis fosseis (alcool, biodiesel) e carros bi-combustivel. Foi muito bom estar neste evento em Berkeley, seio do movimento contra a guerra no Vietnã, e testemunhar mais um exemplo dos novos ventos que começam a soprar (finalmente) nos EUA, depois de tanto estrago cometido pelo Governo Bush.

Abraços, Brent

quarta-feira, outubro 11, 2006

O CORAÇÃO DA FLORESTA

Iniciativa governamental ameaça o coração da floresta

Mario Menezes em 11/10/2006

Fonte: Jornal do Commercio

O governo federal e o governo do Amazonas propuseram e vêm anunciando a reconstrução da rodovia BR-319, que corta a Amazônia Central e um dia interligou Manaus e Porto Velho. Para mitigar os impactos socioambientais que serão gerados por essa estrada, propõem implementar um mosaico de unidades de conservação-UCs, na sua região de influência, denominada Área sob Limitação Administrativa Provisória-ALAP da BR-319, com mais de 15 milhões de hectares.
A Casa Civil da Presidência da República e o Ministério do Meio Ambiente alegam que a decretação dessa ALAP foi decidida em função do êxito alcançado por estratégia semelhante, na BR-163, que liga Cuiabá a Santarém. Nada mais equivocado e enganoso, entretanto.
Os contextos em que estão inseridas as duas rodovias são inteiramente diferentes, exigindo abordagens também distintas no ordenamento de seus territórios. As regiões do Pará e do Mato-Grosso cortadas pela BR-163 estão sob forte pressão da expansão da soja, acompanhada de intenso processo desordenado de exploração madeireira e de grilagem. Ali, o planejamento de unidades de conservação e a adoção de medidas de comando e controle - fiscalização, por exemplo - contribuem para o ordenamento territorial, embora seja controversa a sua pavimentação.

Na BR-139, essas pressões não existem, e a ALAP poderá converter-se em vetor de alteração da floresta ao longo de seu eixo. Nela, a exploração madeireira não constitui atividade econômica importante, mas mais da metade dos oito milhões de hectares propostos para criação de Ucs serão florestas nacionais (flonas), tendo em vista a produção de madeira, principalmente. A cultura da soja fez um ensaio nos campos do sul do estado, onde também intensificou o desmatamento de florestas, e seu significado sócio-econômico é muito pequeno no Amazonas. Não obstante isso, os planejadores mantiveram extensas áreas sem destinação na parte mais próxima de Manaus e do porto graneleiro de Itacoatiara. Esse porto viabilizou a soja no oeste do Mato-Grosso e sul de Rondônia, a mais de 1.000 km de distância, com redução de 38% do seu custo de escoamento, em relação aos portos do Sul, e é de se imaginar o que não poderá provocar nessa área dele distante apenas 300 km.

Lembremos do caso da Flona do Bom Futuro, em Rondônia, que foi drasticamente alterada por invasões durante anos, e que toda a pressão que causou esse dano e a alteração de praticamente todas as Ucs e Terras Indígenas naquele estado está "represada" à espera da reabertura da 319, onde haverá flonas e outras Ucs e Terras Indígenas a ser controladas pelo poder público. Lembremos, também, da expansão da soja no planalto santareno, no Pará, que deslocou centenas de famílias rurais e alterou profundamente aquela paisagem, com todos os conflitos e degradação que essa atividade está produzindo - em grande parte estimulados pelo porto, também controverso, que a Cargill construiu em Santarém.

Também não dá para desconsiderar o potencial de "vazamento" demográfico e de atividades econômicas que grandes obras como as pretendidas no Alto Madeira vão gerar e empurrar para o sul do Amazonas, pela valorização das terras em áreas de ocupação consolidada, como as que se encontram sob influência direta da BR-364, em Rondônia, e que estudos de avaliação ambiental estratégica dessas obras detectam como certa.

Com a proposta de criação da ALAP, o governo federal atropelou o Programa Zona Franca Verde, do governo do Amazonas, que prevê estudos e discussão de alternativas, para esses casos, como vêm a ser, por exemplo, a hidrovia e a ferrovia. Programa que, aliás, desenvolve um importante projeto de sustentabilidade da exploração madeireira, em todo o estado, de forma gradativa, sem os riscos de um abrupto incremento dessa atividade, que a ALAP tende a produzir.

Questionados publicamente por entidades da sociedade civil sobre esse by pass ao programa do governo estadual, o MMA e a Casa Civil da Presidência da República não se manifestaram. Já o governo do Estado, através de seu secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, demonstrou o quanto foi feito e discutido sobre a área, cujos subsídios, todavia, serviram tão somente para o planejamento da ALAP, deixando de protagonizar um processo que também é seu.

Com o novo mandato que acaba de ganhar dos amazonenses, o governo Eduardo Braga ainda tem como reavaliar esse alinhamento à proposta do governo federal, removendo a ameaça que hoje paira sobre essa área, o coração da floresta, de onde pode se expandir, através da BR-174, do gasoduto Coari-Manaus e de outras vias ainda não vetorizadas como meio de penetração massiva (Manaus-Itacoatiara, Manaus-Novo Airão etc.), atingindo porções ainda mais remotas do estado e da região.

Os estudiosos do setor de transportes constatam que desde os impérios Romano e Inca "a estrada é a razão de o Estado se inscrever sobre o solo". Mas, razões outras, como a expansão da soja e da atividade madeireira, sob condições precárias de controle e critérios duvidosos de implementação, não estariam lastreando esse projeto aqui no Amazonas? Quem viver verá.

DECISÃO SOBRE ESTRADAS









As obras de infra-estrutura na Amazônia são decididas uma a uma, por órgãos diferentes, sob influência dos mais diversos interesses e ninguém, literalmente, se responsabiliza pelo conjunto. Nem mesmo os órgãos ambientais, que também licenciam uma a uma, raramente se preocupam com o impacto de todas elas.

Esse era meu papel à frente da Secretaria de Coordenação da Amazônia - o único órgão do governo federal responsável por planejar o desenvolvimento sustentável da região: chamar a atenção para o impacto agregado das obras de infra-estrutura.

Fiz e apresentei estudos, hierarquizei obras de acordo com o impacto econômico, social e ambiental, procurando estabelecer algum nível de racionalidade nas decisões. Muito difícil. Acabei concluindo que os governantes querem ver seus nomes ligados a ações parecidas com aquelas dos antigos bandeirantes - levar o progresso, independentemente do que isso possa significar no futuro. E como geralmente ficam no cargo pouco tempo não estão nem aí para consequências que durem mais do que 4 a 6 anos.

Estradas e estradas...

Existem obras mais fáceis de justificar que outras. Mas quando existe gente morando na beira, nem conservacionista fica imune ao argumento social. Ninguém consegue dizer não. Mas as estradas, e outras obras de infra-estrutura, deveriam ser submetidas a rigorosa análise de viabilidade social, econômica e ambiental e, muitas vezes, poderia seria mais interesse reorganizar a vida de algumas famílias do que atrair milhares de outras para uma situação sem eira nem beira.

Defendi, por exemplo, seguindo estudos de ongs como o IPAM, que obras de infra-estrutura em áreas densamente ocupadas podem ter um impacto positivo direta e indiretamente contribuindo para a fixação e o adensamento, ao contrário daquelas que ligam nada a lugar nenhum.

O caso da 163

Tive dúvidas no caso da 163, ligando Cuiabá a Santarém. Mas como não havia tempo de ir a campo diretamente, ouvi argumentos de pesquisadores - inclusive do IPAM - e o processo de tentativa de ordenar os impactos da estrada foram desencadeados e fortemente apoiados pelo MMA. A idéia que acabou se consolidando foi de que é melhor assumir e controlar a estrada do que se negar a licenciá-la. Mas como o único mecanismo de controle existente, e mais eficaz, acaba sendo a criação de áreas protegidas, todos respiram aliviados com a extensão que acaba ficando sob os cuidados da União, e as obras vão sendo licenciadas.

Na verdade acho que está sendo assinada um atestado de desistência; as pessoas estão assumindo que somente vão permanecer aqueles territórios e nada mais, a continuar o andar da carruagem da forma como está.

Como se decide

A maior parte das decisões sobre estradas na Amazônia se concentra no lobby da soja. No caso da 163 não faltaram argumentos, sites, notícias, terrorismo, decisão de investir dinheiro próprio, cobrar pedágio, etc... Tentamos discutir alternativas, como uma ferrovia para escoar a soja, já que esse era o maior vetor de pressão. Mas não: a estrada era viável, ia beneficiar milhares de pessoas, inclusive baratear o escoamento dos produtos da Zona Franca de Manaus.

Bastou o preço da soja cair e não se falou mais sobre o assunto, nem dinheiro do orçamento foi alocado. Mas as consequências ficaram lá: ao lado das áreas protegidas, a grilagem, especulação, migração, e outras mazelas. Mas isso vai ficar para o próximo governo tomar conta, seja quem for o eleito.

Surpresa

Fiquei muito impressionada, na semana passada, durante debate sobre pagamento por serviços ambientais, na FGV em São Paulo, quando ouvi Paulo Rabello de Caqstro, da RC Consultora, um consultor especializado no setor agrícola, dizer com todas as letras que a BR 163 não deveria ser asfaltada porque a melhor opção, em termos econômicos e ambientais, seria a ferrovia... Caí do cavalo! Agora? Depois que o estrago já está feito? Ou a opinião dele é essa porque não tem a menor importância hoje, ou é a evidência da maneira como as decisões são tomadas.

Manaus - Porto Velho

Tudo isso para falar da reabertura de uma outra obra sem finalidade justificável: a BR 319 que ligaria Manaus a Porto Velho e que passa ao lado do rio Madeira. E prá chamar a atenção para o brilhante artigo de Mario Menezes publicado hoje no site do Amigos da Terra: http://www.amazonia.org.br/opiniao/artigo_detail.cfm?id=223662

Mais um caso de decisão sem base econômica, social ou ambiental. Pura pressão de pequenos grupos de interesse locais, que lucram com a especulação da terra ou com a madeira. Estrada que ficará no curriculum do Virgílio Viana e do Eduardo Braga como uma marca irreversível de devastação porque não há como segurar o impacto que esse tipo de rodovia vai trazer. Acho que eles podem continuar fazendo um bom governo sem precisar disso.

Leiam o artigo do Mario que reproduzo a seguir.








sábado, outubro 07, 2006

SERVIÇOS AMBIENTAIS

RDS do rio Iratapuru no sul do Amapá.
Quando penso em serviços ambientais prestados por comunidades locais é de lá que me lembro. E esse foi o tema de workshop organizado por Forest Trends e FGV-Centro de Estudos em Sustentabilidade de 3 a 5 deste mês. É o tema também da revista Página 22 editada sobre o tema: "A natureza em serviço - é preciso pagar para conservar?" Para conseguir exemplares da publicação escreva para: livrariagv@fgvsp.br O artigo transcrito abaixo foi publicado na revista.


COMUNIDADES E SERVIÇOS AMBIENTAIS

Mary Allegretti
Publicado em Revista Página 22 N. 1, setembro 2006

A idéia de que populações tradicionais protegem os recursos naturais por deles depender para viver, lançada na década de 80, continua extraordinariamente viva, como pode-se ver pelo crescente número de unidades de conservação criadas para este fim. Não vem se concretizando, por outro lado, a expectativa de que os produtos fornecidos pela floresta compensem financeiramente o serviço de extraí-los e assegurem expectativas de modernidade presente nestas comunidades. Há uma causa estrutural para este desequilíbrio: a ausência de compensação pelos serviços ambientais que estas comunidades prestam à sociedade.

Extrativismo, agricultura e mercado

Serviços ambientais são benefícios que a natureza viabiliza para a sociedade e que resultam do bom funcionamento dos ecossistemas. Pode-se garantir esse serviço por meio de áreas de proteção integral, de uso sustentável e/ou por intermédio de atividades econômicas que valorizam ativos ambientais. Na primeira opção o Estado tem a obrigação de proteger; nas outras duas é auxiliado nesta função pelos habitantes destas áreas ou por empreendedores privados. Há, sempre, um custo na manutenção destes serviços e é a dificuldade em valorá-lo uma das razões pelas quais se destrói tanto o ambiente.

A comparação entre duas atividades econômicas clássicas – a agricultura e o extrativismo – permite uma clara compreensão do dilema.

Um produtor de soja, algodão ou café, insere nos custos de produção o valor da terra, adquirida ou arrendada, investimento prévio sem o qual a atividade não se realiza e está seguro que o mercado contabiliza esse custo no preço do produto. Um extrativista, castanheiro ou seringueiro, historicamente comercializa seus produtos exclusivamente pelo valor de reprodução da sua força de trabalho. Independentemente das regras arcaicas de comercialização, nunca ocorreu a contabilização do valor do estoque de capital natural de um castanhal ou seringal no preço do produto extrativo. O fato do extrativismo não ser uma atividade rentável não deriva de um defeito intrínseco a esta atividade, mas do fato do mercado não atribuir valor ao capital natural, base da atividade.

O extrativismo sustentável, da forma como é feito tradicionalmente na Amazônia, mantém os estoques de capital natural. São serviços ambientais gerados pelos sistemas ecológicos e administrados sob a lógica da produção social dos meios de vida. Os seringueiros, castanheiros e ribeirinhos são, assim, mantenedores de estoques de capital natural e, na medida em que sua atividade econômica depende da reprodução da natureza, são provedores de serviços ecológicos.

Se o mercado convencional não contabiliza o valor dos estoques e serviços, é preciso uma estratégia política para alterar essa situação: ou uma intervenção do Estado ou uma alteração nas regras do mercado.

Pacto pela modernidade

Comunidades utilizam recursos naturais de forma sustentável quando deles dependem para sua própria reprodução. Para que isso aconteça há um conjunto de pré-requisitos: os territórios devem estar protegidos por lei; deve haver segurança de que não serão expulsos ou ameaçados por forças econômicas ou políticas externas e a oferta de serviços básicos de educação, saúde, informação precisa ser permanente.

Ou seja, a conservação dos recursos naturais por comunidades é fruto de um pacto com o Estado: elas assumem a função de guardiães dos recursos naturais em troca de benefícios sociais e econômicos equivalentes à função desempenhada. É por isso que reivindicam investimentos que permitam a modernização da economia, mais do que a simples melhoria na qualidade de vida.

Esse pacto, na prática, tem sido parcialmente cumprido: territórios vêm sendo protegidos sem a contrapartida de investimentos sociais, muito menos produtivos. Na primeira década de vigência dessa política (1990-2000) a garantia dos territórios era suficiente. Hoje, é diferente. Uma nova geração já nasceu em áreas protegidas e anseia por investimentos que vão muito além dos convencionais: qualificação profissional na gestão dos recursos, agregação de valor, comunicação e inserção no mundo global, sem deixar a floresta.

Esse objetivo somente será alcançado mediante uma política inovadora especificamente formulada para remunerar um serviço ambiental, até aqui prestado gratuitamente por comunidades tradicionais a toda a sociedade. Mas seria preciso repactuar, tanto com o Estado quanto com a sociedade. O Estado precisa se comprometer a proteger os territórios e realizar investimentos básicos em saúde, educação e infra-estrutura social; a comunidade, a proteger os recursos de acordo com regras definidas para este fim; e a sociedade a realizar parcerias produtivas que valorizam os ativos florestais e da biodiversidade.

Experiências embrionárias já existem: a Lei Chico Mendes no Estado do Acre autoriza o executivo a subsidiar o quilo de borracha natural produzida por seringueiro, medida voltada para agregar valor ao seringal nativo. O Proambiente, programa proposto por agricultores familiares do Pará, busca compensar comunidades rurais pela transição de uma agricultura predatória para sustentável.

Mas nenhum país ainda enfrentou esse desafio na escala que poderia ocorrer no Brasil: remunerar comunidades indígenas e tradicionais pelo serviço de proteger nosso capital natural representaria uma revolução econômica, cultural e ambiental sem precedentes no Planeta.