quarta-feira, outubro 11, 2006

O CORAÇÃO DA FLORESTA

Iniciativa governamental ameaça o coração da floresta

Mario Menezes em 11/10/2006

Fonte: Jornal do Commercio

O governo federal e o governo do Amazonas propuseram e vêm anunciando a reconstrução da rodovia BR-319, que corta a Amazônia Central e um dia interligou Manaus e Porto Velho. Para mitigar os impactos socioambientais que serão gerados por essa estrada, propõem implementar um mosaico de unidades de conservação-UCs, na sua região de influência, denominada Área sob Limitação Administrativa Provisória-ALAP da BR-319, com mais de 15 milhões de hectares.
A Casa Civil da Presidência da República e o Ministério do Meio Ambiente alegam que a decretação dessa ALAP foi decidida em função do êxito alcançado por estratégia semelhante, na BR-163, que liga Cuiabá a Santarém. Nada mais equivocado e enganoso, entretanto.
Os contextos em que estão inseridas as duas rodovias são inteiramente diferentes, exigindo abordagens também distintas no ordenamento de seus territórios. As regiões do Pará e do Mato-Grosso cortadas pela BR-163 estão sob forte pressão da expansão da soja, acompanhada de intenso processo desordenado de exploração madeireira e de grilagem. Ali, o planejamento de unidades de conservação e a adoção de medidas de comando e controle - fiscalização, por exemplo - contribuem para o ordenamento territorial, embora seja controversa a sua pavimentação.

Na BR-139, essas pressões não existem, e a ALAP poderá converter-se em vetor de alteração da floresta ao longo de seu eixo. Nela, a exploração madeireira não constitui atividade econômica importante, mas mais da metade dos oito milhões de hectares propostos para criação de Ucs serão florestas nacionais (flonas), tendo em vista a produção de madeira, principalmente. A cultura da soja fez um ensaio nos campos do sul do estado, onde também intensificou o desmatamento de florestas, e seu significado sócio-econômico é muito pequeno no Amazonas. Não obstante isso, os planejadores mantiveram extensas áreas sem destinação na parte mais próxima de Manaus e do porto graneleiro de Itacoatiara. Esse porto viabilizou a soja no oeste do Mato-Grosso e sul de Rondônia, a mais de 1.000 km de distância, com redução de 38% do seu custo de escoamento, em relação aos portos do Sul, e é de se imaginar o que não poderá provocar nessa área dele distante apenas 300 km.

Lembremos do caso da Flona do Bom Futuro, em Rondônia, que foi drasticamente alterada por invasões durante anos, e que toda a pressão que causou esse dano e a alteração de praticamente todas as Ucs e Terras Indígenas naquele estado está "represada" à espera da reabertura da 319, onde haverá flonas e outras Ucs e Terras Indígenas a ser controladas pelo poder público. Lembremos, também, da expansão da soja no planalto santareno, no Pará, que deslocou centenas de famílias rurais e alterou profundamente aquela paisagem, com todos os conflitos e degradação que essa atividade está produzindo - em grande parte estimulados pelo porto, também controverso, que a Cargill construiu em Santarém.

Também não dá para desconsiderar o potencial de "vazamento" demográfico e de atividades econômicas que grandes obras como as pretendidas no Alto Madeira vão gerar e empurrar para o sul do Amazonas, pela valorização das terras em áreas de ocupação consolidada, como as que se encontram sob influência direta da BR-364, em Rondônia, e que estudos de avaliação ambiental estratégica dessas obras detectam como certa.

Com a proposta de criação da ALAP, o governo federal atropelou o Programa Zona Franca Verde, do governo do Amazonas, que prevê estudos e discussão de alternativas, para esses casos, como vêm a ser, por exemplo, a hidrovia e a ferrovia. Programa que, aliás, desenvolve um importante projeto de sustentabilidade da exploração madeireira, em todo o estado, de forma gradativa, sem os riscos de um abrupto incremento dessa atividade, que a ALAP tende a produzir.

Questionados publicamente por entidades da sociedade civil sobre esse by pass ao programa do governo estadual, o MMA e a Casa Civil da Presidência da República não se manifestaram. Já o governo do Estado, através de seu secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, demonstrou o quanto foi feito e discutido sobre a área, cujos subsídios, todavia, serviram tão somente para o planejamento da ALAP, deixando de protagonizar um processo que também é seu.

Com o novo mandato que acaba de ganhar dos amazonenses, o governo Eduardo Braga ainda tem como reavaliar esse alinhamento à proposta do governo federal, removendo a ameaça que hoje paira sobre essa área, o coração da floresta, de onde pode se expandir, através da BR-174, do gasoduto Coari-Manaus e de outras vias ainda não vetorizadas como meio de penetração massiva (Manaus-Itacoatiara, Manaus-Novo Airão etc.), atingindo porções ainda mais remotas do estado e da região.

Os estudiosos do setor de transportes constatam que desde os impérios Romano e Inca "a estrada é a razão de o Estado se inscrever sobre o solo". Mas, razões outras, como a expansão da soja e da atividade madeireira, sob condições precárias de controle e critérios duvidosos de implementação, não estariam lastreando esse projeto aqui no Amazonas? Quem viver verá.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fiquei feliz em conhecer, hoje, o seu blog. Fui professor de Ciências no Ensino Fundamental e sempre tive o meio ambiente como a linha mestra do meu trabalho. Em função da Campanha da Fraternidade de 2007, cujo tema é: “Fraternidade e Amazônia” e lema “Vida e missão neste chão!”, eu comessei a pesquesar as coisas da Amazônia e encontrei aqui um riquíssimo espaço de estudo.
Obrigado.