A morte da antropóloga Ruth Cardoso mexeu comigo desde ontem à noite quando vi a notícia na televisão. Não fui sua aluna, não trabalhei com ela em nenhum dos programas que ela coordenou durante o tempo em que fui da equipe do presidente Fernando Henrique Cardoso; conversamos algumas vezes, não tantas vezes quanto eu gostaria; mas ela sempre marcou muita gente, e a mim também. E por que?
Como antropóloga, ela trabalhava com questões urbanas, eu com questões florestais, ambientais, por isso não nos cruzamos muito em cursos, palestras, eventos da área. Assim, não foi no exercício da profissão, estrito senso, que ela me marcou.
As oportunidades que tive de encontrá-la e conversar com ela, foram durante o tempo em que estive à frente da Secretaria de Coordenação da Amazônia, no Ministério do Meio Ambiente.
Quando cheguei, sua marca já estava lá. Em articulações feitas pelo Conselho Nacional dos Seringueiros e executadas pela antropóloga Ana Lange, havia sido criado, em 1998, o Programa Amazônia Solidária, a primeira iniciativa de inserir nas políticas públicas federais ações efetivas voltadas para esse segmento social, na área de apoio financeiro a projetos, política de preços para a borracha, organização da produção. Recursos, ainda pequenos, estavam no orçamento para 1999. Os seringueiros e extrativistas já tinham a política de criação de reservas definida e em execução, mas ainda não tinham a política de desenvolvimento, que começou ali, e cujos recursos foram crescendo todos os anos até 2003.
Digamos, porém, que esse era um reflexo de sua atuação no governo como um todo; como idealizadora do programa Comunidade Solidária, mais cedo ou mais tarde iniciativas como essas chegariam aos seringueiros como chegaram a muitos outros segmentos da sociedade.
Não eram os resultados de suas ações nem as idéias que defendia, que mobilizavam o meu interesse. O que me impressionava nela eram características de personalidade que admiro - e que são tão raras - em pessoas públicas:
- o senso de igualdade: o mesmo tratamento dado para todas as pessoas; opiniões mantidas, sem se preocupar em agradar ninguém.
- a convicção expressa: a opinião fundamentada na capacidade de análise da realidade, dita com tranquilidade, sem querer convencer nem intimidar, mas que convencia e intimidava pela consistência.
- a presença forte e discreta: como alguém consegue fazer as duas coisas é algo que só vi de fato nela; essa certeza de que não precisava aparecer, nem fazer valer sua opinião, porque não estava interessada com imagem mas com fatos.
- a independência: não tinha partido e era respeitada por todos, não fazia parte de nenhuma igreja, não condicionava sua opinião a pesquisas nem a momentos, não regulava seus atos pelas expectativas dos outros.
Talvez, pensando bem, essas são características que se aprende na profissão: ver o ponto de vista do outro, se colocar no lugar dele, captar sua lógica, são passos que levam ao hábito de questionar, valorizar, relativizar, um jeito de ser que distingue os que fazem algo porque a realidade exige que algo seja feito e não porque os outros esperam que se faça.
A morte de Ruth Cardoso tira de cena essa referência. E é isso que me deixa triste - não ter referências em que se espelhar. Não ter pessoas públicas a admirar.
2 comentários:
Mary, também consternada pela morte da grande intelectual e "militante" social, a antropóloga Ruth Cardoso, concordo com o seu texto em homenagem a ela - realmente são pouquíssimas figuras públicas, hoje, no Brasil para admirar! Suas posições e ações em favor do Brasil foram irretocáveis! Sua morte foi uma grande perda para o Brasil!
Abraço,
luciahelena
Oi to deixando um oi aqui para voce, estava rodando blogs por ai e vim parar aqui, muito bacana teu perfil viu ^.^ abraços passa no meu blog se tiver um tempinho ok... http://insanidadeshumanas.blogspot.com/
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