domingo, junho 04, 2006

SERINGAL E COLOCAÇÃO



Ainda sobre o livro de Daniela Marchese.

Procurando entender a representação mental que os seringueiros têm do espaço vivido e não vivido a autora solicitou o desenho de suas colocações, ou seja, do espaço principal da vida cotidiana e de trabalho dentro da mata.

Os dois desenhos acima são interessantes: o da direita é de Antônio Teixeira Mendes, o Duda, primo do Chico, e mostra a colocação com as estradas de seringa, os caminhos que ligam uma estrada à outra e todos ligando com a casa. Enquanto quase todos os desenhos dos homens estão centrados nas estradas, na produção, os das mulheres estão focados nas casas.

O desenho da esquerda é de Chico Mendes e foi feito em São Paulo, em 1988. O objetivo era explicar como se vivia no seringal. Também aparecem as estradas de seringa. Mas o que distingue esse desenho de todos os outros, (isso sou eu que estou dizendo), é o fato dele inserir a colocação como o elo final de um roteiro que começa na cidade e passa pelo barracão. Chico fez um desenho do espaço evidenciando a visão histórica da situação dos seringueiros, além da subordinação deles, espacial e economicamente, ao barracão. Ou seja, fica evidente, como ocorria no passado, que o elo com a cidade, como o mundo e o mercado, tinha que passar pelo barracão. Enquanto a colocação era o espaço do seringueiro, o barracão era o espaço do patrão.

A autora conclui que, embora o seringal enquanto unidade de produção de borracha tenha deixado de existir, ele continua como uma referência espacial de uma unidade que existia no passado e que foi englobado pelas reservas ou assentamentos extrativistas. Nesse novo modelo espacial, o seringal parece ter cedido o lugar para a colocação como referência de produção. Ou seja, o seringal é a referência do passado, com patrão, barracão, etc. E a colocação é a referência do presente com as áreas protegidas, sendo a cooperativa a unidade comercial.

Defendi na minha tese de doutorado que a reserva extrativista funciona porque se baseia no uso tradicional do espaço no seringal. O que ocorre é uma profunda mudança nas relações sociais de produção, mantendo o mesmo espaço, o que é possível em função da grande autonomia que as comunidades extrativistas têm dentro da floresta (e que explica também porque precisava haver tanta repressão do patrão).

A reserva extrativista funciona porque é, na prática, um seringal sem patrão.

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