sexta-feira, junho 02, 2006

A PERNA DIREITA DA ESTRADA


A capa do livro de Daniela Marchese é um famoso desenho de Hélio Melo, artista acreano. O livro, "Eu Entro Pela Perna Direita - Espaço, Representação e Identidade do Seringueiro no Acre" é resultado de tese em Antropologia Cultural defendida pela autora, em 1999, na Universidade de Siena, na Itália. Foi publicado pela Editora da Universidade do Acre em 2005.

Trata-se de uma interessante análise a respeito do uso do espaço pelos seringueiros, no seringal, um tema que sempre chama a atenção de pesquisadores das comunidades tradicionais da Amazônia, mas que sempre aparece de forma marginal. No caso deste livro, o espaço é o objeto principal.

O livro tem uma estrutura bem organizada e equilibrada, tornando a leitura muito agradável e direta. Alguns capítulos certamente poderiam ser adotados em escolas da floresta ou cursos de capacitação. Cada capítulo aborda as relações espaciais dos seringueiros em torno de seis temas: produção, corpo, orientação, representação, mito e, de maneira conclusiva, identidade.

Demonstra a autora que, não havendo referências espaciais visíveis na floresta, o seringueiro atribui nomes e desenhos ao espaço utilizando para isso idéias e conceitos que são comuns a todos, como o próprio corpo: boca, perna, manga, corpo da estrada de seringa, por exemplo. Também interesse conhecer as diferentes maneiras que os seringueiros utilizam para se orientar: pelo sol, pelas águas, pelas estradas de seringa, pelo conhecido, pelo rumo, cada sistema com suas técnicas, que são, na verdade, formas de domesticar o espaço e garantir segurança de nele viver. A autora também analisa os mitos clássicos da Amazônia e como se relacionam com representações do espaço: a mãe e pai da mata, o mapinguari, cipó e cobra jibóia.

Por último, o livro aborda a questão da identidade. Apesar dos entrevistados não trabalharem mais com borracha, não terem mais a profissão de seringueiros, portanto, continuam se identificando e sendo identificados pelos outros, como seringueiros. Ou seja, a transformação dos seringais em áreas protegidas, retirou do seringueiro a conotação profissional que a palavra traz, mas manteve a conotação espacial e ideológica a ela associada. Em que medida essa diferença está sendo bem compreendida pelos projetos econômicos que estão sendo implantados nessas áreas, é uma pergunta que encerra o livro.

Este é um de vários outros livros que comprei em Rio Branco recentemente. São publicações interessantes que não estão disponíveis fora do Acre, viabilizadas pela Editora da UFAC.

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