quinta-feira, março 29, 2007

SERINGUEIROS E PATRÕES NO MÉDIO JURUÁ


















Na foto, ao meio, Manoel Cunha, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros; à esquerda meu aluno da Universidade da Flórida Mason Mathews e à direita o seringueiro Elson Pacheco. A foto foi tirada na Reserva Extrativista do Médio Juruá em agosto de 2006 mas a história começa vinte anos antes, exatamente em 1986. Ela me veio à mente imediatamente com o email que recebi do Mason esta semana:

Oi Mary,

Tudo bem? Espero que tudo vai bem lá em Wisconsin... Mando um informe muito breve sobre a minha visita ao Médio Juruá. Seguramente você vai se lembrar do seu Elson na foto do informe. Ele me ajudou muito a fazer a visita nas comunidades e ainda se lembra da ajuda que você deu prá ele quando teve problemas com o patrão em 1986.... Bom, espero que a gente tenha a oportunidade de falar sobre as pesquisas nestes meses. Um abraço, Mason

Encontro Nacional

Em 1986, logo depois do Primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros, que aconteceu em Brasília em outubro de 1985, decidimos conhecer o médio Juruá, no Amazonas, eu, Osmarino Amâncio e Jaime Araújo (que era o presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros). De Carauari tinham vindo muitos seringueiros para o encontro, inclusive uma mulher corajosa, que viajara mais de duas semanas prá conseguir chegar em Brasília.

Esta foto é de outubro de 1985, quando os seringueiros foram ao Congresso entregar o documento final do Encontro ao presidente da Câmara dos Deputados, Ulisses Guimarães. Ao lado dele está esta mulher valente do Juruá e outro seringueiro que também representava as comunidades do Juruá, junto com Jaime Araújo, um seringueiro do Acre e Chico Mendes que está logo atrás.














Chegamos em Carauari para ficar uns 3 ou 4 dias e acabamos ficando mais de uma semana porque o único avião que fazia a conexão com Manaus simplesmente estragou e demorou muitos dias até voltar (atraso de avião na Amazônia é coisa bem antiga...)

Elso Pacheco

Durante esses dias a mais que ficamos lá presenciamos algo que parecia história do passado. Um seringueiro, Elson Pacheco, nascido ali no Médio Juruá, seringueiro desde menino, havia sido preso e trazido do seringal para a Delegacia de Polícia em Caraurari. O motivo? Ele havia se filiado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e organizado uma reunião do sindicato na sua colocação. Por esta razão o patrão o expulsou do seringal. Ele não quis sair, o patrão chamou a polícia que foi lá e tirou ele à força.

Quando ficamos sabendo da história fomos falar com o Delegado e quase fomos presos todos por "desacato à autoridade" tão chocados ficamos com a forma como o Delegado reagiu ao nosso questionamento. Disse que o patrão tinha todo o direito sobre o seu seringal e se não quizesse um seringueiro lá podia mandar embora. Sim, mas ele tinha direitos também e precisa ser respeitado, indenizado nas benfeitorias... Naquele momento eu queria era ser advogada e não antropóloga para poder fazer algo concreto e tirar o Elson da cadeia.

A grande instituição de apoio aos seringueiros no Médio Juruá, como em muitos outros lugares da Amazônia, era a Igreja Católica. E lá tinha um excelente projeto do MEB - Movimento de Educação de Base, que havia alfabetizado e conscientizado os seringueiros. E havia o padre João Derickx que dedicava sua vida à defesa dessas comunidades esquecidas nos rios amazônicos. Ele escreveu "Juruá, o rio que chora" (Editora Vozes) que relata o trabalho que realizou naquela região, por muitos anos. Antes do Encontro Nacional, os seringueiros do Médio Juruá já estavam se organizando há vários anos.

Mas nós fizemos pressão, ligamos para deputados, denunciamos o caso, escrevemos ao juiz, fomos lá tantas vezes que acabamos conseguindo tirar o Elson da cadeia, embora imagino que ele tenha respondido a processo e, de fato, não soube mais dele desde o email do Mason esta semana. Agora, ele é um dos líderes da Reserva Extrativista do Médio Juruá.

A Reserva Extrativista do Médio Juruá tem uma longa história e uma tradição de organização que hoje está bem representada na figura do Manoel Cunha, o atual presidente do CNS.

Ficção e realidade

Na minissérie Amazônia o seringueiro Amâncio é expulso do seringal porque colocou roçado. Histórias como a ele existiam aos montes na década de 70 quando comecei a pesquisar os seringais. Eu entrevistei um seringueiro, no seringal Alagoas, no rio Tarauacá, no Acre, em 1978, que havia sido expulso porque queria carteira assinada e o patrão, que era senador, disse que em seringal dele não tinha seringueiro com carteira assinada!! Expulsão por se filiar ao sindicato, como aconteceu com o Elson, também era comum em outros rios da Amazônia até poucos anos atrás.

Será que isso acabou? Não duvido que ainda devem existir muitos outros por esses rios afora ainda vivendo no jugo dos patrões, como o pessoal fala... Se não por outra razão, o simples fato de viabilizar liberdade e autonomia a estes moradores da floresta, já justifica a criação de uma reserva extrativista.

Um comentário:

Anônimo disse...

Dra. Allegretti - este nao eh um comentario mas uma pergunta sobre a infancia de Chico Mendes. Meu filho de 7 anos estah fazendo uma pesquisa sobre o Chico Mendes - e um dos items a serem pesquisado eh a infancia do Chico Mendes - que tipo de brincadeiras um filho de seringueiro como o Chico teria brincado na infancia? Uma vez perto de Manaus vi meninas brincando com preguicas, ninando os bichos preguicas como se fossem bonecas. Serah que o Chico Mendes teve papagaio ou outro bicho de estimacao? Ele morava perto de outras criancas? Sabemos que nao foi a escola - o que fazia durante o dia - ajudava o pai? Voce teria alguma fonte bibliografica sobre a infancia dele? Temos informacao sobre o encontro com o Euclides Tavora por volta dos 14 anos, mas e antes disto?
Com grande admiracao pelo seu trabalho,
agradeco,
Cristina