sábado, abril 04, 2009

KATOOMBA CUIABÁ

Quando o motorista de taxi que você pega começa a falar sobre o assunto técnico com o qual você trabalha todo dia, fechado em seu gabinete, é porque o tema pegou.

Foi assim na Rio 92 quando os taxistas, impressionados com aquele turbilhão de gente diferente que eles transportavam de um lado ao outro da cidade, passaram a querer saber o que era essa tal de 'biodiversidade'. Também em Curitiba, durante a COP-8, as pessoas e os temas globais ficaram mais perto do motorista que, de repente, via no seu taxi a mesma pessoa que aparecia mais tarde na televisão. Esses eventos internacionais, que mudam por alguns dias a rotina das cidades, estimulam a curiosidade e ampliam horizontes.

Esta semana, em Cuiabá, durante o evento do Katoomba Group sobre desmatamento e clima, o motorista do taxi que eu peguei perguntou: 'Vocês estão discutindo a mudança do clima?' Eu disse que sim e ele começou a descrever o que estava acontecendo em Cuiabá. Falou que Cuiabá é e sempre foi uma cidade muito quente, mas as pessoas já estão acostumadas com isso. Em janeiro, porém, disse ele, o calor foi a 42 graus e as pessoas não sabiam mais o que fazer para suportar. Falou que antes, ele andava pelo norte do estado e só tinha floresta, o clima era ameno, e agora é só estrada, desmatamento e calor. Estava intrigado. Mas diferentemente do que acontece quando se critica uma ação ou omissão do governo e só o ato de culpar alguém já dá a sensação de que existe uma solução, neste caso, ele ficou calado ao final da conversa. Claramente não sabia a quem responsabilizar.

As mudanças climáticas vêm gerando essa sensação de estranhamento diante de um fenômeno novo, que a pessoa constata no seu dia a dia, mas a causa não está ao seu alcance, não consegue entender a lógica, prever as consequências e vislumbrar culpados.

Katoomba em Cuiabá

Esta semana aconteceu em Cuiabá o 14º encontro do Katoomba Group, com mais de 1000 inscritos, que discutiu o tema "Evitando o desmatamento na Amazônia: REDD e Mercados PSA" http://www.katoombameeting2009.com.br/. Foi uma uniciativa da organização norte-americana Forest Trends e do governo do Mato Grosso.

Forest Trends foi criada em 1996, quando um pequeno grupo de líderes da indústria florestal, doadores, e grupos ambientalistas começaram a se reunir para analisar os desafios enfrentados pela conservação da floresta e identificaram referências em comum. Decidiram criar uma organização nova - http://www.forest-trends.org/ – para superar dificuldades e construir uma ponte entre esses setores e promover abordagens de mercado para a conservação da floresta.

Em 1999, o Forest Trends lançou o Katoomba Group http://www.katoombagroup.org/, uma rede internacional de pessoas envolvidas com o debate, a conscientização e a promoção de temas relacionados a mercado e serviços ambientais. O primeiro encontro aconteceu em 2000 em Katoomba, na Austrália, e o 14º essa semana em Cuiabá. O grupo promove troca de idéias e informações estratégicas sobre mercado para serviços ambientais (carbono, água e biodiversidade).

Michael Jenkins, presidente do Forest Trends e do Katoomba Group, explicou o contexto no qual se realizou a reunião de Cuiabá: "O desmatamento de florestas tropicais é responsável por pelo menos 20 por cento das emissões antropogénicas dos gases de efeito estufa em todo o mundo. No Brasil, 70 por cento das emissões dos gases de efeito estufa são provenientes do desmatamento na região Amazônica. Apesar deste fato, o Protocolo de Kyoto – principal tratado internacional para abordar mudanças climáticas – exclui a preservação de florestas em "pé" (conhecida como desmatamento evitado) e iniciativas para evitar a degradação florestal da lista dos tipos de projetos elegíveis para gerar créditos de redução de emissão. Recentemente, o interesse em REDD – Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação – tem aumentado rapidamente e a comunidade internacional está se esforçando para criar incentivos para evitar o desmatamento. Estão emergindo muitas oportunidades para definir as metodologias e capacitação para o REDD em áreas de floresta, para que o REDD seja incorporado no acordo pós-Kyoto, o qual será concluído em dezembro desse ano na 15ª Conferência das Partes em Copenhague".

A reunião do Katoomba em Cuiabá, ao contrário de muitas outras que têm abordado desmatamento e mudança climática, foi marcada por um forte otimismo e por uma crença – talvez exagerada – de que compensações financeiras poderão finalmente se associar à proteção das florestas amazônicas. Um recurso já está disponível, o do Fundo Amazônia - US$110 milhões, a primeira parcela de um total de US$1 bilhão a ser desembolsado em cinco anos como doação do governo da Noruega. O Fundo poderá crescer rapidamente já que vem se consolidando a percepção de que apoiar os países que detém florestas é um meio eficiente de controlar as mudanças climáticas. Vai depender também dos resultados que forem alcançados pelo governo no controle do desmatamento. O Fundo Amazônia é uma amostra das mudanças que poderão ocorrer se a inclusão de ações de proteção das florestas passar a fazer parte do mercado de carbono.

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http://www.secom.mt.gov.br/ng/galeria.php?id=2&idfoto=69094

Existem mudanças importantes que justificam o otimismo. Um exemplo são as iniciativas dos governos regionais, que tiveram início em 2008 nos Estados Unidos sob a liderança do governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger. Diante da posição do governo Bush de não reconhecer a influência humana sobre as mudanças climáticas e não assumir compromissos de diminuir suas emissões, a Califórnia decidiu legislar de forma autônoma. Essa iniciativa já contaminou outros países como Brasil, Canadá, China e União Européia. O Amazonas já tem sua lei estadual de mudanças climáticas, o Acre está elaborando a sua.

Michael Jenkins se refere a essas ações recentes: "Em novembro de 2008, os governos dos Estados Unidos, Brasil, Canadá, China e União Européia, bem como outros governos de regiões chaves se reuniram para discutir e chegar a um acordo sobre as ações específicas que cada grupo poderia realizar para reduzir as emissões resultantes do desmatamento ao redor do globo. Um acordo desse tipo foi assinado entre o governador Blairo Maggi do Mato Grosso e os governadores dos estados da Califórnia, Illinois e Wisconsin, no qual as partes concordam em coordenar esforços na luta contra o aquecimento global".

A ida de governadores da Amazônia à Califórnia também gerou motivações importantes de mudança. Isso também ocorreu na Reunião do Katoomba Group no ano passado em Washington. Lá, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi foi o principal orador para uma enorme e qualificada platéia. E foi lá que ele ofereceu o Mato Grosso para sediar o encontro do Katoomba.

Há também um outro fator a considerar. Grandes organizações não governamentais como TNC (The Nature Conservancy), IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Conservação Internacional vêm se associando a governos e empresas para induzir mudanças em sistemas de produção em áreas críticas da Amazônia. Ocorre que, na prática, o resultado é mais amplo – a cabeça das pessoas também muda e esse é o principal resultado visível desses encontros internacionais e de projetos de parceria. O acesso a informações e a compreensão das causas que justificam as pressões que sofrem hoje os desmatadores e poluidores, contribuem para mudar a postura das pessoas.

São todos ambientalistas?

Foto: Edson Rodrigues/Secom-MT Descrição: Governador Blairo Maggi e Cacique Aritana, no Katoomba

Decididamente poucos acreditam que só fiscalização e criminalização resolvem o problema do desmatamento. Além de aplicar a lei é preciso assegurar que a floresta em pé tenha mais valor que a derrubada, frase cunhada por Chico Mendes na década de 1980 e agora está na boca de todos os governadores da Amazônia. Esse é um objetivo que une fazendeiros e seringueiros desde que derrubar ilegalmente traga prejuízos e proteger traga renda e benefícios.

Achei os governadores bastante motivados para regularizar as ilegalidades fundiárias e econômicas existentes em seus estados para poder se candidatar aos fundos que começam a surgir. Os recursos vão existir – talvez não em volumes tão altos nem certamente disponíveis par todos; será necessário cumprir um conjunto grande de metas nacionais e locais de diminuição do desmatamento para acessar estes fundos. E não são metas de um dois anos, mas de décadas.

Ironicamente, para povos indígenas e comunidades tradicionais, que sempre protegeram as florestas, as perspectivas não são tão interessantes no curto prazo. Eles alegam que as novas iniciativas premiam quem já desmatou e agora pode receber crédito e recursos para recuperar áreas alteradas. Há o risco de se criar um incentivo perverso, ou seja, um estímulo a desmatar para depois ser pago para reflorestar. Ou seja, serão compensados os que degradaram, para que recuperem suas áreas e os que pretendem desmatar para que não o façam; mas quem vive da floresta há gerações sem alterá-la de forma significativa, ou em áreas que não estão sob pressão de desmatamento, não tem nenhum mecanismo oficial, até agora, de recompensa em larga escala e valores relevantes.

Está em discussão um projeto de lei para autorizar o governo a pagar por serviços ambientais prestados exatamente por aqueles grupos que exploram os recursos naturais sem destruí-los e nada recebem em troca; ao contrário, na maioria dos casos, vivem em grande pobreza. Essa seria uma política que poderia colocar em pé de igualdade os protetores antigos e os convertidos recentes.

A reunião do Katoomba Group em Cuiabá foi considerada um sucesso técnico e político. Faltou maior presença das comunidades tradicionais e dos indígenas nos debates. Esforços voltados para capacitar as pessoas nestes temas novos e áridos estão sendo realizados pelo Forest Trends e pelo IPAM. Iniciativas para acessar créditos de carbono no mercado voluntário vêm sendo preparadas por vários grupos, o que deve, aos poucos tornar todas essas siglas mais familiares ao público.

A próxima reunião dos governadores da Amazônia – que hoje se organizaram em um fórum no âmbito do PAS (Plano Amazônia Sustentável) com encontros regulares, liderados pelo ministro Mangabeira, quer colocar o tema REDD - Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação na agenda. É importante que essas questões sejam internalizadas no PAS, tanto em benefício dos governos estaduais quanto da sociedade; ou seja, a discussão precisa ser ampliada.

A meta é que o Brasil consiga chegar em Copenhague com uma posição forte e unida em torno da idéia de que proteger a florestas é essencial para o clima e que os protetores das florestas, principalmente as populações tradicionais, precisam ser compensados por esse serviço que prestam à humanidade.

Existem avanços e isso é inegável, mas os objetivos podem não ser os mesmos para todos os grupos. O primeiro teste será a implementação do Fundo Amazônia. Há um enorme déficit social na Amazônia que não será coberto pelo Fundo. Assim é preciso que as políticas de desenvolvimento local sejam mais eficientes para que aquelas pequenas comunidades que vivem lá, isoladas na mata, também possam acessar recursos adicionais. Para isso é preciso que os recursos cheguem nas mãos de quem de fato protege a floresta. É fundamental, também, que se estabeleçam rídigos mecanismos de monitoramento para que os objetivos de parar o desmatamento sejam realmente atingidos.

O Fundo Amazônia, que está sendo administrado pelo BNDES, deve se inspirar em outros exemplos já existentes no governo federal de transferência de recursos para projetos na Amazônia, como o PPG7 (Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais) e o Programa de Extrativismo, ambos no Ministério do Meio Ambiente, para evitar erros já superados no passado.

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