terça-feira, dezembro 16, 2008
Chico Mendes: vivo látex
Chico Mendes: vivo látex
Quando cortado, o caule da seringueira produz o látex. Para a árvore, ele serve para cicatrizar o ferimento causado pela secção. Para o homem, a possibilidade de produzir borracha a partir da substância a tornou sinônimo de riqueza.
Nascido no Acre, Francisco Alves Mendes Filho trabalhou nos seringais por anos. Pôde observar de perto os conflitos entre trabalhadores e patrões. Também estava atento ao crescente desmatamento que, para abrir espaço aos pastos, substituía o silencioso cair das gotas da borracha pelo barulho das moto-serras.
Pois, quando ferida, a Amazônia produziu Chico Mendes. Como o látex, ele valorizou e preservou a floresta. Chico enriqueceu simbolicamente a causa ambientalista, dando destaque internacional às lutas dos seringueiros. Sua proposta de unir conservação da natureza e atividade humana representava uma ruptura nos paradigmas da época.
Sua morte em dezembro de 1988 o tornou um mártir. No entanto, ele não foi o único responsável pela grande projeção das lutas dos seringueiros. A antropóloga Mary Allegretti colaborou com ele na década de 80 e ganhou diversos prêmios internacionais em reconhecimento a seu trabalho de preservação do meio ambiente. Nesta entrevista à Revista de História, Mary conta detalhes de sua convivência com Chico, seu legado para a Amazônia e avalia os avanços na preservação da região.
RHBN - Quando você foi à Amazônia a primeira vez?
Mary Alegretti - Fui ao Acre em 1978 para fazer a pesquisa da minha tese de mestrado. Estudava as mudanças nas relações de trabalho geradas pelas empresas agropecuárias que estavam se implantando na região. Havia também previsto uma rápida pesquisa em um seringal para compreender melhor as causas das mudanças e dos conflitos que estavam sendo denunciados nos jornais.
Impressionou-me o fato de ter encontrado um seringal produzindo borracha de forma muito semelhante ao que está descrito na literatura sobre o tema. Havia o sistema de aviamento, que trocava toda a borracha produzida pelos seringueiros por mercadorias compradas no barracão; as contas-correntes de cada seringueiro, sempre manipuladas para que eles ficassem devendo permanentemente; o pagamento de renda pelas estradas de seringa e a obrigatoriedade de entregar toda a borracha ao patrão, o seringalista; havia o comportamento submisso e ao mesmo tempo rebelde dos seringueiros.
Enfim, era difícil entender como esse sistema continuava se mantendo enquanto a borracha da Amazônia há muito tempo havia sido substituída pela produzida no sudeste da Ásia.
Levei algum tempo para entender que o governo brasileiro subsidiava o preço da borracha aos seringalistas e mantinha, dessa forma, esse sistema de semi-escravidão. Os seringueiros, analfabetos e sem acesso a qualquer tipo denúncia, permaneciam invisíveis e ocultos dentro das florestas acreanas. Os Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR) estavam sendo formados naquele momento, mas havia ainda muita desconfiança.
Essa realidade dos seringais me chocou porque não achava que ainda existisse esse sistema de trabalho no Brasil. E o analfabetismo, que contribuía para tornar o seringueiro submisso, me indignou de tal forma que saí dessa pesquisa com a firme decisão de que iria fazer uma escola na mata para mudar essa situação.
RHBN - E como conheceu Chico Mendes?
Mary Alegretti - Conheci Chico em 1981 no Acre, na redação do Jornal Varadouro. Fui fazer uma entrevista com ele por sugestão do editor do jornal. Chico era filho e neto de seringueiros e havia passado sua infância e juventude ao lado do pai cortando seringa, próximo à fronteira com a Bolívia. Com 11 anos, a família se transferiu para o seringal Cachoeira, no município de Xapuri, no Acre, onde seus parentes vivem até hoje.
Diferentemente dos outros seringueiros, porém, Chico aprendeu a ler quando tinha 16 anos, com um refugiado político, Euclides Fernandes Távora, que morava em uma colocação próxima à da sua família. Esse fato teve uma grande influência na sua vida. Quando começaram a ser formados os sindicatos no Acre, ele logo participou e foi secretário da primeira diretoria do STR de Brasiléia, criado em 1975 e presidido por Wilson Pinheiro.
A situação do Acre era crítica naquele momento, em termos de conflitos fundiários. A mudança de política para a Amazônia, durante o regime militar, levou uma profunda crise aos seringais. O governo acabou com a política do monopólio da borracha, que protegia os preços. Os seringalistas, endividados, venderam os seringais para empresas agropecuárias do sul do país. Mas os seringais foram vendidos com os seringueiros dentro e os conflitos foram tão violentos que a Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura) foi para o Acre defender os posseiros e criar os sindicatos.
Em 1977, Chico Mendes ajudou a criar o STR de Xapuri e foi convidado a se candidatar a vereador pelo MDB. Quando eu o conheci ele estava no segundo ano do mandato de vereador e continuava fortemente ligado ao sindicato.
Ele me impressionou muito porque me mostrou uma realidade totalmente diferente daquela que eu havia pesquisado. Enquanto os seringueiros do vale do Juruá continuavam "cativos" aos patrões, como eles diziam, os do vale do Acre eram "libertos", vendiam a borracha por conta própria e não pagavam mais renda. O problema que eles enfrentavam era outro: perda dos meios de vida com a destruição das seringueiras e castanheiras para implantação das pastagens.
Desde 1976 os seringueiros estavam lutando contra os desmatamentos por meio de um movimento inventado por eles e liderado por Wilson Pinheiro, os "empates". Eles se reuniam com suas famílias, iam para as áreas ameaçadas de desmatamento, desmontavam os acampamentos dos peões e paravam as moto-serras.
Em função destes conflitos, em 1980, Wilson Pinheiro foi assassinado dentro da sede do Sindicato, em Brasiléia, na fronteira com a Bolívia. Uma grande manifestação que ocorreu logo depois, inclusive com participação do então líder metalúrgico Lula da Silva, levou todos ao enquadramento na Lei de Segurança Nacional por incitamento à violência. Quando eu conheci Chico ele estava chegando da audiência ocorrida no tribunal militar de Manaus. Anos depois eles foram inocentados por falta de provas, mas os prejuízos às suas vidas já haviam sido feitos.
RHBN - Quais eram as lembranças de Chico sobre Euclides Távora?
Mary Alegretti - Chico dizia que havia tirado a sorte grande por ter tido a oportunidade de aprender não só a ler e escrever, mas a pensar, com a convivência com Euclides Távora. Ele disse que não sabia a origem de Euclides e que somente quando ele ficou doente, um pouco antes de ir embora procurar tratamento, revelou quem era. Na minha dissertação de doutorado organizei a sua fala sobre esse fato, compilando de várias entrevistas dadas por ele:
Até hoje ninguém conseguiu comprovar a existência de Euclides Távora e dos fatos relatados por Chico. É um bom tema para um estudante de pós-graduação em história.
RHBN - Como foram os trabalhos desenvolvidos com Chico?
Mary Alegretti - Chico Mendes lutou pelos seringueiros e pela floresta de 1965 a 1988, mas somente obteve reconhecimento um pouco antes de ser assassinado. Quando o conheci, ele era discriminado em quase todos os lugares onde andava. Achavam que ele exagerava nas denúncias de desmatamento, que era muito independente politicamente, e eram raros os que acreditavam no que ele falava. Vivia quase sem recursos. Quando não estava andando pelos seringais, estava à frente da velha máquina de datilografia do STR de Xapuri.
Em 1983, assim que acabou seu mandato de vereador, já no Partido dos Trabalhadores, que ajudou a fundar no Acre, Chico foi eleito presidente do STR de Xapuri. Em 1982, começamos a organizar o Projeto Seringueiro para fortalecer o movimento contra os desmatamentos em Xapuri. Larguei a Universidade Federal do Paraná, onde era professora assistente de Antropologia, para trabalhar com uma pequena equipe no Projeto Seringueiro.
Em 1985, novamente juntos, organizamos o primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros em Brasília. Mais de 100 seringueiros criaram o Conselho Nacional dos Seringueiros, como entidade representativa, e elaboraram uma proposta original de reforma agrária: as reservas extrativistas. Decidiram que não queriam o modelo convencional de lotes individuais, mas sim uma reforma baseada na exploração da floresta e dos seus recursos. À semelhança das reservas indígenas, seriam reservas destinadas aos extrativistas, com propriedade da União e usufruto dos seringueiros por meio de concessão de uso.
Depois do Encontro Nacional, Chico começou a ser mais ouvido. Era convidado a dar palestras e a falar sobre a luta dos seringueiros, totalmente desconhecida no país. Mas a sua projeção internacional foi resultado da ação de Adrian Cowell, cinegrafista inglês que filmou o Encontro Nacional e decidiu acompanhar o dia a dia do trabalho do Chico a partir dali. Em 1987 ele lançou internacionalmente um documentário – "Eu Quero Viver" – onde mostrou a luta do Chico para proteger a floresta.
A repercussão foi muito grande e ele foi indicado ao prêmio de meio ambiente da ONU. Essa idéia, de proteger a floresta usando os seus recursos, era muito nova porque a prática até então era de proteger as florestas sem a presença humana. O exemplo dos seringueiros modificava todos os paradigmas de conservação existentes até então.Mas ao mesmo tempo em que Chico conquistava o respeito internacional, era mais ameaçado em Xapuri. Os empates terminavam em prisão. As promessas de regularização dos conflitos fundiários não se concretizavam. A idéia de criação de reservas extrativistas se arrastava na burocracia federal.
Nesse contexto, um fazendeiro, Darly Alves, decidiu grilar e desmatar uma área dentro do seringal Cachoeira, a área onde Chico e sua família sempre viveram. Era um confronto direto com o sindicato e com Chico. Os seringueiros empataram o desmatamento e o confronto levou à criação do PAE Cachoeira.
Chico descobriu que Darly Alves, que com seus filhos viviam ameaçando de morte as lideranças em Xapuri, havia sido julgado por crimes cometidos no Paraná e era foragido da justiça. Conseguiu um mandado de prisão e entregou à Polícia Federal em Rio Branco. Nada foi feito e a perseguição adquiriu um caráter cada vez mais de vingança pessoal de Darly contra Chico. Em 22 de dezembro de 1988, dois filhos de Darly fizeram uma tocaia nos fundos da casa de Chico e o assassinaram.
A repercussão foi imediata e ocorreu no mundo inteiro. A indignação foi forte e se refletiu em seguida no Brasil. A imprensa brasileira, que até então ignorara a luta dos seringueiros e nunca abrira espaço para Chico Mendes, procurou recuperar o tempo perdido. A forte reação e pressão da opinião pública levaram à condenação dos criminosos em 1990, fato inédito na justiça rural no Brasil.
RHBN - Onde você estava no dia da morte dele? Como recebeu a notícia?
Mary Alegretti - Em novembro de 1988, fui a uma conferência sobre florestas tropicais organizada no Japão para apresentar a proposta de reservas extrativistas em um contexto internacional de formulação de políticas florestais. Após o evento, fui à Malásia conhecer os famosos seringais de cultivo que haviam sido implantados com as sementes de seringueira roubadas da Amazônia e conhecer o modelo de exploração usado por pequenos agricultores.
Ao voltar, em Nova York, na madrugada do dia 23, recebi a notícia do assassinato do meu amigo e parceiro de tantas lutas. Saí na mesma hora, debaixo de neve, de lá para Miami, peguei o avião para Manaus e, no dia 24, às 8 horas da manhã eu estava em Rio Branco. Ao meio dia em Xapuri, velando o corpo do Chico e dividindo minha imensa tristeza com muitos seringueiros que foram para a cidade, em convocação feita pelo Chico, para uma grande assembléia do Sindicato, que seria realizada logo depois do Natal.
O assassinato do Chico para todos nós representou o fim de uma luta grandiosa que não havia levado a quase nenhuma conquista. Os seringueiros haviam alcançado muito pouco com tanto esforço e sacrifício pessoal – entre 1987 e 1988 foram assassinadas outras quatro lideranças sindicais em Brasiléia e Xapuri. Era como se tivéssemos perdido as esperanças. E embora todos tenham jurado dar continuidade à luta pela qual Chico morrera, as perspectivas eram muito limitadas. Não tivesse acontecido a repercussão internacional e nacional ao assassinato dele, provavelmente não teríamos alcançado nada.
RHBN - E o legado deixado por Chico Mendes? Houve avanços concretos na preservação da floresta?
Mary Alegretti - O legado deixado por Chico Mendes é imenso. Existem hoje duas categorias de unidade de conservação inspiradas em suas idéias: reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, ambas parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Esse é um legado importante que beneficia mais de 500 mil pessoas. A criação de uma unidade de conservação de uso sustentável elimina conflitos, assegura direitos e cria uma expectativa de vida para as famílias que ali vivem.
Outro legado importante é exatamente esse conceito de unidade de conservação de uso sustentável que, ao mesmo tempo em que regulariza a questão fundiária, possibilita a conciliação entre proteção do meio ambiente e desenvolvimento sustentável e eliminação da pobreza. Antes do movimento dos seringueiros toda teoria de conservação evitava a presença humana e a pobreza era considerada uma das maiores causas de degradação ambiental. Hoje, esse conceito é reconhecido no mundo todo como exemplar para comunidades que vivem em países com florestas tropicais.
O legado de Chico Mendes não é só de conquistas. É também de impasses. A reserva extrativista é uma espécie de contrato entre os moradores e gestores da área e o Estado. Cabe aos primeiros proteger os territórios e usar os recursos de forma sustentável; cabe ao segundo, viabilizar recursos e políticas de educação, saúde, desenvolvimento econômico; cabe também ao governo fiscalizar, evitar invasões e assegurar a parceria na gestão destes territórios. O poder público se concentrou mais em criar novas unidades do que em implementá-las.
A criação de novas reservas é sempre importante porque elimina os conflitos a que estas pessoas estão sujeitas em diferentes partes da Amazônia. Mas não é suficiente. Sem projetos e recursos voltados para o desenvolvimento sustentável, como vem ocorrendo em toda a Amazônia, as pessoas voltam-se à exploração do que está mais próximo e mais viável, a pecuária e a agricultura. O preço dos produtos florestais, como borracha e castanha, ficou muito abaixo do rentável e os projetos de agregação de valor são pontuais e sem escala.
A política de bolsa família tem aplacado as demandas urgentes por benefícios sociais em várias comunidades. Mas todos são unânimes em afirmar que não querem viver de esmola do governo quando o que fazem – a proteção da Amazônia – tem um valor infinitamente maior e mais nobre.
RHBN - A presença estrangeira na Amazônia é motivo de preocupações?
Mary Alegretti - Em termos. É preciso qualificar essa questão. A idéia, muito difundida entre os brasileiros em geral, de que a Amazônia está sendo internacionalizada pelas organizações não governamentais, não é verdadeira.
A Amazônia está sendo destruída por ação de brasileiros que grilam terras, assassinam trabalhadores, invadem reservas indígenas, exploram ilegalmente a madeira e outros recursos. A Amazônia está sendo destruída por políticos brasileiros que decidem abrir uma estrada no coração da floresta para barganhar votos, independentemente dos impactos que, já sabemos, uma estrada traz para a floresta e, hoje, para o desequilíbrio climático do país e do planeta. A Amazônia está sendo destruída por governantes que só a vêem como fonte de recursos – energia, madeira, biodiversidade – sem dar a menor importância para o papel que a floresta poderia desempenhar no desenvolvimento do país, sem investir, em troca, em pesquisa, em sustentabilidade, em educação, em infra-estrutura social.
Não devemos apontar estrangeiros como culpados, quando nós mesmos destruímos nosso mais valioso patrimônio natural e cultural.
O que fazem os estrangeiros é mais sutil - carregar exemplares da nossa biodiversidade para depois patentar e lucrar com os resultados. Mas estou certa de que se fizéssemos investimentos para explorar o potencial da biodiversidade amazônica, teríamos maior capacidade de controlar a biopirataria internacional.
Outra vulnerabilidade a ser corrigida com urgência é o destino das terras públicas. O descaso do governo brasileiro com a regularização fundiária da Amazônia tem facilitado brasileiros e estrangeiros a se apossar de terras e de recursos que estão ali, disponíveis; a presença do Estado na Amazônia é tão frágil que essa invasão ocorre sem que dela se tenha conhecimento.
RHBN - Como os outros países da América do Sul cuidam da preservação da floresta em seus respectivos territórios? Há casos semelhantes à luta dos seringueiros brasileiros nestas outras nações?
Mary Alegretti - O bioma Amazônia possui quase 8 milhões de km2, distribuídos em nove países da América do Sul. A Amazônia latino-americana é equivalente ao território dos Estados Unidos ou de toda Europa Ocidental.
O Brasil desenvolveu políticas e práticas mais avançadas na fiscalização e na proteção da Amazônia do que os outros países que compartilham o bioma. Nossas organizações de meio ambiente são mais estruturadas do ponto de vista de equipamentos, equipes técnicas, recursos financeiros, cooperação internacional. Mas a ausência de políticas pan-amazônicas, coerentes e consistentes com a importância do bioma, tem conseqüências negativas para todos os países.
Os problemas maiores estão na fronteira ocidental, especialmente com Colômbia, Peru e Bolívia. No caso da Colômbia, a guerrilha expulsa comunidades tradicionais e indígenas para o lado brasileiro tornando-os refugiados e fragilizando a proteção das fronteiras internacionais. No caso do Peru, políticas de concessão florestal e mineral, em áreas de índios isolados ou com poucos anos de contato, ameaçam a integridade de povos ainda desconhecidos. A exploração descontrolada dos recursos gera alto impacto ambiental e social. Diversos grupos representantes de comunidades indígenas e de ONGs lutam para mudar essa situação. No caso da Bolívia, centenas de seringueiros expulsos na década de 1970, vivem em situação precária nas áreas próximas à fronteira, principalmente na atualidade, em decorrência dos conflitos políticos recentes ocorridos na região.
A luta dos seringueiros brasileiros e a história de Chico Mendes são fonte de inspiração para movimentos sociais em toda a bacia amazônica, mas não necessariamente as soluções encontradas no Brasil são adequadas aos outros países. Organizações indígenas, nestes países, têm longa história de resistência e de conquistas, comparáveis às que têm conquistado os mesmos grupos sociais no Brasil.
Chico Mendes - O Preço da Floresta
Chico Mendes – O Preço da Floresta
Rodrigo Astiz
No final de 1988, quando Chico Mendes foi assassinado, eu tinha vinte anos e confesso que sabia pouco sobre ele e a luta dos seringueiros do Acre. Da época lembro principalmente das manchetes noticiando o assassinato e, depois, da prisão, julgamento e condenação dos assassinos.
Por isso, quando o Discovery Channel Latin America propôs a produção de um documentário sobre a vida e o legado de Chico Mendes, achei que era uma oportunidade de conhecer a fundo sua história e, melhor, contá-la a toda uma nova geração de jovens na América Latina.
A grande pergunta que me fazia era: quem afinal foi Chico Mendes? Ambientalista? Líder sindical? Seringueiro? E o que descobri é que ele foi tudo isso e muito mais. Foi irmão, primo, marido, pai, amigo, companheiro e tantas outras coisas para aqueles que tiveram a chance de conhecê-lo e conviver com ele.
Logo nos primeiros momentos da pesquisa para desenvolver o projeto, surgiram ligados a Chico Mendes nomes como o de Mary Allegretti, Marina Silva, Jorge Viana e Binho Marques, pessoas que nesses 20 anos se destacaram no cenário político nacional, sempre em defesa da floresta, dos povos que vivem nela e, principalmente, de um novo modelo de desenvolvimento para a região amazônica. Depois, em Xapuri e nos seringais ao redor, conheci os primeiros companheiros de Chico: o irmão, Zuza, os primos, Raimundão, Nilson e Duda, a tia Cecília, os companheiros Osmarino, Moisés, Gomercindo e tantos outros. E ainda ouvi a história daqueles que morreram no processo como Wilson Pinheiro e Ivair Higino.
Tendo Chico Mendes como amálgama, esses dois grupos de pessoas fizeram um levante para barrar o avanço do processo de desmatamento que corria solto na época transformando enormes áreas de mata em fazendas para a criação de gado. No processo ainda criaram o conceito de Reservas Extrativistas, uma proposta objetiva de desenvolvimento sustentável. Isso em pleno regime militar e, tanto quanto foi possível, de forma pacífica. E numa época em que o alcance do discurso ambiental, hoje dominante, ainda era restrito. A meu ver, isso é algo incrível na História brasileira recente e que merece ser contado de forma mais detalhada por que é um exemplo do que a sociedade organizada pode realizar.
Tive a sorte e o privilégio de logo nos primeiros dias de gravação ter a Mary ao meu lado “traduzindo” esse universo até então novo para mim. E de ver a emoção dela reencontrando velhos amigos e visitando localidades que há muito não via, como a escola do Projeto Seringueiro, no seringal Rio Branco. Para todos foi impressionante ver a escola cheia de crianças e adolescentes – todos filhos de seringueiros – e ouvir seus sonhos e planos para o futuro.
Rodrigo Astiz com o professor da escola da colocação Rio Branco e com Raimundo de Barros, primo de Chico Mendes, na Reserva Extrativista Chico Mendes, em Xapuri, Acre, agosto de 2008
Junto com Mary tive também uma pequena amostra de como era o clima de tensão na região na época. No período de gravação, entre maio e junho de 2008, aconteceu em Xapuri o julgamento dos acusados de assassinar Ivair Higino, morto em junho de 1988, seis meses antes de Chico Mendes. Os acusados eram todos da família de Darcy Alves, condenado como mandante do assassinato de Chico. No dia do julgamento, quando almoçávamos no restaurante da dona Vicenza, um grupo ligado aos acusados entrou para almoçar e ao ver que Mary estava lá começou a agredi-la verbalmente de forma indireta. Foi algo chocante tanto pela violência das palavras quanto pela covardia do sujeito e um exemplo do tipo de gente que Chico Mendes e seus companheiros enfrentaram há vinte anos e das táticas que eles utilizavam.
As experiências extrativistas do Acre, especificamente da região de Xapuri, me impressionaram muito. Sempre ouvi falar de como o desenvolvimento sustentável é importante, do valor da “floresta em pé”, mas ver tudo isso na prática é totalmente diferente. A impressão que tive é que sim, é possível ganhar mais dinheiro com a floresta e seus produtos do que derrubando-a. São casos como o da COOPERACRE tendo a frente Manuel Monteiro, um filho de seringueiro que passou pelas escolas do Projeto Seringueiro e chegou à universidade e que consegue juntar o conhecimento dos dois mundos para agregar valor aos produtos da floresta e vendê-los em mercados de todo o Brasil. Ou então, da recém inaugurada fábrica de preservativos que aumentou o valor pago pelo látex aos seringueiros e ainda gerou empregos em Xapuri. Ou ainda a fábrica em Rio Branco que transforma os troncos extraídos de projetos de manejo florestal em laminados de madeira que são exportados para a Europa, entre outros lugares.
Sei que o que vi é apenas uma parte muito pequena da realidade, mas tudo isso me faz pensar que o Acre é como um grande laboratório de experiências de sustentabilidade onde várias iniciativas são testadas. O que acontece lá e em outros lugares pode ser usado um dia como parte de um projeto nacional de desenvolvimento sustentável, não apenas nas regiões de floresta, mas também reservas extrativistas marinhas e outras que vierem a surgir. O mais importante, na minha opinião, é agregar valor aos produtos extrativistas e construir a ponte entre produtor e mercado consumidor.
O momento histórico não poderia ser mais apropriado e talvez os 20 anos da morte de Chico Mendes seja a oportunidade ideal para fazermos essa reflexão.
Como todos sabem a produção de um documentário é um trabalho de criação coletivo. Aqui vai o nome de todos que com seu conhecimento, trabalho e dedicação realizaram Chico Mendes – O Preço da Floresta:
Direção: Rodrigo Astiz
Produção Executiva: Krishna Mahon
Roteiro: Eduardo Acquarone e Paula Knudsen
Assistência de Direção: Marcello Bozzini
Coordenação de Produção: Adriana Marques e Isabel Oliva
Produção: Adriana Oda e Carolina Sciotti
Pesquisa: Cristina Uchoa, Paula Knudsen e Stella Grisotti
Direção de Fotografia: Zé Mário Fontoura
Som Direto: Miquéias Motta
Coordenação de Finalização: Marilia Portella e Viviane Rocha
Montagem: Paulo Taman
Trilha Sonora: Plug In / Diogo Poças
Finalização de Som e Mixagem: Voxmundi Audiovisual
Locução: Nelson Gomes
Computação Gráfica: Oca Filmes
Produtores: Fabio Ribeiro, Gil Ribeiro, João Daniel Tikhomiroff e Michel Tikhomiroff
Para Discovery Channel Latin America
Direção de Produção e Desenvolvimento: Michela Giorelli
Produção: Carla Ponte e Irune Ariztoy
Gerência de Produção: Marcela Sánchez Aizcorbe
Uma Produção Mixer para Discovery Networks Latin America / US Hispanic
segunda-feira, setembro 29, 2008
Paralização da BR 319: oportunidade para a floresta
A BR 319 é uma rodovia aberta pelo Exército em 1973 que liga Porto Velho, em Rondônia, a Manaus, no Amazonas, uma extensão de 870 km. Em 1988, sem manutenção, foi fechada, em grande parte, reaberta em 2005. A BR 163 liga Cuiabá, no Mato Grosso a Santarém, no Pará, também foi aberta na década de 70, e entre 2003 e 2006 viveu um intenso processo de planejamento participativo, visando demonstrar que seria possível controlar o impacto do asfaltamento sobre a floresta. Ambas fazem parte das obras do Governo Lula para a Amazônia .
Artigo analisando detalhamente a história e os impasses da BR 319 está publicado em:
http://colunas.globoamazonia.com/maryallegretti
Manifesto e pedido de apoio a favor do Ministro do Meio Ambiente
A Associação Preserve Amazônia vem a público manifestar apoio incondicional à decisão tomada pelo Ministro Carlos Minc na ultima quarta feira, 24 de setembro, quando o mesmo determinou a suspensão da licença das obras de pavimentação da BR 319, Manaus-Porto Velho, que estavam sendo feitas antes mesmo da conclusão do seu respectivo EIA RIMA, em um quadro de gravíssima irregularidade.
Ao tomar esta atitude, o Ministro agiu em conformidade e em defesa da legislação ambiental, da Constituição Federal e de Deliberações recentemente aprovadas de forma transparente e democrática na III Conferência Nacional do Meio Ambiente. Além de proteger a floresta, agiu a favor do interesse coletivo nacional e do clima de todo o planeta, influenciado diretamente pela sua superfície desflorestada.
Não resta dúvida que deve ser considerada como uma atitude alinhada ao bom senso comum e ao princípio da precaução, pois tem como objetivos tanto a proteção da biodiversidade quanto uma menor interferência na composição da atmosfera, o que é fundamental para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas cada vez mais evidentes na Terra.
Sendo a paralisação uma ação de proporções continentais, porém com abrangência mundial, se analisada em detalhes pode ser vista como a mais importante iniciativa tomada até hoje no que diz respeito à proteção em larga escala da floresta amazônica, já que o risco de desmatamento associado à construção de uma rodovia na região é altíssimo.
A maneira mais eficaz, e que apresenta o mais alto custo benefício, de se evitar nas próximas décadas o desmatamento em larga escala da Amazônia é exatamente através da substituição do modelo de ocupação, no qual o modal de transporte é o diferencial. Esta afirmação pode ser comprovada matematicamente através de uma equação simplificada do desmatamento, que demonstra uma altíssima correlação entre desmatamento e facilidade (ou possibilidade) de acesso.
Agindo desta forma, o Ministro abriu uma oportunidade fantástica para o país, pois a mudança no paradigma de ocupação, e da maneira como se dará o desenvolvimento, altamente correlacionada com a forma de ocupação, de uma região correspondente a mais de metade do território nacional, deve ser uma prioridade para a mitigação das mudanças climáticas globais. O que realmente pode ser mais impactante para o clima do planeta do que a abertura de extensas rodovias na Amazônia?
Devemos, em conformidade com a legislação e com o bom senso, realizar os estudos comparativos entre as possíveis alternativas de modal de transporte para cada situação, conforme explicitado na Resolução 01\86 do CONAMA. Isto deverá obrigatoriamente se refletir em uma mudança na matriz de transportes na Amazônia, pois o modal ferroviário se mostra mais adequado para áreas com elevado risco de degradação ambiental, justamente por oferecer menores riscos ao homem e ao meio ambiente.
Uma mudança de postura, com uma decisão política favorável aos estudos comparativos previstos na legislação, poderá projetar o Presidente Lula e seu governo a outro patamar de reconhecimento, não só no Brasil, mas principalmente no exterior. Dificilmente faltarão verbas para os investimentos nas ferrovias, já existindo a previsão para este tipo de projeto, relacionados ao desmatamento evitado, em fundos recém lançados. As condições estão todas criadas para a mudança da política de logística de infra estrutura de transportes na Amazônia, que certamente deverá, através de uma solução simples e eficiente, e da adoção de uma tecnologia moderna e menos impactante, resultar em menores taxas de desmatamento na Amazônia.
Só nos cabe apoiar o Ministro e pedir a todos aqueles que amem o Brasil e a Floresta Amazônica para que também manifestem apoio ao Ministro Carlos Minc, que supostamente teria sofrido uma repreensão por parte do Presidente Lula e da Ministra Dilma Roussef, já que a pavimentação da BR 319 se tratava de obra do PAC. Mas como o Ministro poderia ir contra a própria lei do país, se omitindo de forma irresponsável em uma questão de interesse e de segurança nacional?
É bom lembrar que a BR 319 é só uma das cinco rodovias do PAC projetadas e já em execução pelo governo na Amazônia, em um total de mais de 3.000 kms de asfalto planejados para cortar a floresta. É fundamental que a sociedade brasileira tenha plena consciência do que isto representa e das conseqüências que se farão existir caso não se opte por um modal de transporte mais alinhado com os princípios do desenvolvimento sustentável.
Desta forma, solicita-se a todos os leitores para que seja dada a máxima publicidade a esta questão, de modo que a opinião pública possa se inteirar e se manifestar sobre o assunto, cobrando do governo atitudes dignas e responsáveis para com o país, tendo como exemplo esta tomada pelo Ministro Carlos Minc, que merece de todos nós parabéns pela coragem, dignidade e respeito à natureza.
Associação Preserve Amazônia
28 de setembro de 2008
segunda-feira, setembro 22, 2008
CHICO MENDES 20 ANOS
Em 2008 estamos lembrando os 20 anos do assassinato de Chico Mendes, que ocorreu no dia 22 de dezembro de 1988. Embora seu nome conste do pavilhão dos heróis nacionais e seja tema de pesquisas entre alunos e professores em diferentes escolas do Brasil, as pessoas não entendem exatamente as razões pelas quais ele ficou conhecido e merece esse destaque.
A minissérie "Amazônia: de Galvez a Chico Mendes", da Globo, contribuiu para divulgar a história da conquista do Acre, o período da borracha e, inclusive, a vida de Chico Mendes. No entanto, o documentário terminou com sua morte, passando a impressão de que sua luta não teve consequências práticas para a Amazônia, para os seringueiros e demais trabalhadores extrativistas. Muitas pessoas assistiram a minissérie mas não adquiriram maior compreensão a respeito da realidade atual das causas associadas ao seu nome.
A contribuição dada por Chico Mendes e pelo movimento dos seringueiros para influenciar as políticas de desenvolvimento da Amazônia recebeu importante reconhecimento internacional e Chico foi premiado por isso. Mas a verdade é que sua história está mais registrada em teses acadêmicas e livros publicados no exterior do que no Brasil.
Chico Mendes atrás de Ted Turner, fundador da CNN, que o homenageou com o Prêmio de Meio Ambiente da Fundação Better World Society, em Nova York, em 1988.
A visível ampliação do espaço destinado na mídia às questões ambientais em geral e à Amazônia em particular, nos últimos dois anos no Brasil, têm despertado o interesse do público por temas como desenvolvimento sustentável. Não existe, no entanto, uma clara informação sobre o papel de Chico Mendes nesse processo histórico. Seu legado é desconhecido fora de um pequeno círculo de pessoas e existem dificuldades para se compreender o contexto histórico de sua vida e as consequências atuais de suas idéias.
Todas essas razões me levaram à idéia de abrir um espaço, no meu blog, aqui e no portal Amazônia da Globo "http://colunas.globoamazonia.com/maryallegretti/" todas as semanas, até o dia 22 de dezembro, para fazer um balanço dos resultados de suas idéias, esclarecer aspectos de sua trajetória, divulgar imagens, textos e depoimentos de outras pessoas que conviveram com ele.
domingo, setembro 07, 2008
BLOG NA GLOBO AMAZÔNIA
http://www.globoamazonia.com/
Você pode achar o blog neste endereço:
http://colunas.globoamazonia.com/maryallegretti/
A agenda da floresta
A Amazônia tem tantas faces que cada um pode escolher a forma de representá-la e com ela se relacionar. Os europeus, por exemplo, gostam de ver a Amazônia a partir dos povos indígenas; a mídia, em geral, só vê desmatamento.
Eu tive o privilégio de conhecer a Amazônia pela floresta. Já havia desmatamentos, conflitos e destruição quando fiz minha primeira pesquisa de campo, no Acre, em 1978. Mas não onde eu andei, naquela época, e por onde ainda ando hoje. Era só floresta e água. E gente da floresta. O problema era escravidão, as injustas relações de traballho nos seringais.
Também foi do ponto de vista destas pessoas que comecei a analisar o desmatamento: seringueiros expulsos de suas colocações por empresas agropecuárias que derrubavam a floresta para criar gado, e líderes como Chico Mendes defendendo direitos e tentando provar o valor da floresta em pé.
Esse blog trata dessa agenda, a da floresta e suas populações.
Veja o post completo em: http:://colunas.globoamazonia.com/maryallegretti
quarta-feira, julho 09, 2008
RESERVAS EXTRATIVISTAS NO FOCO DA CRÍTICA
Reservas extrativistas sucumbem à força da pecuária na Amazônia
Bettina Barros
Valor Econômico de 09/07/2008
http://www.valoronline.com.br/
Sem opção econômica, comunidades optam pela liqüidez e bom preço do boi. Cordeiro, do Chico Mendes: faltam política pública e dinheiro para as Resex.
Símbolo do desenvolvimento sustentável na Amazônia, as reservas extrativistas personificadas pelo seringueiro Chico Mendes estão cedendo à pressão da pecuária de corte. Em algumas, sobretudo no Acre e em Rondônia, o número de cabeças de gado bovino já se iguala ou ultrapassa a de habitantes.
Segundo o governo, que ainda vê passivamente o problema, as estimativas apontam para a existência de até 40 mil cabeças nas principais reservas do bioma Amazônia, criadas nos anos 80 justamente para impedir a substituição da floresta por pasto. "Podemos falar em uma cabeça por habitante", diz Alexandre Cordeiro, coordenador-geral de Reservas Extrativistas e Desenvolvimento Sustentável do Instituto Chico Mendes, órgão (cindido do Ibama) que cuida das unidades de conservação do país.
É o desdobramento irônico - e perverso - do conceito que tenta viabilizar economicamente as populações tradicionais da Amazônia, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais. Mas a falta de alternativas motivou o processo conhecido como "pecuarização" das reservas. "O boi virou uma alternativa de renda porque tem bom preço e liqüidez. É a poupança para os momentos de dificuldade dessas populações, não dá para competir com os preços em queda da borracha e da castanha", explica Paulo Amaral, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), de Belém.
Das 33 reservas extrativistas (Resex) florestais federais no bioma - algo como cinco milhões de hectares na Amazônia -, nenhuma obteve ainda o plano de manejo, que determina o que pode ser retirado da mata, de onde e de que forma. Detalhe: algumas reservas estão próximas de completar 20 anos desde sua criação.
Tampouco há conselhos comunitários formados para administrar todas essas áreas de proteção. "Não há política pública", admite Cordeiro, do governo. "Não temos dinheiro, não temos gente, não conseguimos atrair iniciativas público-privadas", dispara. "É lógico e óbvio que a pecuária está lá. Que vantagem tem o seringueiro se ele está vendo o vizinho se capitalizar rapidamente? A pecuária é o modelo econômico que dá resultado. Os pecuaristas têm apoio financeiro dos bancos, os extrativistas não".
A pressão do modelo econômico desenvolvido na região coopta com mais voracidade os extrativistas de Rondônia e do Acre, berço dos debates do conceito de reservas extrativistas. Ali, produtos não-madeireiros como a copaíba, a castanha e a borracha estão longe de ser significativos para as comunidades - estima-se que a borracha represente só 10% da renda familiar no Acre hoje.
"É uma tristeza ver que a luta de Chico Mendes terminou assim, com os próprios seringueiros desmatando a floresta", disse Manoel Cunha, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), durante um recente seminário em São Paulo, citando a simbólica Resex Chico Mendes, em Xapuri (AC). Ela tem 1,5 mil habitantes e algumas centenas de cabeças de bois.
Outra referência na "pecuarização" das Resex é a Verde para Sempre, criada em 2004 no Pará para conter o desmatamento e a exploração madeireira predatória, além de garantir a regularização fundiária de cerca de 100 comunidades. Segundo Amaral, do Imazon, os animais (no caso, búfalos) ultrapassam a casa de mil.
Segundo o Grupo de Trabalho da Amazônia, a Resex Jaci-Paraná, de Rondônia, perdeu 37,5 mil hectares até julho do ano passado, 20% de sua área total. Após a derrubada da mata e venda da madeira, deve entrar o gado.
A pastagem nasce sobretudo ao longo das rodovias que cruzam esses Estados, casos da BR-163, BR-364 e da 317, que no Acre liga Rio Branco, Xapuri e Assis Brasil, perto da fronteira com a Bolívia. É nesse eixo que ocorrem os maiores índices de desmatamento do Acre e de Rondônia, e onde o boi flerta com o seringueiro. "A comunidade acabou ficando vendida a esse modelo econômico", diz Cláudio Maretti, superintendente de conservação do WWF Brasil.
Nesse raio estão também unidades do JBS/Friboi, o que, de certa forma, pressiona ainda mais o modelo econômico em vigor na região. A chegada do Bertin em Marabá (PA) também despertou tensão entre ambientalistas.
No curto prazo, a chance de mudanças parece pequena. "Precisaríamos de R$ 210 milhões só pra fazer o básico nas Resex. Temos R$ 100 mil", diz Cordeiro.
REPACTUAR O CONTRATO ESTADO-COMUNIDADES
A realidade das reservas é complexa e diversificada: são 80 áreas, 21.838.588 hectares, mais de 170 mil pessoas, 4.4.% da Amazônia (incluindo as federais e estaduais, a maioria na modalidade de reservas de desenvolvimento sustentável).
Neste conjunto, a Resex Chico Mendes é apenas um exemplo. Dentro da Chico Mendes, que tem quase 1 milhão de hectares, tem a pecuarização e tem sistemas agroflorestais muito bem implantados. Em Rondônia, como mostrou o relatório do GTA http://http//www.amazonia.org.br/arquivos/274515.pdf a crise é institucional - todas as unidades de conservação estão invadidas com incentivo oficial. Na Verde para Sempre, os búfalos certamente não foram introduzidos pelas comunidades; a falta de regularização fundiária, quando uma área é criada, coloca nas comunidades o ônus dos problemas ambientais já existentes e que deveriam ter sido resolvidos a partir da criação.
Mas esses são comentários pontuais sobre a matéria do jornal O Valor. E sugiro que outros complementem as informações. Não visam minimizar as críticas. Ao contrário - tenho falado em crise e vou explicitar o que entendo como crise das reservas extrativistas.
Não é somente uma crise da pecuária. É muito mais que isso. É uma crise conceitual, de política pública e de liderança.
Crise conceitual
As reservas extrativistas não são somente um tipo de unidade de conservação com gente dentro que precisa ser ouvida quando se trata de fazer um plano de manejo ou criar um conselho consultivo. As reservas extrativistas são unidades criadas como solução a um conflito fundiário, pela iniciativa e vontade das comunidades que vivem na área, para reconhecer direitos e para assegurar que os recursos naturais - do quais essas pessoas dependem para viver e que se encontram ameaçados - continuem sendo utilizados e protegidos, em benefícios delas e da sociedade. Os direitos fundiários são reconhecidos na forma de unidade de conservação por uma opção destas comunidades e em benefício público.
Se cada área ocupada por uma família extrativista se transformasse em um lote de um projeto de assentamento teríamos mais 4.4% da Amazônia destruída diretamente e, pelo menos o dobro, indiretamente.
A crise conceitual deriva do fato de que, depois de criadas, as reservas extrativistas passam a ser entendidas como unidades de conservação de propriedade do governo e as comunidades como um mero detalhe, ou seja, moradores a serem tolerados, ensinados, educados, moldados à burocracia. E deveria ser, no mínimo, uma relação entre iguais: as comunidades optam por uma unidade de conservação e o Estado fornece a elas os meios para desempenhar essa função.
Crise de política pública
É uma consequência da anterior. Os instrumentos da política (plano de manejo e conselho gestor), da forma como estão concebidos no SNUC, estão equivocados, não expressam esse equilíbrio de gestão nem as necessidades das comunidades. E tanto não servem que não estão sendo implementados. Se fossem realmente importantes estariam sendo demandados. O que as comunidades demandam com força é desenvolvimento do tipo sustentável: planos econômicos que permitam o uso de produtos existentes em suas áreas; assistência técnica, que inexiste; parceria e educação para a gestão.
E não se pode esquecer a questão geracional. Embora não existam dados quantitativos sobre isso, a maioria da população das reservas é jovem. São os gestores da Amazônia do futuro. E quem se preocupa com eles?
E os hoje idosos - e que foram os líderes deste movimento - não são reconhecidos como trabalhadores rurais (não estão em assentamentos, não são pequenos proprietários, nem trabalhadores assalariados) e não têm direito a aposentadoria. Precisam provar que são trabalhadores. E quem se preocupa com eles?
Do ponto de vista das políticas públicas as reservas extrativistas estão abandonadas. Nem são implementados os instrumentos convencionais, nem criados novos. A crise institucional gerada com a criação do Instituto Chico Mendes desorganizou o pouco que havia sem colocar nada melhor no lugar.
Crise de liderança
As lideranças extrativistas perderam a visão estratégica. São muitas áreas para administrar em cada estado, muitas demandas por novas áreas e falta de apoio institucional do governo federal. Quem está assumindo responsabilidades são os governos estaduais, na maior parte dos casos, mesmo assim, limitadas.
A falta de políticas e de investimentos, a falta de coordenação e articulação, a ineficácia dos instrumentos, a falta de recursos financeiros para realizar essa imensa tarefa - tem deixado os líderes do Conselho Nacional dos Seringueiros com pequena margem de ação.
E há também uma crise política. Como muitos, neste país, que esperavam do governo Lula uma resposta mais forte e definitiva para a solução destes problemas - pelos quais lutam há mais de 20 anos - também se decepcionaram.
A gestão da Marina no MMA, no que se refere às reservas extrativistas, foi irrelevante, para dizer o mínimo. Colocou como responsável pelas unidades de conservação de uso sustentável uma pessoa que, todos sabem, não gosta das reservas extrativistas. Prova disso é que essa pessoa é responsável pela únida RDS federal - Itatupã-Baquiá, criada em Gurupá, no Pará. O único qualificativo que tem é ser do PT; não tem história junto às comunidades amazônicas, não tem trabalhos técnicos sobre reservas extrativistas, não tem liderança política na região. E está lá, respondendo pela área que cuida das UCs de Uso Sustentável (que antes era Disam, agora é Diusp) desde o início do governo Lula. E fazendo lobby para virar o presidente do Instituto Chico Mendes!
Também deste ponto de vista as reservas extrativistas estão abandonadas.
Repactuar
Enfim, a crise é institucional, mas não afeta os fundamentos das reservas extrativistas que continuam vitais para a Amazônia. O que é preciso é repactuar as relações do Estado com as comunidades. Repactuar os compromissos que se firmam quando se cria uma Resex, tanto do ponto de vista das comunidades quanto do ponto de vista do Estado. Elas se dispõem a prestar um serviço - proteger os recursos naturais como meio de vida; ao Estado cabe proporcionar os meios para que esse serviço seja prestado e monitorar os resultados.
Existe hoje uma excelente oportunidade de repactuar o contrato entre comunidades e Estado, que é a questão climática. As comunidades tradicionais da Amazônia prestam um serviço ambiental ao país e ao planeta e devem ser remuneradas por isso. Essa remuneração deve ser fruto de um contrato no qual as duas partes assumem responsabilidades mútuas: de um lado, condições efetivas de assegurar que o serviço é prestado; de outro, compromisso de continuar exercendo esse papel; e o monitoramento dos resultados para a sociedade.
O momento é esse. Vinte anos depois do assassinato de Chico Mendes, é hora de revitalizar as idéias pelas quais ele - e tantos outros - morreram ou se sacrificaram. Não podemos deixar que a burocracia, a inépcia institucional e a acomodação de algumas lideranças, desvirtuem uma idéia que nos é tão cara e pela qual já fizemos tanto.
Espero que o ministro Carlos Minc decida bancar esse desafio.
quarta-feira, junho 25, 2008
A MORTE DA RUTH CARDOSO
Como antropóloga, ela trabalhava com questões urbanas, eu com questões florestais, ambientais, por isso não nos cruzamos muito em cursos, palestras, eventos da área. Assim, não foi no exercício da profissão, estrito senso, que ela me marcou.
As oportunidades que tive de encontrá-la e conversar com ela, foram durante o tempo em que estive à frente da Secretaria de Coordenação da Amazônia, no Ministério do Meio Ambiente.
Quando cheguei, sua marca já estava lá. Em articulações feitas pelo Conselho Nacional dos Seringueiros e executadas pela antropóloga Ana Lange, havia sido criado, em 1998, o Programa Amazônia Solidária, a primeira iniciativa de inserir nas políticas públicas federais ações efetivas voltadas para esse segmento social, na área de apoio financeiro a projetos, política de preços para a borracha, organização da produção. Recursos, ainda pequenos, estavam no orçamento para 1999. Os seringueiros e extrativistas já tinham a política de criação de reservas definida e em execução, mas ainda não tinham a política de desenvolvimento, que começou ali, e cujos recursos foram crescendo todos os anos até 2003.
Digamos, porém, que esse era um reflexo de sua atuação no governo como um todo; como idealizadora do programa Comunidade Solidária, mais cedo ou mais tarde iniciativas como essas chegariam aos seringueiros como chegaram a muitos outros segmentos da sociedade.
Não eram os resultados de suas ações nem as idéias que defendia, que mobilizavam o meu interesse. O que me impressionava nela eram características de personalidade que admiro - e que são tão raras - em pessoas públicas:
- o senso de igualdade: o mesmo tratamento dado para todas as pessoas; opiniões mantidas, sem se preocupar em agradar ninguém.
- a convicção expressa: a opinião fundamentada na capacidade de análise da realidade, dita com tranquilidade, sem querer convencer nem intimidar, mas que convencia e intimidava pela consistência.
- a presença forte e discreta: como alguém consegue fazer as duas coisas é algo que só vi de fato nela; essa certeza de que não precisava aparecer, nem fazer valer sua opinião, porque não estava interessada com imagem mas com fatos.
- a independência: não tinha partido e era respeitada por todos, não fazia parte de nenhuma igreja, não condicionava sua opinião a pesquisas nem a momentos, não regulava seus atos pelas expectativas dos outros.
Talvez, pensando bem, essas são características que se aprende na profissão: ver o ponto de vista do outro, se colocar no lugar dele, captar sua lógica, são passos que levam ao hábito de questionar, valorizar, relativizar, um jeito de ser que distingue os que fazem algo porque a realidade exige que algo seja feito e não porque os outros esperam que se faça.
A morte de Ruth Cardoso tira de cena essa referência. E é isso que me deixa triste - não ter referências em que se espelhar. Não ter pessoas públicas a admirar.
domingo, junho 01, 2008
POLÍTICA PARA O EXTRATIVISMO NO PARÁ
GABINETE DA GOVERNADORA
D E C R E TO Nº 1.001, DE 29 de maio de 2008
Institui a Política Estadual de Desenvolvimento do Extrativismo no Pará.
A GOVERNADORA DO ESTADO DO PARÁ, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 135, inciso V, da Constituição Estadual, e
Considerando, a demanda dos extrativistas do Pará, no sentido de elaborar uma proposta de política de desenvolvimento da economia extrativista adequada à realidade regional, respeitando suas peculiaridades;
Considerando, que foi instituído um grupo de trabalho, através do Decreto nº 370, de 23 de agosto de 2007, com o objetivo de elaborar a política de desenvolvimento da economia extrativista no Pará;
Considerando, os resultados do Seminário Estadual de Extrativismo e Populações Tradicionais;
Considerando, as orientações da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto Nacional nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007,
D E C R E T A:
Art.1ºFica instituída a Política Estadual de Extrativismo no Pará, na forma do Anexo deste Decreto.
Art. 2º Para os fins deste Decreto e do seu Anexo, compreende-se por:
I -Atividade Extrativista Florestal: a coleta, o uso, o beneficiamento e a comercialização de produtos não-madeireiros originários de recursos florestais, fauna silvestre, recursos pesqueiros nativos e a prestação de serviços ambientais;
II – Extrativista: toda e qualquer pessoa física que comprove a prática da atividade extrativista, por meio de documento pessoal ou de organização representativa, desde que reconhecidos pela Delegacia Regional do Trabalho;
III -Produtos florestais não-madeireiros: qualquer recurso natural nativo retirado de forma sustentável da floresta, lagos e rios, excetuando-se a madeira e seus subprodutos;
IV -Serviços ambientais extrativistas: serviços oferecidos pelos ecossistemas e mantidos pelos extrativistas por meio de atividades sustentáveis (produção de oxigênio e seqüestro de carbono, belezas cênicas, conservação da biodiversidade, proteção de solos e regulação das funções hídricas).
Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
PALÁCIO DO GOVERNO, 29 de maio de 2008.
ANA JÚLIA CAREPA
Governadora do Estado
ANEXO ÚNICO
POLÍTICA ESTADUAL DE EXTRATIVISMO
Dos Princípios
Art. 1º As ações e atividades voltadas para o alcance dos objetivos da Política Estadual de Extrativismo deverão ocorrer de forma intersetorial, integrada, coordenada, sistemática e observar os seguintes princípios:
I -o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade socioambiental e cultural dos extrativistas;
II -a segurança alimentar e nutricional como direitos tradicionais ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis;
III -o desenvolvimento sustentável como promoção da melhoria da qualidade de vida para as gerações presentes, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras e respeitando os seus modos de vida e as suas tradições;
VIII -a contribuição para a formação de uma sensibilização coletiva por parte dos órgãos públicos sobre a importância dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e do controle social para a garantia dos direitos dos extrativistas;
IX -a preservação dos direitos culturais, o exercício de práticas comunitárias, a memória cultural e a identidade racial e étnica.
Do Objetivo-Geral
Art. 2º Política Estadual de Extrativismo tem como principal objetivo promover de forma integrada o desenvolvimento sustentável da economia extrativista no Estado do Pará, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais das comunidades extrativistas, com respeito e valorização a sua identidade, suas formas de organização e suas instituições.
Dos Objetivos Específicos
Art. 3º São objetivos específicos da Política Estadual de Extrativismo:
I -normatizar o uso dos recursos florestais extrativistas, levando em consideração os aspectos regionais, socioeconômicos e culturais;
II -apoiar as atividades de uso comunitário e familiar sustentável nas florestas localizadas no Estado do Pará;
III -instituir a assistência técnica florestal pública para o desenvolvimento de cadeias produtivas extrativistas com base nos recursos florestais do Estado do Pará;
IV -articular, junto aos órgãos afins do Governo Federal, definição de prioridades regionais, a serem atendidas no âmbito dos programas desenvolvidos no Estado, conforme demandas da Comissão;
V -estruturar arranjos produtivos locais da economia extrativista, o estudo de suas potencialidades de uso e acesso a mercados, a estruturação de unidades industriais e apoiar o fortalecimento da capacidade de gestão de negócios;
VI -promover a capacitação e a qualificação profissional dos extrativistas para a indução de novas atividades de geração de renda com base no uso de recursos florestais;
VII -articular junto ao Banco do Estado do Pará S.A. a inserção de linhas de crédito de acesso direto simplificadas e adequadas à realidade das populações extrativistas;
VIII -promover incentivos fiscais para a execução e instalação de empreendimentos extrativistas em escalas familiar e comunitária, desde que sejam de relevância para o desenvolvimento econômico local ou regional;
IX -implementar ações de ensino médio e programas de alfabetização e ensino fundamental de jovens e adultos voltadas aos extrativistas, de acordo com as especificidades das realidades locais;
X -implementar, no âmbito da ETPP -Escola de Trabalho e Produção do Pará, o ensino profissionalizante extrativista;
XI -disponibilizar linhas de fomento à pesquisa local diferenciada;
XII -garantir a comunicação e a inclusão digital, em áreas essenciais para o desenvolvimento da economia extrativista;
XIII -garantir a proteção da propriedade intelectual dos extrativistas;
XIV -promover investimentos em infra-estrutura para o acesso aos locais de produção, para o funcionamento de plantas de beneficiamento próximas às comunidades, para o armazenamento e comercialização da produção extrativista;
Dos Instrumentos
Art. 4º São instrumentos de implementação da Política Estadual de Extrativismo:
I -a Comissão Estadual de Extrativismo -COMEX, composta pelos membros do Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto nº 370, de 23 de agosto de 2007, acrescidos da Secretaria Estado de Pesca e Aqüicultura -SEPAq e do Instituto de Terras do Pará -ITERPA;
II -o Plano Plurianual:
a) Pará Florestal;
b) Ciência, Tecnologia e Informação;
c) Desenvolve Pará.
III -o Plano de Ação, compreendendo:
a) a Terra de Direitos;
b) o Campo Cidadão;
c) a Bolsa Trabalho para capacitação para o desenvolvimento de atividades extrativistas de base florestal.
Da Implementação
Art. 5º A implementação da Política de Extrativismo requer instância colegiada que busque o cumprimento dos interesses dessa Política junto ao Governo Estadual, zele pela descentralização da execução das ações e vise assegurar a participação dos setores interessados.
§ 1º Fica instituída a Comissão Estadual de Extrativismo -COMEX, que será composta pelos membros do Grupo de Trabalho, instituído pelo Decreto nº 370, de 23 de agosto de 2007.
§ 2º As atribuições da Comissão serão definidas em regulamento.
Art. 6º A coordenação da Política de Extrativismo caberá ao Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará -IDEFLOR, que terá as seguintes atribuições:
I -articular as ações da Política Estadual de Extrativismo junto aos demais setores do governo e da sociedade;
II -acompanhar e avaliar a execução dos componentes da Política de Extrativismo e elaborar relatórios de desempenho das atividades da economia extrativista no Pará;
III -articular-se com os demais órgãos públicos e instituições afetos aos temas tratados para a elaboração e encaminhamento de propostas de criação ou modificação de instrumentos legais necessários à boa execução da Política de Extrativismo;
IV -promover a integração de políticas setoriais para aumentar a sinergia na implementação de ações direcionadas à gestão sustentável do extrativismo (conservação, utilização sustentável e repartição de benefícios), evitando que estas sejam conflituosas;
V -estimular a cooperação interinstitucional e internacional para a melhoria da implementação das ações de gestão do extrativismo.
sexta-feira, maio 23, 2008
ÍNDIOS ISOLADOS DO ACRE
Leia no blog do altino http://altino.blogspot.com/ a matéria mais incrível da Amazônia contemporânea e a comprovação de que a política de proteger os índios da nossa sociedade vem dando certo: as primeiras fotos de uma maloca de índios isolados e uma entrevista com o sertanista José Carlos Meirelles.
"Após quase 20 horas num avião monomotor, o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, coordenador da Frente de Proteção Etno-Ambiental da Funai, comandou um sobrevôo que resultou nas primeiras fotografias dos índios de uma das quatro etnias isoladas que vivem na fronteira do Acre com o Peru. As mulheres e suas crianças fugiram para a floresta em busca de proteção, enquanto os guerreiros da tribo se posicionaram e reagiram atirando flechas no avião."
A reportagem está na Terra Magazine ou no portal Terra.
segunda-feira, maio 19, 2008
ESPAÇO MOISÉS DINIZ - SOBRE MARINA
"Como diz Bartô Galeno: “essa cidade é uma selva sem você!” Selva que se torna pedra com um simples toque do Coisa em que se transformou a civilização. Sem Marina no Ministério do Meio Ambiente, os recursos naturais do Brasil se tornarão reféns do verbo “valente” e talvez até da verba silenciosa que sai das grandes corporações e dos bancos oficiais.
Quem ouviu as declarações, em Paris, do futuro Ministro do Meio Ambiente do Brasil tem a impressão de que algo perverso está se conformando em torno da pasta que deve cuidar da sustentabilidade ambiental do país.
As primeiras palavras do futuro ministro são tão corajosas, mas tão corajosas que mais parecem saídas da boca de alguém que está procurando um motivo para ser desconvidado e se sair como bom moço perante a opinião pública sustentável.
O que Carlos Minc disse sobre o convite é locução imponderável, algo que nenhum candidato a ministro diz ao Presidente da República. Minc faz afirmações que o indispõem contra o presidente, os outros ministros e os aliados de Lula. Joga para a platéia.
À primeira vista parece discurso de quem está prestes a fugir do convite, mas não é. Aqui está a grande sacada de Carlos Minc. Ele sabe que o governo Lula está fragilizado com a saída de Marina Silva. Lula perdeu o “selo de qualidade” Marina Silva.
Minc percebeu que suceder Marina Silva é como colocar um mortal playboy para suceder Ártemis. Assim, sua primeira reação foi mostrar valentia contra o agro-negócio na Amazônia, o lugar que ele disse não conhecer.
Então, como uma flecha pensada, ele atacou o governador do Mato Grosso, símbolo do agro-negócio na Amazônia e aliado destacado de Lula na governabilidade do desenvolvimento.
Dessa forma a opinião pública é levada a acreditar que Carlos Minc pode ser mais “valente” do que Marina Silva, inclusive confrontando diretamente os aliados sojeiros de Lula. Pura pirotecnia.
Carlos Minc sabe que Lula, com a saída de Marina Silva, está no canto do ringue ambiental. É até capaz, com sua sagacidade, de aceitar os arroubos de Minc. Depois a “sustentabilidade de Ipanema” senta na cadeira de ministro e diz amém ao agro-negócio, aos licenciamentos e sepultamentos da mata amazônica, seus rios, seus peixes, seus encantos minerais.
Assim, um dia ele grita contra os poderosos aliados de Lula e nos outros dias da semana ele licencia e faz acordos silenciosos contra a vida erma e primitiva na Amazônia. Fará pose de playboy do verde e agirá como cawboy ajudante do boi e da soja.
Então o barulho de suas palavras e o circo dos seus confrontos alimentará a esperança de que o novo Ministro do Meio Ambiente do Brasil não só manterá as conquistas de Marina Silva, mas será vigilante e mais verde do que a companheira de luta de Chico Mendes.
Qual ambientalista não aprecia ver um Ministro do Meio Ambiente confrontando um sojeiro como Blairo Maggi? A experiência me ensinou que, quando um pecador vai substituir um santo, ele precisa demonstrar mais santidade do que o antecessor. Até reza mais.
É aqui que reside a tragédia. O Ministério do Meio Ambiente deve ser um espaço de construção de consensos dentro do governo. Não vencerá no confronto, pois sabemos que as forças do agro-negócio e da expansão agrícola na Amazônia são mais poderosas do que os defensores da sustentabilidade ambiental.
O Congresso Nacional (as duas Casas) é dominado pela visão do desenvolvimento a qualquer custo, somado à parcela da esquerda desenvolvimentista. Quando se faz a equação, a sustentabilidade ambiental é avos e o desenvolvimento em si é número inteiro.
Assim, a luta de Marina Silva era a de construir aliados contra um ponto de vista que é hegemônico nos espaços de poder no Brasil. Marina não confrontava, neutralizava, organizava leis e mecanismos duradouros na direção do desenvolvimento sustentável.
A sua origem e a sua história, reforçada com a imagem de Chico Mendes, freava qualquer apetite mais grotesco dos tubarões do desenvolvimento a qualquer custo. Marina Silva tinha a afeição do movimento ecológico do planeta.
E não custa afirmar também que tinha o apoio dos governantes do primeiro mundo. Não que simpatizassem com as idéias da Ministra Marina Silva, mas porque eram empurrados pela opinião pública de seus países, que construiu um formidável patrimônio em termos de defesa da sustentabilidade ambiental.
Quanto aos desenvolvimentistas do governo, em luta contra os rentistas, procuravam incorporar ao seu ideário econômico a variável ambiental. É que eles sabiam que a humanidade avançara na compreensão de que “os recursos naturais dessa nave são finitos”.
Dessa forma, Marina dialogava, construía pontes, consensuava, ora reagia e prendia aqueles que mereciam prisão. Ela conhecia o terreno, trabalhava com o sentimento do povo e o cálculo da elite, equacionava a vitória, mesmo que fosse parcial, do grande e nobre objetivo de proteger os recursos naturais da terra, especialmente daqui, da formidável Amazônia.
O presidente Lula, na sua sabedoria de operário, percebia os movimentos e, quando necessário, protegia Marina e a sua nobre causa, Mas, o governo foi se alargando, incorporando aliados de todos os tipos, levando o Presidente da República a optar silenciosa e pragmaticamente pelo desenvolvimento clássico, mesmo que essa opção incorpore parcelas que consideram a floresta em pé uma aberração.
Talvez aqui resida o ípsolon da questão. O nosso querido presidente não conseguiu olhar para além das linhas de montagem das grandes fábricas. Sua clássica formação operária, como muitos intelectuais, não permitiu e não percebeu que o Brasil podia e ainda pode ser o gigante da economia sustentável.
Ainda há tempo? Não sabemos. O que sei é que precisamos reforçar as nossas defesas, fortalecer as nossas entidades da luta ambiental e incorporar na pauta da luta popular urbana a urgente e indispensável bandeira ecológica."
quinta-feira, maio 15, 2008
ESPAÇO LÚCIA HELENA OLIVEIRA CUNHA
Todos sabem que as lutas socioambientais de Marina Silva estão inscritas em sua história e na história. Todos também conhecem o seu brilhantismo intelectual, já evidenciado quando assistia às minhas aulas de Sociologia e Antropologia na Universidade Federal do Acre, cursando História. Impressionava-me à época, nos anos de 1980, a capacidade de sua elaboração teórica e de colocação de questões relevantes do ponto de vista do conhecimento e do ponto de vista político. Entre nós havia uma troca de iguais, assim como tem sido até hoje quando também aprendo com Marina a partir de seu pensamento sempre fértil e original e de suas ações criativas e destemidas. Mas é necessário ressaltar, ainda, que em uma época em que a política é rebaixada em sua importância histórica para a construção do novo, banalizada no espetáculo mediático da modernidade, Marina ainda demonstra ter uma visão ampla do significado de saber e fazer política, mesmo sem poder fazê-lo nos termos que ainda são postos retrogadamente na política brasileira marcada pelo servilismo, favoritismo, bajulações – pelo neo-populismo, neo-coronelismo, neo-colonialismo. Querendo sempre fazer política em sentido grande, destes “ismos” a ex-ministra nunca compactuou. Nem das históricas pressões de interesses escusos dos ruralistas, dos madereiros e do agro-negócio. Fiel aos seus princípios éticos e à sua visão de mundo alargada, coerente com suas propostas, optou em se desligar de sua função ministerial. É bom que se diga que, mesmo comprometida com o presente, fazendo a “poética do agora”, seu projeto de futuro é amplo: a construção de um novo projeto societário ou civilizatório que coloque em novos termos as relações entre os homens e a natureza e dos homens entre si, dentro de um novo pacto histórico; de um novo contrato social e natural que contemple a dança da vida – o respeito a todos os seres vivos. Essa é Marina que conheço intimamente; ainda remando contra a maré possui um projeto do presente com desdobramentos para o futuro em que o inédito tenha lugar. Em que as gentes da floresta, do mar, da terra, dos rios possam habitar esse futuro numa “casa comum” planetária, com sua rica diversidade cultural e ambiental.
Esta foto de Chico Mendes ao lado de Carlos Minc foi tirada em outubro de 1987 em um evento organizado pelo professor Carlos Walter Gonçalves e pelo IBGE, no Rio de Janeiro. A palestra foi gravada em vídeo.
Carlos Walter Gonçalves, professor e participante do movimento ecológico do RJ apresentou Chico Mendes, liderança sindical do Acre, que acabara de chegar de Nova York onde fora receber o prêmio da Better World Society. Carlos Minc afirmou que trabalhadores afetados pela poluição industrial ou agrotóxicos lutam pelo meio ambiente como parte da própria sobrevivência como acontece com os seringueiros representados por Chico Mendes. Em sua palestra, Chico Mendes falou da sua história pessoal, nascido e criado na floresta. Falou sobre a história do desbravamento da Amazônia pelos nordestinos que viveram, até 1920, como escravos nos seringais. No Acre, os seringueiros pegaram em armas no confronto entre brasileiros e bolivianos e foram responsáveis pela anexação daquele território ao Brasil. Os seringueiros produziram borracha na Segunda Guerra e contribuíram com a vitória dos aliados. Na década de 70 os seringais foram vendidos e mais de 15 mil posseiros foram expulsos e as castanheiras e seringueiras derrubadas ou destruídas pelo fogo. Em 1975 começou a organização dos seringueiros para evitar a destruição da floresta; primeiro pela defesa da posse e depois pelo empate, mutirão visando impedir o desmatamento. Conseguiram evitar que mais de 1.500 mil hectares de floresta fosse destruído. De 80 em diante os fazendeiros decidiram eliminar os líderes do movimento... Infelizmente o vídeo está interrompido na partir deste ponto.
A foto, o vídeo e vários outros documentos, foram digitalizados pelo projeto "Memória dos Movimentos Socioambientais do Acre" e fazem parte do acervo da Biblioteca da Floresta, do Governo do Estado do Acre.
Aproveito para solicitar àqueles que estavam envolvidos nesse evento que enviem fotos ou outra versão do vídeo para que possamos enriquecer o acervo deste momento.
quarta-feira, maio 14, 2008
MENSAGEM A DILMA ROUSSEF - 2
De: kusum toledo [mailto:kusumtol@gmail.com] Enviada em: quarta-feira, 14 de maio de 2008 15:04Para: casacivil@planalto.gov.brAssunto: parabéns ministra Dilma e presidente Lula pela demissão de marina silva
Prezada Ministra Dilma R. e prezado Presidente Lula da Silva.
Impondo condições inaceitáveis para política ambiental brasileira vcs atingiram uma meta brilhante: afastaram da equipe do primeiro escalão de governo a melhor pessoa e a mais competente política capaz de tratar a biodiversidade brasileira com o cuidado que a natureza exige. Talvez vcs desconheçam a importância dos serviços ambientais VITAIS prestados às sociedades humanas pela natureza e pela biodiversidade, 15 deles em declínio (vejam PS abaixo).
Talvez sonhem muito curto, nada além do próprio umbigo, no máximo alcançando as próximas datas das contendas eleitorais. Talvez não caiba em seus imaginários uma sociedade rica e solidária articulada em respeito à biodiversidade. O Brasil pode ser um país 'referência planetária' nos processos de desenvolvimento com respeito à natureza, coalhado de políticas efetivas de proteção à biodiversidade, rico em casos bem sucedidos de comunidades que prosperam com a prática de novos padrões e conceitos de progresso. E ainda será, apesar de vocês e dos demais líderes que adoram caminhos já trilhados, adoram palmas flashes e apitos, adoram seguir 'seguras' pegadas deixadas pelo passado, desde que elas levem aos lucros fáceis fartos imediatos independente dos custos ambientais que representem. Parabéns.
Grata pela atenção
Kusum Verônica Toledo
Título de eleitor número 001852790655
PS.O relatório Avaliação Ecossistêmica do Milênio/AEM, documento da ONU publicado em 2005[1] revelou que dos 24 serviços ambientais vitais oferecidos pelos ecossistemas, 15 estão em declínio. Mantida esta tendência, os mecanismos que dão sustentação à vida reduzirão perigosamente, por exemplo, sua capacidade de fornecer água limpa, manter os padrões de estabilidade do clima e seguir com os benefícios recebidos dos oceanos – ciclagem de nutrientes e produção de oxigênio, dentre outros. O próprio patrimônio cultural – outra referência fundadora da ação humana - é uma conquista construída e acumulada na história das relações das sociedades humanas com o mundo natural. O patrimônio natural é o conjunto maior onde tudo o mais interage, se cria e evolui: nossas sociedades humanas e nossas tecnologias. Nossos sonhos, desejos, viagens e aventuras. Nossas cidades e nossas crianças. Conservar o patrimônio natural da Terra vem a ser, portanto, a principal ação para a manutenção e o desenvolvimento das sociedades humanas. A compreensão dos processos degenerativos e ameaçadores, que a qualidade da vida sofre por efeito dos padrões de desenvolvimento adotados ao longo da história, está a determinar uma nova percepção sobre a questão ambiental em que a conservação da natureza[2] desperta cada vez mais o interesse e mobiliza sociedade civil, empresas e segmentos governamentais, assumindo a posição central, estratégica, na viabilização de processos de desenvolvimento mais solidários com os que aqui estão e com aqueles que ainda vão nascer.
[1]A Avaliação Ecossistêmica do Milênio/AEM foi elaborada por um grupo de 1360 cientistas de 95 países e revista por um conselho formado por 80 integrantes. Estes recolheram comentários críticos de 850 especialistas e representantes de governos. Sua elaboração foi baseada nas quatro convenções da ONU relativas ao ambiente: Clima, Biodiversidade, Desertificação e Áreas Úmidas.
[2] - conservação da natureza, conservação da biodiversidade são expressões de significados equivalentes.
MENSAGEM A DILMA ROUSSEF
De: floriani@ufpr.br
Data: Qua, Maio 14, 2008 2:14 pm
Para: casacivil@planalto.gov.br
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Prezada Ministra Dilma Roussef
Na condição de cidadão brasileiro,professor universitário e filiado ao PT do Paraná, venho manifestar minha inquietação diante da demissão da historiadora, militante ecologista e defensora da questão sócio-ambiental da Amazônia, agora ex-Ministra Marina Silva.
Esta inquietação deriva da visão cada vez mais hegemônica no Governo Lula da dicotomia entre crescimento econômico (e uma vez mais confundido com a idéia simplificada de desenvolvimento) e sustentabilidade sócio-ambiental. A imagem do Brasil sofrerá profundo desgaste interno e principalmente internacional diante do enfraquecimento na defesa da questão ambiental, tão bem simbolizada na pessoa emblemática de Marina Silva.
É com pesar que constatamos, uma vez mais, a exemplo do que acontecia nos anos 70, com o governo militar, a confusão entre desenvolvimento e crescimento econômico, quando o mundo caminha na direção contrária. Faço votos ministra, que na sua condição também de mulher excepcional, defensora dos direitos humanos e exemplar na condução dos assuntos públicos em nosso país, possa contribuir para o retorno necessário à uma visão mais compatível com os desafios da modernidade, especialmente olhando para o Brasil e a Amazônia, onde podem e devem estar incluídos os seres humanos (com suas necessidades materiais e políticas, em termos de justiça e eqüidade social, como aliás o Governo Lula vem praticando), as exigências econômicas (de competitividade internacional e crescimento, aqui sim situando-se o nó do desequilíbrio, pois o mercado pode sofrer sim uma regulação,nesta matéria, limitando as práticas irracionais de conquista de todas as fronteiras produtivas internas do país e ameaçando
os povos autóctones, guardiães do equilíbrio dos grandes ecossistemas ameaçados do país, sob o signo do crescimento econômico).
Em nome do cuidado em alargarmos o presente, para as atuais e próximas gerações que nos sucederão, reafirmo a necessidade de restabelecermos o papel da razão, conjuntamente com os sentimentos que nos tornam humanos e solidários com todos os habitantes da Terra, e em comunhão com a Grande Mãe que nos abriga, a Natureza.
Prof. Dimas Floriani - RG 737.872-6 Pr
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Casa Latino-Americana de Curitiba
A SAÍDA DA MARINA E OS IMPASSES DO MEIO AMBIENTE
Também não acho coerentes as manifestações - tardias - de apoio incondicional à atuação dela no ministério, que todos se apressam a expressar. Se esse apoio fosse assim tão forte ela teria tido melhores condições de enfrentar as oposições vividas pela política ambiental que defendia e executou.
Toda saída de um cargo, no executivo, por vontade própria ou por demissão, é resultado de muitas críticas externas, falta de poder para enfrentá-las e, na maioria das vezes, falta de percepção - antecipada - dos desgastes que se acumulam e levam à única opção que é essa, a saída. Pouco adianta lamentar a perda do meio ambiente com a saída da Marina - até porque ela volta para o Senado e, na minha opinião, sempre foi melhor senadora que ministra. Vale a pena tentar fazer um balanço dos equívocos e acertos da gestão Marina Silva-João Paulo Capobianco porque é desta análise que vamos conseguir tirar as lições necessárias para o futuro.
Acertos
Foram muitos.
Nunca antes na história desse país tantas unidades de conservação foram criadas, em áreas críticas e sob pressão. Antes eram exatamente estas as áreas evitadas e postergadas.
A questão ambiental pode não ter entrado na agenda econômica do governo mas foi internalizada pela sociedade e pelos meios de comunicação.
O enfrentamento da oposição ao meio ambiente foi feito com coerência, nível e tranquilidade, sem caricaturas nem falsos acordos.
A preocupação em não liderar as iniciativas ambientais ou de desenvolvimento sustentável para que as outra esferas de governo assumissem suas responsabilidades foi uma constante e exerceu papel educativo para o governo e a sociedade.
A manutenção de uma postura coerente e clara, por parte da ministra, em qualquer situação de pressão, deu à questão ambiental outra estatura no debate político no país.
A formação de uma nova geração de analistas ambientais, que ingressaram no MMA e no Ibama por concurso, vai trazer grandes benefícios ao meio ambiente nos próximos anos.
Erros
Também foram muitos.
Partidarização do ministério - os cargos, em todos os níveis, foram distribuídos a filiados ou simpatizantes do PT, nem sempre conciliando competência com militância. A falta de uma equipe técnica e a desvalorização da experiência instalada no ministério e no Ibama prejudicaram a gestão.
A centralização do poder em poucos - delegou a presidência do Ibama a alguém de sua confiança pessoal e não a alguém com experiência na gestão ambiental como fizeram quase todos os ministros do passado; permitiu a concentração de poder do Capobianco que, ao mesmo tempo, era o secretário-executivo e o presidente do Instituto Chico Mendes.
A falta de apoio às comunidades e às reservas extrativistas. Delegou a coordenação da política extrativista a pessoas que nunca se envolveram com questão e/ou com o movimento social que originou essa proposta, ou que não têm a menor compreensão técnica do tema.
A agenda para a Amazônia foi intensiva em fiscalização e pouco voltada para o incentivo à sustentabilidade. O fechamento da Secretaria de Coordenação da Amazônia - que realizava investimentos em desenvolvimento sustentável de forma descentralizada e em parceria com governos estaduais, comunidades locais, organizações não governamentais e setor privado - e o pressuposto de que todos os agentes econômicos da região são contraventores, inviabilizaram a construção de uma agenda voltada para a alternativas econômicas sustentáveis.
A falta de alternativas de proteção ao meio ambiente e geração de emprego e renda - como projetos de reflorestamento, saneamento, consumo sustentável - em um governo marcado pela preocupação com a inserção social, prejudicou alianças dentro do próprio PT.
Muitos outros pontos podem ser elencados, nessa análise. Mas a síntese que me parece mais adequada para entender esse momento aponta para dois pontos: a base política de apoio e os impasses do crescimento econômico.
O PT e o Meio Ambiente
Havia um pensamento, no início do governo, de que a Marina representava o pensamento que o PT tinha do meio ambiente. A verdade é que ela era uma voz isolada no partido, que defende o desenvolvimentismo e é um partido atrasado, sem cultura sobre as questões ambientais e que não consegue entender o significado da Amazônia para o nosso futuro e o símbolo que a Amazônia representa, do que somos, para o mundo.
Marina, que é uma pessoa partidária e fiel ao presidente Lula, alimentou a ilusão de que seria possível conciliar o governo Lula com o meio ambiente. Com esta postura anestesiou a sociedade civil, que não criticou o governo abertamente nem fez oposição. Mas essa mesma sociedade civil também não ajudou Marina a resolver os impasses que surgiram durante sua gestão. Nem a Frente Parlamentar Ambientalista cerrou fileiras com o Ministério.
Em sua carta, Marina diz que "é necessária a reconstrução da sustentação política para a agenda ambiental" e que entende que pode continuar contribuindo com o governo "buscando apoio político... para a consolidação de tudo o que conseguimos construir e para a continuidade da implementação política ambiental". Entendo que a falta de sustentação política para a agenda ambiental, a que a ex-ministra se refere, não é só partidária, é também da sociedade civil e essa é a grande questão a ser debatida.
O novo momento econômico e o meio ambiente
O país vive um momento econômico muito bom e isso é importante para todos, na minha opinião. O pressuposto é que, em um momento como esse, o meio ambiente será, de forma estrutural, um campo de conflitos e de tensão. Mas não é só necessário que a agenda econômica se abra à questão ambiental. Também é preciso que os órgãos ambientais se posicionem nesse campo e apresentem soluções práticas, viáveis, a partir do claro entendimento dos conflitos em jogo.
Continuar apostando em uma política fiscalizatória e acusatória para conter o desmatamento da Amazônia é um grande equívoco. Isso não significa minimizar a responsabilidade do poder público face aos transgressores. Significa que uma solução precisa ser buscada na região, com todas as forças políticas e técnicas, com negociação e com consenso, de forma clara e com pressão da sociedade civil e da opinião pública. Sem messianismos salvadores nem personalismos arrogantes. Simples assim.
O meio ambiente precisa ser capaz de conviver com o desenvolvimento, e o desenvolvimento com o meio ambiente, ambos precisam ceder e encontrar um campo comum. E vai ganhar quem conseguir decifrar essa charada.
Concluindo
O que mais me deixa intrigada, nessa análise da gestão e saída da Marina do governo, é o comportamento das ONGs e da sociedade civil: dependentes dos recursos públicos, não criticam; vendo a ministra como aliada histórica e mito intocável, não questionam; acompanhando de perto os impasses vividos pelo ministério, não se posicionam. O apoio explícito e incondicional que todos deram depois que ela saiu, soou falso. Preferia que tivessem criticado os erros, apoiado os acertos e torcido pelo êxito de sua gestão, durante a gestão, se realmente acreditavam no que disseram hoje.