A queda do desmatamento na Amazônia, por três anos seguidos, em uma conjuntura de mudanças climáticas e pressão internacional, é um fato tão positivo que parece ter ofuscado a capacidade de análise dos gestores do meio ambiente. Difícil entender a surpresa do Ministério do Meio Ambiente – e as soluções convencionais apresentadas – diante da retomada do crescimento do desmatamento, fato previsto por pesquisadores para acontecer assim que os preços das commodities voltassem a subir. É difícil imaginar que alguém tenha acreditado que, sem mudar a estrutura econômica e fundiária da Amazônia, e apenas como resultado da intensificação da fiscalização, teria sido possível alterar o comportamento do desmatamento. Seria a comprovação de que a economia da Amazônia é movida exclusivamente por forças ilegais e que o governo é eficiente, o que não é verdade.
Tanto a surpresa quanto as medidas, acredito, revelam o fim de um ciclo da política do governo Lula para a Amazônia. A ministra do Meio Ambiente iniciou sua gestão propondo a divisão de responsabilidades pela sustentabilidade das políticas ambientais, especialmente para a Amazônia, com todo o governo. Deu a isso o nome de transversalidade. Cuidar da Amazônia não poderia ser uma função exclusiva de sua área na medida em que os problemas centrais – ausência do Estado, desordem fundiária, violência, estímulo a atividades econômicas predatórias – são de responsabilidade de outras instâncias do governo.
Ao final de cinco anos, as políticas para a Amazônia continuam muito parecidas com as do passado: o governo não internalizou a sustentabilidade e o meio ambiente responsabiliza as políticas econômicas pela volta do desmatamento. Mais que isso, houve um reducionismo e as propostas do Ministério do Meio Ambiente ficaram restritas à área na qual tem tradição e que lhe é exclusiva – vigiar e punir. Todo o apoio à ministra neste papel, que é essencial. Mas não se pode reduzir a questão amazônica a isso.
Afinal, o que precisa mudar na política do governo Lula para a Amazônia?
Em primeiro plano, está a questão institucional. Quando cientistas, organizações não governamentais, políticos, apresentam estudos e soluções de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, quem, no governo, tem os meios para tornar estas propostas realidade? Ninguém. Todos os instrumentos de política pública (crédito, subsídio, pesquisa, preço) estão voltados para o desenvolvimento convencional, que só prospera às custas da floresta. Cada órgão do governo federal tem uma agenda própria para a Amazônia; cada governo estadual age de acordo com interesses locais. Não existe uma única instituição com mandato, recursos, poder, competência, para coordenar a execução uma política coerente de desenvolvimento para a região.
Outro ponto é descompasso entre vigilância e ação. Os instrumentos disponíveis hoje para monitorar o que acontece na superfície da Amazônia são incomparavelmente mais eficientes do que o aparato destinado a fazer a lei ser cumprida. Ao mesmo tempo em que se criou o Sistema Deter, teria sido necessário organizar estruturas descentralizadas eficientes, ágeis e bem equipadas, prontas para entrar em ação. Afinal, o incremento da vigilância sem resultados efetivos na punição aos degradadores é como um tiro no pé, pois a maior transparência no monitoramento do desmatamento vai gerar apenas mais cobrança por parte da sociedade.
Porém, o aspecto mais importante é a ausência de políticas de desenvolvimento sustentável. O PAS – Programa Amazônia Sustentável, lançado por Lula em Xapuri, no começo do seu governo e que deveria ser o eixo dos investimentos, não saiu do papel. O PPG7, a maior alocação de recursos para a sustentabilidade que já existiu na Amazônia, está chegando ao fim sem nada para ficar em seu lugar. O único programa em curso – a concessão de áreas para exploração florestal – tem um impacto muito reduzido face às forças que estimulam a devastação.
Soma-se ao alcance limitado das políticas, o papel pouco crítico da sociedade civil, principalmente das ONGs, diante da política do governo para a Amazônia. Ou porque dependem de recursos públicos, ou porque não são consultadas, ou porque não querem brigar com pessoas do próprio partido, ou porque, sinceramente, acreditam na determinação e boa vontade da ministra Marina Silva, o fato é que não existe independência na análise da política ambiental. E o "efeito Marina Silva" – de amortecer os erros da política do governo Lula para a Amazônia – pode trazer mais prejuízos do que benefícios para a região no longo prazo.
Mas crise pode significar oportunidade. Retomar as políticas estratégicas é oportuno, especialmente em um momento de grande atenção da mídia e da sociedade.
Primeiro, é preciso "fechar a fronteira". Enquanto existirem terras livres para serem exploradas sem ser necessário se submeter às leis do país, não haverá quem consiga colocar ordem no desenvolvimento da Amazônia, muito menos de forma a torná-la sustentável. Para fechar a fronteira existem dois instrumentos: um, é o zoneamento, que disciplina a destinação de territórios e recursos em nível regional; o outro, é o licenciamento ambiental georeferenciado, que atua em nível de propriedade.
Um macro zoneamento transformado em lei e acompanhado de instrumentos econômicos adequados, poderá conciliar agricultura, pecuária, manejo florestal, reafirmar o papel das unidades de conservação, regular a exploração mineral, assegurar a produção familiar. O sistema georreferenciado de licenciamento ambiental, que utiliza imagem de satélite na escala da propriedade rural, é eficiente e impessoal na aplicação do Código Florestal.
Tendo a fronteira sob controle e regras claras de uso e exploração dos territórios e recursos, o governo deveria convocar todos os setores econômicos, políticos e sociais, para um grande pacto pelo desenvolvimento, inclusão social e sustentabilidade da Amazônia – proposta apresentada recentemente pelas ONGS.
Não se pode reduzir a Amazônia à questão do desmatamento. Ao largo deste debate há uma sociedade que produz inovação e organiza alternativas de renda com as riquezas da floresta; bancos multilaterais buscam oportunidades de investir em projetos certificados; forum de empresários e movimentos sociais se mobilizam por novas políticas; negócios sustentáveis se multiplicam por meio de parcerias entre comunidades locais e empresas – iniciativas que precisam superar um enorme déficit educacional e social que cabe ao governo enfrentar.
Não é preciso mais pesquisa nem soluções mirabolantes. A chave para a Amazônia está em executar – fazer acontecer - as soluções disponíveis na escala adequada. Para isso, existe um fator decisivo: o governo precisa criar uma instância supra-ministerial para coordenar a política de desenvolvimento sustentável da Amazônia, tendo todas as esferas operacionais a ela subordinadas, com recursos e poder político, apoiada em um conselho representativo e respeitado.
O fim de um ciclo de políticas para a Amazônia é hoje marcado pelo imperativo climático. Em um cenário de crescente valorização dos ativos florestais e expectativas mundiais em relação ao que faremos com nosso cobiçado capital natural, uma medida ousada poderá marcar a história de um país.
3 comentários:
oi Mary. acompanho seu blog assiduamente. queria saber a sua opinião a respeito do Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Desmatamento Zero, lançado pela soc civil organizada, em fins do ano passado.
Olá Natalie
Estou devendo um post sobre essa proposta - vou preparar e expressar minha opinião.
Obrigada por perguntar e por ler o blog.
Olá...
ando observando Seu blog
e tenho uma dúvida á respeito das Ongs. gostaria q vC postasse ai o real papel das Ongs na amazônia e quais as consequencias para o Brasil? obrigadaa!
Postar um comentário