segunda-feira, agosto 21, 2006

A CULTURA DA FLORESTA

Como ser amazônida: a cultura da floresta

Por Lúcio Flávio Pinto *
21 de agosto de 2006

Adital - Adilson Freitas Dias reagiu ao meu artigo "Eu sou amazônida. E você?", publicado na edição anterior do Jornal Pessoal de Lúcio Flávio Pinto, com a seguinte mensagem:Você toca em uma questão que há muito me faço sem obter uma resposta que me convença. Perdoe-me pela ignorância da minha pergunta, mas qual seria uma via de desenvolvimento para a Amazônia, considerando a lógica capitalista hoje posta, sem por em risco nossa rica biodiversidade? Como seria a "cultura da floresta"? Ela daria conta de atender aos anseios dos amazônidas?

Sou economista e freqüentemente me faço essa provocação, sinto-me meio que obrigado a saber a resposta, sobretudo depois que conheci Santarém, onde passei vinte dias pesquisando o Arranjo Produtivo Local de grãos. Visitei vários segmentos do setor (produtores, sindicatos e ONGs e etc.), e por fim participei de um seminário na FIT (Faculdades Integradas do Tapajós) em que o tema principal era a soja. Além da visível divisão entre os que são favoráveis e contrários à cultura da soja, o que vi foi a crença de um povo que de fato acredita que a soja é o "ouro verde" capaz de promover o tão esperado desenvolvimento.

Isso ficou evidente durante o referido seminário, em que não faltaram discursos, até com um certo rancor contra os "urbanóides" (como denominava o Prof. Aluísio Leal aos moradores da capital), creditando aos sucessivos governos estaduais o descaso com a região do Baixo Amazonas. Neste dia só ficou faltando mesmo a execução do hino do Estado do Tapajós. Por outro lado, nas conversas com pessoas ligadas aos setores contrários à soja, percebi que as argumentações não conseguem avançar além das questões ligadas ao meio ambiente.

Devo salientar que não tenho opinião formada sobre o assunto, não por covardia, mas por ser incompetente mesmo para arriscar um palpite. Angustia-me não perceber entre os contrários a apresentação de uma alternativa viável e detalhada de desenvolvimento que poderia substituir esse novo ciclo econômico da região. Falo de uma proposta que possa levar a cada caboclo da região as benesses do sistema, que gostemos ou não, é o que vige. Não me refiro a idéias que visam manter, o ribeirinho, o pequeno agricultor, o caboclo, ou quem quer que seja, em culturas de subsistência, que subsistem inclusive a miséria.

Não sei se estou falando bobagens, mas na avaliação que faço, apontar os erros dos caminhos por nós escolhidos e/ou impostos à Amazônia, é relativamente fácil, pois os resultados já estão aí. O desafio é antevê-los e propor alternativas, e, a meu ver, são poucos os que têm essa capacidade. Como já lhe escrevi certa vez, sou um leitor e admirador de seus trabalhos e percebo em você essa capacidade e por isso, gostaria de compartilhar essa provocação. Sendo bem pontual: como seria a "cultura da floresta" para a região de Santarém? Como dizer àquele povo, que você conhece tão bem, não só por ser santareno, mas por ser um dos maiores conhecedores da Amazônia, que esse novo ciclo de crescimento econômico que vive a região não se traduzirá em desenvolvimento no longo prazo, sem lhes apresentar nada em troca?

Também por e-mail, enviei a seguinte resposta a Adilson:

A "cultura da floresta" é um projeto. Não se tornou realidade em nenhum lugar do mundo em nenhum momento. Somos homo agricolas. Mas a Finlândia vive de sua floresta. É um uso monovalente, mas intenso. Logo, a "cultura da floresta" é uma utopia. Mas o conhecimento atual já nos permite ter certeza de que destruí-la é uma estupidez. Onde existe a floresta tropical densa, o melhor investimento é mantê-la. O que não significa imobilizá-la.

Já escrevi defendendo um "modo científico" de ocupação. A partir de um esboço de zoneamento econômico-ecológico, em escala operacional e com informações confiáveis, o poder público executaria sobre esse desenho projetos de conhecimento. Turmas de graduação e pós-graduação em engenharia florestal, por exemplo, iriam ser mandadas para campi no mato, nas áreas de floresta nacional, para estudar e fazer. Acabariam com a melancólica dicotomia de que "quem sabe, faz; quem não sabe, ensina". Receberiam recursos (verba, base de apoio, equipamentos, supervisores, orientadores) para comandar projetos de manejo florestal, de uso inteligente de informações genéticas, etc., aplicando todo conhecimento disponível nessas empreitadas. Mas conectados aos centros de vanguarda em cada uma dessas especialidades no mundo, que também poderiam participar dos projetos em regime de convênio ou acordo de cooperação.

Os moradores locais seriam integrados a esses projetos, seja os dos graduandos e pós-graduandos, seja nos projetos que esses próprios moradores formularem. Outros seriam consultores remunerados. Outros ainda mão-de-obra qualificada em função de seu saber específico.

Utopia? Sim, mas exeqüível, desde que haja disposição para isso. Primeiro lugar em dinheiro, para valer. Em gente. Em equipamentos. E numa nova visão da Amazônia. A tarefa seria produzir informação operativa, de intervenção, de participação. Cada módulo do zoneamento receberia informação para se orientar e devolveria nova informação para reformular o conhecimento existente. Esse processo atrairia investimentos externos a esses projetos, mas ajustados a eles. O zoneamento não seria uma brincadeira digital ou uma enganação, mas uma ferramenta de ação.

Infelizmente não vou poder aprofundar agora, embora já tenha tratado bastante do tema no JP. Infelizmente, tenho que participar da preparação de uma peça para me defender amanhã em um dos muitos incidentes nos 15 processos judiciais a que respondo. Misérias de dizer a verdade na Amazônia. Ou pelo menos buscá-la. Mas, beirando os 60 anos, há quatro décadas andando pela Amazônia e tentando entendê-la, digo-lhe que essa onda de soja dentro da floresta é insensatez. Os santarenos, se refletirem, verão que já surfaram nessa onda e deram numa praia dura, quando acreditaram no ouro, na juta, no gado, no arroz, etc. Nosso futuro melhor depende de mantermos a árvore em pé, gregária, produtiva, em sinergia, estudando-a com o máximo de recursos e prioridades, e colocando esse saber para funcionar. Obrigado por seu interesse. Voltaremos a conversar.

Por feliz coincidência, na mesma época saiu, na revista Ciência e Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), um artigo (A Floresta Amazônica e o futuro do Brasil), no qual Charles Clement, e Niro Higuchi, pesquisadores do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), de Manaus, tratam exatamente da questão provocada pelo leitor. A parte final desse artigo, que aqui reproduzo, com algumas simplificações para o leitor de jornal, é uma proposta concreta de aproveitamento racional da floresta amazônica em benefício de todos. Merece ser incorporada às reflexões dos verdadeiros amazônidas.

A visão que apresentamos neste artigo é de uma Amazônia desenvolvida com base na floresta, com indústrias madeireiras usando tecnologia de ponta para produzir produtos acabados para o mercado internacional e nacional e usando madeira oriunda de florestas manejadas, enriquecidas e certificadas. Quanta floresta será necessária? As estimativas de área e volume apresentadas na FRA 2005 incluem florestas primárias densas, manejadas, capoeiras e cerrados. Propomos uma área de floresta amazônica igual a 250 milhões de hectares, com uma média de 250 m3/ha (10% comercial), como razoável e conservador.

Com este pressuposto, o estoque atual de madeira comercial na Amazônia é de 6,25 bilhões de m3, que daria para atender os mercados de madeira tropical (internacional = 52 milhões m3/ano e nacional = 20 milhões m3) durante 87 anos, movimentando US$ 22 bilhões por ano. Isso é tempo suficiente para desenvolver um modelo econômico baseado na floresta - se usarmos o tempo apropriadamente - e o desenvolvimento pagará sua própria conta após uma década.

Para começar, num espaço de 10 anos, teremos que inverter a relação aproveitamento e desperdício, passando de 30% versus 70% para 70% versus 30% e, principalmente, colocar no mercado não apenas 10 m3/ha e sim 50 m3/ha de madeira em tora. Isso pode ser conseguido usando os estudos de tecnologia de madeira já realizados pelos laboratórios da antiga Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, em Santarém, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus, da Fundação Tecnológica do Acre, em Rio Branco, do Ibama, em Brasília, e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, em São Paulo.

Depois de resgatar essas informações sobre espécies menos conhecidas no mercado, mas abundantes na floresta amazônica, o passo seguinte é introduzi-las no mercado, o que seria mais fácil no futuro porque o Brasil seria o principal fornecedor.

Essa visão oferece a possibilidade de gerar riqueza suficiente para pagar salários justos e gerar dividendos nas bolsas de valores, bem como garantir o ciclo hidrológico e, conseqüentemente, a chuva no Sudeste do Brasil. No entanto, essa visão somente pode ser alcançada se todos os ministérios do governo federal, todos os estados da Amazônia e todos os estados do Sudeste trabalharem juntos porque a floresta já está bastante fragmentada. A seguir, listamos algumas das mudanças nas políticas públicas que acreditamos necessárias em nível federal, as quais, logicamente, necessitam ter reflexo no âmbito estadual.

Moratória ao desmatamento. O MMA [Ministério do Meio Ambiente] expandirá a moratória com o apoio da Presidência da República, do Ministério de Justiça (Polícia Federal), do Ministério da Fazenda (Receita Federal, Polícia Rodoviária Federal), e do Ministério de Defesa (Serviço de Proteção da Amazônia - Sipam). Somente a madeira certificada estará isenta da moratória, o que funcionará como estímulo para que as empresas do setor busquem a certificação. Esta ação é essencial para permitir que outras ações tenham o tempo necessário para serem viabilizadas.

Zoneamento econômico-ecológico da Amazônia Legal. Os Ministérios de Integração Regional, Agricultura, Pecuária e Abastecimento e MMA combinarão para convencer os Estados a expandir a área destinada a floresta em todas as áreas originalmente florestadas. De preferência, todas essas áreas deverão ser garantidas, pois o alvo é 250 milhões de hectares. Adicionalmente, ecossistemas especialmente críticos para a conservação da biodiversidade amazônica serão identificados para serem transformados em unidades de conservação.

O objetivo é criar um mosaico com pelo menos 35% em unidades de conservação (existem 32% em áreas protegidas hoje, algumas das quais são florestas nacionais), 50% em florestas manejadas privadas, e o resto em agricultura e pecuária intensiva. Esse mosaico deverá manter 80-85% da floresta, superando o mínimo de 70% necessário para manter o ciclo hidrológico.

Regularização fundiária. O Ministério da Justiça assumirá a supervisão minuciosa dos cartórios da Amazônia Legal para evitar grilagem de terras públicas e proteção aos direitos de propriedade na região, tanto para particulares, como para as florestas de produção, as unidades de conservação, as terras indígenas e as outras terras públicas. Titulação regular será essencial para garantir empréstimos bancários e de agências de fomento, e certificação. Todos os ministérios precisam apoiar as garantias de propriedade após a regularização, pois florestas precisam ser consideradas terras produtivas e não podem ser invadidas como aconteceu no Rio Grande de Sul em fevereiro de 2006.

Investimentos na indústria florestal. Os Ministérios de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Suframa), da Integração Regional (Sudam), da Fazenda (BNDES, BASA) direcionarão seus investimentos na Amazônia para a atividade florestal, eliminando investimentos no agronegócio (que poderá captar financiamento na rede bancária privada); deverão manter os investimentos na pesca e aqüicultura (fonte de proteína para a maioria da população amazônida).

Os investimentos se concentrarão na atualização tecnológica de empresas existentes, na viabilização de novos empreendimentos com tecnologias avançadas (especialmente a abertura de filiais de empresas do setor florestal com tecnologias modernas e fábricas atualmente localizadas fora da Amazônia), na criação de arranjos produtivos locais (como o pólo moveleiro que a Suframa está criando no Amazonas), e no adensamento da cadeia produtiva florestal em geral.

Tecnologias de ponta. A incorporação de tecnologias de ponta na indústria florestal é essencial para o sucesso dessa visão, pois os europeus, japoneses e norte-americanos pagarão bem para produtos bem feitos com madeira nobre, e até os chineses pagarão bem para produtos bem feitos com madeira nobre ou comum. Um exemplo a ser seguido é da empresa Ikea, a maior varejista do setor florestal nos países desenvolvidos. A Ikea comercializa móveis e outros produtos feitos de madeira certificada, com cada móvel numa caixa pequena preparado para ser montado em casa.

Produzir móveis montáveis como esses requer alta tecnologia e qualificação da mão-de-obra - e logicamente a mão-de-obra precisa ser bem paga. Tecnologias de ponta também reduzirão o desperdício de madeira, aumentando a eficiência das fábricas, reduzindo a geração de dejetos, e melhorando a razão custo/benefício da operação. Tecnologias de ponta incluem equipamentos, técnicas e desenho industrial e comercial. A Fundação Centro de Análises, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi, Suframa) em Manaus oferece orientação e capacitação na identificação e desenvolvimento dessas tecnologias.

Investimentos em produção florestal. Seguir rigorosamente o que consta na legislação florestal é o primeiro passo em direção a sustentabilidade do manejo florestal. Os sistemas clássicos de silvicultura tropical (malaio uniforme - desenvolvido em Malásia na época colonial -, bosque abrigado e seletivo), utilizados em manejo de florestas tropicais do mundo todo, não produziram os resultados esperados. Na Amazônia, o sistema mais usado é o seletivo.

Propomos um modelo misto, utilizando o sistema seletivo com faixas de enriquecimento com espécies valiosas e conhecidas do ponto de vista silvicultural, como cedrorana e castanha do Brasil. Dessa forma, será possível aumentar o volume comercial por unidade de área no primeiro ciclo de corte. Do ponto de vista florestal e econômico, os ciclos subseqüentes serão mais seguros por conta da disponibilidade de mais espécies comerciais introduzidas no primeiro ciclo.

Certificação. Existem diversos tipos de certificação que poderiam ser úteis nessa perspectiva, especialmente a certificação de produção sustentável e a de qualidade (ISO). Para que essa visão gere benefícios na Amazônia, componentes sociais e laborais precisam ser incluídos como partes fundamentais dos processos de certificação, para que o Brasil e a Amazônia possam desenvolver-se no sentido mais completo da palavra. Uma outra vantagem da certificação é que ela exige fiscalização contínua e independente, o que, teoricamente, reduz as oportunidades para o tipo de corrupção que tem encharcado os projetos de manejo florestal na Amazônia.

Pesquisa e desenvolvimento. Muitas das tecnologias e práticas necessárias para implementar essa visão já existem, mas outras precisarão ser geradas nas instituições de ensino e pesquisa na Amazônia e no Brasil. Os ministérios de Ciência e Tecnologia, da Agricultura e da Educação possuem mecanismos para incentivar P&D na Amazônia. As Embrapas da Amazônia, o Inpa e as universidades federais e estaduais incrementarão suas pesquisas florestais para recuperar áreas degradadas por meio de projetos de silvicultura, bem como incrementarão suas pesquisas em enriquecimento de florestas em pé. Novas tecnologias de processamento e novos desenhos de produtos e processos serão de fundamental importância para garantir qualidade e atrair compradores nos países desenvolvidos.

Educação. A educação sobre a Amazônia é deficiente no país e na própria região, particularmente em assuntos que ensinam a história, as tradições, os estilos de vida, os alimentos dos amazônidas, quase ao ponto de fazer crer que esses brasileiros não existem. A educação ambiental é igualmente pobre. Se a Amazônia espera se desenvolver com base na floresta, como na visão que aqui se apresenta, o MEC e as secretarias estaduais de Educação precisam revisar as grades curriculares de primeiro grau à universidade para refletir a nova base da economia regional - atualmente a agricultura convencional é considerada a base da economia brasileira e permeia as grades curriculares.

A visão apresentada é factível e contribuirá para o desenvolvimento da Amazônia com a floresta em pé, embora gradualmente a floresta deva ser transformada em termos de sua densidade econômica, mas mantendo a maior parte de sua biodiversidade. É a única proposta que tem as escalas geográfica e econômica necessárias para enfrentar o agronegócio, hoje em franca expansão. Deixará espaço abundante para as outras idéias sobre o uso da biodiversidade e das florestas, como a bioprospecção, os projetos de manejo comunitário e a estocagem de carbono para atender os compromissos brasileiros frente ao Protocolo de Kyoto.

A visão contribuirá para garantir o ciclo hidrológico que abastece a região agrícola do Sudeste do Brasil, bem como os principais centros urbanos do país. A principal questão é a vontade política em fazer as mudanças necessárias de forma completa e rápida. Sabemos que essa vontade não virá de um só ministério - terá de vir da próxima geração de Getúlios e Juscelinos, apoiada em todos as agências dos governos federal e estaduais.

* Jornalista

COMENTÁRIOS - PL SERVIÇOS AMBIENTAIS

Comentários ao Projeto de Lei sobre o Sistema de Pagamentos por Serviços Ambientais do Governo do Acre

Mary Allegretti

1. Sobre a conceituação de famílias e comunidades locais: a Convenção sobre Diversidade Biológica estreou esse conceito de comunidade local e todas as leis procuram seguir o mesmo caminho. Na verdade, é um conceito que não contribui para qualificar o que se quer valorizar, que é o modo tradicional de produzir e o fato desta forma de viver contribuir para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e de outros serviços ambientais semelhantes. Acho mais adequado qualificar estas famílias e comunidades como tradicionais e não locais, que é um qualificativo que não expressa o papel desempenhado por elas na convervação da biodiversidade.

2. Projetos e serviços. O art 2º afirma que "o Sistema de Pagamento por Serviços Ambientais - PSA visa cobrar pelos serviços ambientais e financiar projetos que promovam a manutenção e recuperação dos serviços ambientais".

Acho que seria mais adequado afirmar que o sistema visa remunerar a prestação de serviços ambientais por aqueles que promovem a manutenção e recuperação dos serviços ambientais. Esta remuneração poderá ser feita por intermédio de projetos desenvolvidos com este fim.

Em tese PSA não deveria implicar obrigatoriamente em projetos uma vez que são serviços, prestados em determinadas condições e não prestados em outras. É o serviço que está sendo remunerado e quem presta esse serviço deveria se qualificar para tal e ser remunerado por ele, independentemente de preparar um projeto.

É o caso, por exemplo, de Terras Indígenas e Unidades de Conservação de Uso Sustentável. Em ambos, as comunidades e famílias que ali vivem prestam esse serviço e o que se deveria exigir é um contrato no qual se comprometem a continuar mantendo a área na qual vivem de acordo com regras de sustentabilidade e, em troca, receberem pelo serviço ambiental prestado. Deveria ser um caso específico previsto pelo PL.

Em outros casos, quando o que estará sendo protegido depende de um investimento específico, a remuneração seria por intermédio da apresentação de um projeto.

O que quero reafirmar é que, comunidades indígenas e tradicionais fazem juz ao pagamento por serviços ambientais pelo fato de serem indígenas e tradicionais e, como tal, provedores destes serviços, e não pelo fato de terem seus projetos aprovados.

3. Requisitos para aprovação e execução de projetos de PSA: são todos concebidos segundo a lógica do projeto e não do serviço, ou seja, acabam tendo como pressuposto exclusivamente a iniciativa privada, não se aplicando, portanto, unidades de conservação e/ou terras indígenas.

Reafirmando o que já escrevi, acho que no lugar de projeto, nestes casos se deveria especificar os termos de um contrato a ser firmado entre os provedores e pagadores dos serviços. Estes contratos devem ser discutidos e analisados pelas comunidades e ser ratificados pelos órgãos envolvidos (Funai e Ibama ou Imac, no caso do Acre).

4. Quem fiscaliza e como o sistema será monitorado? Esses são dois pontos fundamentais uma vez que se espera um aumento considerável na conservação a partir de uma política como essa. E somente pode ser mantido o benefício se o serviço continuar sendo provido, seja ele oriundo de empresa privada ou comunidade.

5. Quem paga? Não vejo problema no fato deste serviço ser pago pelo Estado se considerarmos que estará utilizando impostos pagos pela sociedade. No entanto, acho importante que a vinculação entre pagador e provedor do serviço esteja claramente estabelecida. Caso contrário estamos falando mais de um subsídio do que de um serviço. E, para isso, é preciso que o pagamento esteja associado a uma penalidade para quem destrói os ecossistemas e um benefício para quem os protege. Ou seja, a lei deveria indicar que um percentual da remuneração será oriundo de multas por desmatamento, por exemplo.

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O ACRE E OS SERVIÇOS AMBIENTAIS


POLÍTICA DE PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS

Há anos fala-se em uma política de remuneração por serviços ambientais prestados por aqueles que optam por viver e produzir de forma a assegurar que o equilíbrio climático, a biodiversidade, os recursos hídricos, dentre outros serviços prestados pela natureza, possam ser mantidos e beneficiem a sociedade toda.

O governador Jorge Viana colocou em discussão com a sociedade acreana uma mintua de projeto de lei criando no Estado do Acre um Sistema de Pagamento por Serviços Ambientais.

A minuta está a seguir e comentários são muito bem vindos e podem ser enviados para o blog ou para: Luis Meneses - WWF-AC [luismeneses@wwf.org.br]

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MINUTA DE PROJETO DE LEI
Dispõe sobre o Sistema de Pagamento por Serviços Ambientais - PSA no Estado do Acre.

Considerando o disposto no art. 225, I da Constituição Federal, que dispõe sobre a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e promoção do manejo das espécies e ecossistemas; no art. 225, § 4º da Constituição Federal, que afirma ser a Floresta Amazônica patrimônio nacional, e no art. 58 da Lei Estadual 1.426/01 (Lei Florestal Estadual), que autoriza o Governo do Estado a regulamentar os serviços ambientais,

O GOVERNADOR DO ESTADO DO ACRE
FAÇO SABER que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º Para efeitos desta lei aplicam-se as seguintes definições:
I - serviços ambientais: processos e funções ecológicas que mantém o equilíbrio dos ecossistemas e contribuem diretamente na sobrevivência e no bem-estar de toda a coletividade; II - famílias e comunidades locais: populações tradicionais e outros grupos humanos que vivem na floresta, dela dependendo sua subsistência, com estilo de vida relevante à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica;
III - beneficiários: todos aqueles que usufruem de algum modo dos benefícios proporcionados por certo serviço ambiental;
IV - beneficiários diretos ou usuários: pessoas físicas ou jurídicas que usufruem diretamente do serviço ambiental;
V - provedor: pessoa física ou jurídica que através de certas ações contribui diretamente para a manutenção ou recuperação dos serviços ambientais elencados nesta lei;
VI - intermediários: entidades públicas ou privadas que executam certas atividades de suporte ao Sistema de PSA, tais como assistência técnica, certificação e comercialização, de forma gratuita ou onerosa;
VII - seqüestro de carbono: fixação dos gases causadores do efeito estufa, cujo principal é o dióxido de carbono (CO2), através da vegetação florestal;
VIII - beleza cênica: valor estético, ambiental e cultural de uma determinada paisagem natural;
IX - serviços hídricos: manutenção da qualidade hídrica através da regulação do fluxo da água, do controle da deposição de sedimentos, da quantidade de nutrientes, da deposição de substâncias químicas e salinidade e da conservação de habitats e espécies aquáticas;
X - biodiversidade: conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica entre ecossistemas e seus componentes, que permite e rege a vida em todas as suas formas e protege espécies, habitats naturais e recursos genéticos.

Art. 2º O Sistema de Pagamento por Serviços Ambientais - PSA visa cobrar pelos serviços ambientais e financiar projetos que promovam a manutenção e recuperação dos serviços ambientais.
§ único Fazem jus ao pagamento por serviços ambientais os provedores que tenham seus projetos aprovados, nos termos desta lei e das demais exigências estabelecidas em regulamento.

Art. 3º São diretrizes do Sistema de PSA:
I - eqüidade entre os beneficiários e os provedores;
II - ampliação de áreas de conservação ambiental;
III - manejo e uso múltiplo e sustentável dos recursos naturais;
IV - ordenamento territorial;
V - estímulo ao ecoturismo e educação ambiental nas unidades de conservação;
VI - capacitação dos envolvidos;
VII - transparência, qualidade e publicidade de informações;
VIII - valoração adequada dos serviços ambientais;
IX - aprimoramento constante do sistema;
X - diversificação das receitas e mercados;
XI - garantia da qualidade de vida para as presentes e futuras gerações;
XII - observância do princípio do poluidor-pagador;
XIII - observância do princípio da precaução;
XIV - integração entre as políticas inter-setoriais;
XV - consolidação e fortalecimento da atuação integrada das famílias e comunidades locais;
XVI - observância do princípio da supremacia do interesse público;
XVII - observância de evidências científicas;
XVIII - integração entre os benefícios econômicos, sociais, culturais e ambientais;
XIX - inclusão social e desenvolvimento de modos de vida sustentáveis;
XX - respeito aos direitos das populações tradicionais e comunidades indígenas;
XXI - planejamento em curto, médio e longo prazo;
XXII - resultados positivos em comparação com outras alternativas.

Art. 4º Integram o Sistema de PSA os seguintes serviços ambientais:
I - seqüestro de carbono;
II - beleza cênica;
III - serviços hídricos;
IV - conservação da biodiversidade.
§ 1º O seqüestro de carbono será promovido pelas atividades de florestamento e reflorestamento, preferencialmente através do plantio de espécies nativas.
§ 2º A beleza cênica será promovida pelo lazer, através do ecoturismo, especialmente em unidades de conservação.
§ 3º A conservação da biodiversidade será promovida pela preservação, manutenção, utilização sustentável, restauração e recuperação de áreas degradadas.
§ 4º O acesso à biodiversidade, ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, assim como os recursos hídricos e as áreas de interesse turístico devem seguir a legislação específica existente.

Art. 5º O funcionamento do Sistema de PSA depende de uma análise prévia de sua viabilidade econômica, excluídos da estimativa os gastos operativos e administrativos necessários a sua manutenção, bem como de uma análise das ações e benefícios decorrentes do manejo e conservação da floresta que possam ser objeto de concessão florestal, através de decisão documentada e motivada do órgão gestor do Sistema de PSA.

Art. 6º Os recursos para financiar o PSA serão provenientes de:
I - tributos e outros encargos cobrados dos usuários;
II - doações de entidades idôneas nacionais e internacionais;
III - do Fundo Florestal Estadual;
IV - outros recursos públicos e receitas legalmente admitidas.
§ 1º Fica autorizada a criação de incentivo fiscal, desde que verificada sua efetiva contribuição para o melhoramento do Sistema de PSA, bem como a facilitação do acesso a financiamentos para a promoção dos serviços ambientais.
§ 2º Em caso de criação de incentivo econômico, repasse de verbas públicas para o PSA ou criação de novo tributo ou encargo, a ser cobrado dos beneficiários diretos, a regulamentação dar-se-á por lei específica.
§ 3º Os recursos oriundos do Fundo Florestal seguirão as normas e os procedimentos específicos, relativos ao próprio Fundo Florestal.
§ 4º Os valores cobrados dos usuários variarão de acordo com os custos de manutenção dos serviços prestados e o valor econômico e ambiental do serviço oferecido.

Art. 7º A fim de otimizar os custos e resultados do Sistema de PSA poderão ser firmados contratos, convênios, acordos de cooperação e parcerias com intermediários.

Art. 8º Para serem aprovados e executados, os projetos de PSA devem observar os seguintes requisitos:
I - nome, CPF e RG do provedor ou razão social, CNPJ e contrato social;
II - certidão de regularidade do CNPJ perante à Receita Federal, no caso de pessoa jurídica;
III - certidão negativa do provedor perante os órgãos ambientais federal e estadual;
IV- mapa atual e futuro da área, com coordenadas e extensão da área;
V - descrição do solo, dos usos da terra na região, clima, topografia, fauna e flora e outras características relevantes do ecossistema, meios de prevenção de incêndios e indicação dos espaços especialmente protegidos (áreas de preservação permanente e áreas de reserva legal);
VI - inventário florestal e ambiental;
VII - declaração de vistoria da área, com a descrição dos serviços ambientais e demais atributos naturais existentes, assinada por profissional habilitado, devidamente inscrito no respectivo órgão de classe;
VIII - indicação de técnico habilitado, com experiência na área do projeto, para ser responsável pela execução do projeto;
IX - comprovação de posse ou propriedade, nos termos legalmente admitidos;
X - demonstração de observância das diretrizes contidas no art. 3º desta lei, especialmente as contidas nos incisos XVI ao XXII;
XI - descrição do projeto, objetivos e resultados esperados sob os aspectos econômico, social, cultural e ambiental;
XII - demonstração da infra-estrutura necessária e técnicas a serem utilizadas;
XIII - cronograma de execução;
XIV - custos estimados, de forma discriminada;
XV - declaração negativa ou positiva sobre a existência de práticas ilegais dentro dos limites da área;
XVI - justificativa para o PSA.
§ 1º Os projetos serão avaliados e aprovados pelo órgão gestor do Sistema de PSA, através de decisão escrita fundamentada, considerando o atendimento aos requisitos anteriormente mencionados e outras eventuais exigências, bem como a qualidade, os custos e benefícios do projeto, os projetos prioritários para o Sistema de PSA e a disponibilidade financeira existente.
§ 2º Os projetos aprovados serão publicados em jornal de grande circulação da região e no Diário Oficial do Estado.
§ 3º Os provedores interessados que tiverem seus projetos aprovados serão notificados para assinarem os contratos de PSA, dentro do prazo estipulado.
§ 4º São considerados prioritários para o Sistema de PSA os projetos localizados em zonas consideradas estratégicas para preservação ambiental e para o ordenamento territorial, segundo o zoneamento ecológico-econômico estadual ou orientação dos órgãos competentes; os projetos voltados à preservação de costumes locais e indígenas; e os que incentivem a atuação integrada das famílias e comunidades locais.
§ 5º Nos projetos que envolvam famílias ou comunidades locais, a documentação pode ser providenciada pelo órgão gestor do Sistema de PSA.

Art. 9º São cláusulas obrigatórias do contrato:
I - o objeto e as responsabilidades assumidas pelas partes;
II - o compromisso com os resultados esperados;
III - o prazo de vigência;
IV - o valor e a forma de pagamento da promoção do serviço ambiental;
V - as penalidades aplicáveis para a hipótese de descumprimento das obrigações contratuais;
VI - a obrigação do provedor manter-se, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas;
VII - as metas e os resultados a serem atingidos e os respectivos prazos;
VIII - as hipóteses de rescisão contratual;
IX - a legislação aplicável para os casos omissos.

Art. 10 O pagamento aos provedores dos serviços ambientais fica vinculado ao desempenho e resultados dos projetos, podendo os mesmos serem cancelados a qualquer tempo por descumprimento legal ou contratual.
§ único Os critérios de avaliação de desempenho devem ser objetivos e possuir indicadores de resultado.

Art. 11 O órgão gestor do PSA deve fiscalizar a execução do contrato, efetuar avaliações constantes sobre o andamento dos trabalhos e manter um registro atualizado com informações de cada projeto.

Art. 12 As dívidas do Estado do Acre poderão ser convertidas em investimentos no Sistema de PSA, mediante acordo com os credores.

Art. 13 Serão definidos através de regulamentação os meios de valoração do serviços ambientais, a metodologia a ser adotada, os critérios de seleção dos projetos e de avaliação de desempenho e o procedimento de certificação dos serviços ambientais.

Art. 14 É assegurada, na composição do órgão gestor do PSA, a representação da sociedade civil, através de membros beneficiários, usuários diretos e provedores dos serviços ambientais.

Art. 15 Poderão ser realizadas audiências públicas, para expor aos interessados os objetivos, principais informações do PSA e os projetos de maior relevância, no intuito de dirimir dúvidas, colher sugestões e garantir a gestão participativa.

Art. 16 As minutas de contrato deverão ser submetidas previamente a análise e aprovação da Procuradoria Geral do Estado.

Art 17 Esta lei será objeto de regulamentação por Decreto do Poder Executivo e entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 18 Revogam-se as disposições em contrário.

Rio Branco, de de , 106º da República, 92º do Tratado de Petrópolis e 33º do Estado do Acre.
JORGE VIANA
Governador do Estado do Acre

sexta-feira, agosto 11, 2006

AS CALÇADAS DE CURITIBA E O IMPONDERÁVEL

"Tirar o visto para os Estados Unidos em São Paulo na segunda de manhã, de tarde fazer reunião na Natura em Cajamar, na terça ir para Brasília me defender em um processo aberto por mim mesma, na quarta checar porque meu advogado não me defendeu e escolher outro, na quinta voltar para São Paulo e me reunir com a editora que vai publicar o meu livro, chegar em Curitiba e concluir as consultorias, na terça viajar para a Flórida e preparar dois cursos, iniciar as aulas, continuar as consultorias, orientar alunos até dia 11 de dezembro, voltar para Curitiba, dar um tempo no Natal e Ano Novo, acompanhar o lançamento da minissérie sobre Galvez e Chico Mendes, ir para Wisconsin-Madison dar um curso sobre movimentos sociais e políticas públicas, voltar para lançar meu livro e em julho parar para descansar. Mas antes tenho que ir comprar cartucho prá impressora ali no shopping porque preciso imprimir os formulários do visto e acabou a tinta. E amanhã não dá tempo porque é o churrasco de aniversário do meu irmão, da minha sobrinha Júlia, do meu sobrinho Lucas e o meu também, e eu já vou sair de casa com a mala porque embarco no começo da noite prá São Paulo. Vou correndo e volto em um segundo..."

Era assim que estava a minha cabeça sábado passado às 18:30 mais ou menos. Só que ao voltar prá casa, já quase chegando, descobri o que muitos reclamam: os desníveis das calçadas de Curitiba. Eu estava realmente andando muito rápido, quase correndo e, de repente, estava com a cara no chão, dente quebrado, sangue por todos os lados e o choque que me atordoou porque não podia imaginar que aquilo estava acontecendo comigo. Tivesse uma pedra naquele lugar e eu não estaria contando a história.

Isso só prá explicar que fiquei fora do ar esta semana e que não vou mais para a Flórida porque essa agenda, que já era quase inviável, foi superada pela simples impossibilidade de me recuperar e fazer tudo que estava faltando antes das aulas começarem.

Não vou deixar de fazer essas e outras tantas coisas ao mesmo tempo como sempre fiz. Mas não dá prá correr nas calçadas de Curitiba, algo que eu não sabia até aquele momento. Inexplicável em uma cidade com a qualidade de vida que se desfruta aqui. Sou mais uma adepta das várias campanhas que descobri para consertá-las, dando uma rápida olhada na internet.

O choque da batida do meu rosto na calçada, é difícil de esquecer. A força ao cair sem conseguir aparar a queda, inexplicável. Uma sensação de perplexidade tomou conta de mim até o dia seguinte: como é possível planejar tudo nos mínimos detalhes, meses prá frente e, em um segundo, o imponderável, aquilo que você acha que nunca vai acontecer com você, simplesmente se intromete na sua rotina e vira tudo ao contrário?

Peguei o dente que havia caído no chão, coloquei num copo com leite que as pessoas que me acudiram ofereceram e fui levada correndo ao pronto socorro. Uma hora depois estava com o dente reimplantado, uma armadura de metal segurando um no outro e, com cuidado e tratamento adequados, uma boa chance de recuperação. Dica do médico: quando você perde um dente num acidente como esse, deixe-o no seu ambiente, a boca, até chegar no pronto socorro e poderá comer um churrasco em poucos dias.

Não gosto de fazer interpretações místicas para um fato tão concreto quanto esse: estava distraída, sob pressão, com uma agenda muito grande para um tempo muito curto. Mas que fiquei pensando, no fundo, qual era a mensagem desse imponderável, fiquei. Vamos ver se consigo descobrir nos próximos meses...