Quando vejo a incrível facilidade com que bancos, lojas, empresas, crianças, adultos, homens, mulheres, viraram a favor do meio ambiente desde que os relatórios do IPCC deixaram todos em pânico com as mudanças climáticas, tenho uma reação ambígua. É bom ver como se generalizou a agenda ambiental e como o tema se inseriu na vida das pessoas. É bom ter políticas públicas e privadas de responsabilidade socioambiental. É necessário, é urgente, é imperativo.
Mas há, também, uma enorme simplificação como se campanhas de mídia fossem suficientes para mudar a realidade. Pouco se fala sobre o que é preciso fazer de fato para alcançar sustentabilidade. O discurso tem esse poder de parecer realidade e de saciar o desejo das pessoas de se sentir parte do processo.
Não recomendo a ninguém os tempos que vivemos quando propor o zoneamento ecológico-econômico da Amazônia era ameaça à segurança nacional. Mas estou certa de que mudanças profundas nem sempre são tão consensuais quanto está parecendo.
Para manter o equilíbrio sempre releio este documento da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) ao IPEA (Ministério do Planejamento), em 1986, que é primoroso tanto para evidenciar como as pressões eram fortes quanto para comprovar que mudanças de fato aconteceram. E os custos foram altos.
"DA: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - Presidência
Brasília, 18 de junho de 1986
Ao Exmo. Sr.
Dr. Henri Phillipe Reichstul
DD. Presidente do Instituto de Planejamento Econômico e Social - IPEA
Brasília - DF
Senhor Presidente,
Pela amplitude do problema, envolvendo IBDF e este Instituto, tomo a liberdade enviar cópia documento dirigido àquele Órgão pelo Presidente da Federação da Agricultura do Estado do Acre, solicitando iguais providências.
À oportunidade, renovo a V.Exa. os meus protestos de apreço e distinguida consideração.
FLÁVIO DA COSTA BRITTO
Presidente
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA
Brasília, 18 de junho de 1986
Exmo. Sr.
Dr. JAIME COSTA SANTIAGO
DD. Presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF.
Senhor Presidente,
A FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA DO ESTADO DO ACRE, por seu presidente que o presente subscreve, representando a classe produtora rural daquele Estado, vem, respeitosamente, levar à sua presença, algumas apreensões da classe e reclamar decisões que se façam necessárias.
1. Chegou ao conhecimento desta Federação “Aide Memoire” da reunião dos Órgãos que participam do PMACI, Projeto de Proteção do Meio Ambiente e das Comunidades Indígenas, realizada aos 27.05.86, onde, dentre outros assuntos, foi discutida uma proposta da antropóloga Mary Allegretti de criação de reservas extrativistas na Amazônia e onde a mesma “verbalmente” faz denúncias de desmatamento ilegal na região de Xapuri, juntando cópia de carta datada de 27.05.86, sugerindo um grupo de trabalho para “estudar” a situação, indicando desde logo, como participante, o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Francisco Mendes.
2. Junta ainda cópia de carta do mesmo cidadão, Francisco Mendes, que faz inverídicas afirmações, como aliás é de seu feitio, citando dados técnicos sem qualquer fundamentação, documento este que foi juntado e apreciado na mesma reunião.
3. Causou a esta entidade estranheza o fato de pronunciamentos sobre tema de tamanha importância para toda a região amazônica, qual seja, reservas extrativistas, denúncias diversas não tenham sido submetidas ao crivo do contraditório e até o presente momento qualquer órgão representativo de entidade dos proprietários rurais, em último caso são os prejudicados por tais medidas, ter sido consultada.
4. Dias atrás, também, chegou ao conhecimento desta entidade, depoimento prestado pela mesma antropóloga, datado de 21.05.86, perante a Subcomissão de Operações Externas da Comissão de Dotações do Senado dos Estados Unidos, na qual sustenta a mesma idéia e tema solicitando dentre as medidas de urgência:
a) zoneamento econômico-ecológico da Amazônia;
b) redução de investimentos para tal fim, na área;
c) revisão do conceito de desenvolvimento, etc.
5. Porém, causou maior impacto entre nós, foi saber que a referida pessoa, juntamente com outras entidades que não se sabe, legalmente constituídas, fazerem injunção junto ao Banco Mundial, no sentido de não conceder empréstimos para o desenvolvimento da região, creio que incluindo-se entre eles, o próprio PMACI e outros. Isto foi amplamente noticiado no Jornal Folha de São Paulo de 09.06.86.
Isto viria afetar inclusive, o asfaltamento da BR 364, obra imprescindível ao desenvolvimento do Acre, Amazonas e Rondônia, reclamado há quase 3 décadas e só agora em via de concretizar-se. Trata-se ao nosso ver, de caso de segurança nacional pela magnitude do problema e importância da BR referida.
6. Foi a partir do conhecimento desses documentos cujas cópias são do seu conhecimento, que esta federação pode compreender o porque do surgimento na região de Xapuri, Acre, de movimento liderado por Francisco Mendes, já referido, visando impedir a derrubada de áreas cujas autorizações foram fornecidas legalmente pelo IBDF, obedecendo trâmites legais e a legislação em vigor. Tal movimento conta com o apoio básico da antropóloga e outras entidades, algumas até “fantasmas”, chegando ao ponto de cometerem ilícitos penais, quais sejam, invasão de propriedade, crime contra a organização do trabalho, etc.
7. Através de medida judicial foi garantida a atividade na primeira propriedade atingida (o movimento pretende estender-se às demais), inclusive com força policial, porém, pretendem as partes investidas nesse intento, conseguir a sua finalidade, administrativamente, pressionando esse órgão para que cancele as licenças concedidas. Os ilícitos penais praticados para atingir tal fim, chegam às raias de o mesmo grupo, invadir e ocupar, manu militari, a sede deste órgão em Xapuri, como já é do seu conhecimento e amplamentre noticiado no Jornal de Rio Branco.
8. Acreditamos no firme propósito do Órgão em resistir a pressões desse tipo, mesmo porque, agindo em contrário, violaria direito líquido certo dos interessados, passível de mandado de segurança.
9. O fato já foi levado ao conhecimento dos órgãos de segurança e outros interessados, no Estado e no âmbito federal, assim como esta Federação já comunicou a outras co-irmãs os fatos aqui narrados.
Ante o que, vem solicitar:
a) amplo esclarecimento sobre a existência de estudo de zoneamento econômico ecológico da Amazônia;
b) idem de zoneamento de área extrativista visando unicamente classe seringueiros, sem consulta aos proprietários dessas áreas atingidas;
c) submetimento ao crivo do contraditório de todas as denúncias chegadas a este Órgão;
d) consulta às entidades representativas dos produtores rurais das Federações do Acre, Amazonas, Rondônia, Pará, Mato Grosso e Goiás sobre temas e problemas que envolvam o desenvolvimento regional, zoneamento, Reforma Agrária e outros, de interesse dessas entidades;
e) a manutenção das licenças concedidas aos proprietários rurais, amparados pela Lei e regulamentos.
Colocando-nos ao inteiro dispor, para qualquer esclarecimento, subscrevemo-nos,
Atenciosamente,
Luiz Saraiva Correia, Presidente da Federação da Agricultura do Estado do Acre."
O QUE É MELHOR: OS RISCOS DE ANTIGAMENTE OU A BANALIDADE DA ATUALIDADE?