Nota de repúdio às declarações do presidente Lula
24/11/2006
A declaração do Presidente da República de que as questões dos índios, quilombolas, ambientalistas e Ministério Público travam o desenvolvimento do País, causa-nos profunda indignação.
Informações do próprio governo atestam que a morosidade na tramitação de alguns projetos de infra-estrutura se deve à sua má qualidade ambiental, ao não-cumprimento de prazos por parte dos empreendedores e à insuficiência de quadros e de recursos nos órgãos públicos responsáveis pelo licenciamento. “Destravar” o desenvolvimento não deveria significar a supressão de direitos ou de garantias legais, e sim a superação de fragilidades técnicas dos empreendedores e do governo.
Ao atacar minorias. o Presidente recorre a um pretexto obviamente inconsistente e comete inominável injustiça.
O exercício da função de fiscal da lei pelo Ministério Público só pode ocasionar eventual atraso na implementação de projetos de infra-estrutura quando é acolhido por decisões do Poder Judiciário, que aos governantes, em regime democrático, cabe cumprir.
A todos interessa o desenvolvimento do País, que não é apenas crescimento econômico, lição aprendida desde os tempos da ditadura.
Estamos à disposição do Presidente para um diálogo franco e direto sobre o interesse comum pelo desenvolvimento em sentido amplo.
DESENVOLVIMENTO, SIM. DE QUALQUER JEITO, NÃO.
1- Amigos da Terra - Amazônia Brasileira
2- Angico
3- Associação Brasileira de ONGs – ABONG
4- Associação Camponesa - ACA
5- Associação de Preservação do Alto Vale do Itajaí - APREMAVI
6- Associação de Trabalhadores Rurais do Vale do Corda
7- Associação dos Professores De Direito Ambiental Do Brasil - APRODAB
8- Associação Mineira de Defesa do Ambiente - AMDA
9- Associação Pernambucana de Defesa da Natureza – ASPAN
10- Associação Protetora da Diversidade das Espécies - PROESP
11- Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica
12- Centro de Estudos e Exploração Sustentável do Cerrado - CENESC
13- Centro Experimental de Educação Ambiental - CEDEA
14- Conselho Indigenista Missionário – CIMI
15- Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
16- Ecologia & Ação – ECOA
17- Esplar - Centro de Pesquisa e assessoria
18- Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)
19- Fórum Carajás
20- Fórum Paulista de Mudanças Climáticas e Biodiversidade – FPMCB
21- Fundação Centro Brasileiro de Referência Cultural – CEBRAC
22- Fundação SOS Mata Atlântica
23- Grupo Ambientalista da Bahia – GAMBA
24- Grupo de Trabalho Amazonico – GTA (600 filiadas)
25- Instituto Ambiental Vidágua
26- Instituto Brasileiro De Advocacia Pública - IBAP
27- Instituto Centro Vida – ICV
28- Instituto Ethos
29- Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
30- Instituto Ecoar para Cidadania – ECOAR
31- Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
32- Instituto Physis - Cultura & Ambiente
33- Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
34- Instituto Socioambiental – ISA
35- ISABI - Instituto Socioambiental da Baía da Ilha Grande
36- Kanindé - Associação de Defesa Etnoambiental
37- Mater Natura - Instituto de Estudos Ambientais
38- Núcleo Amigos da Terra / Brasil
39- OCA Brasil
40- ONG Projeto MIRA-SERRA (RS)
41- Pesquisa e Conservação do Cerrado - Pequi
42- Projeto Brasil Sustentavel e Democratico/FASE
43- Projeto Saúde e Alegria
44- Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multialterais
45- Rede Cerrado (300 filiadas)
46- Rede Mata Atlântica (300 filiadas)
47- Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem – SPVS
48- SOS Amazônia
49- TERRÆ Organização Da Sociedade Civil
50- Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz
51- WWF Brasil
domingo, novembro 26, 2006
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
O lugar do meio ambiente no governo Lula
Foi muito oportuna a fala do presidente Lula sobre os entraves ao desenvolvimento, porque ocorreu em um momento de transição entre uma gestão e outra e sinaliza claramente - ao contrário do início da primeira gestão - o pensamento do PT sobre meio ambiente. O PT não só não entende nada do assunto como tem uma visão preconceituosa, atrasada e desinformada. Marina Silva e sua equipe constituem uma rara exceção dentro do PT, razão pela qual foi tão difícil executar a idéia da transversalidade.
Se, no programa de governo do Lula para a Amazônia, que ajudei a escrever, nos propusemos a definir "o lugar da Amazônia no desenvolvimento do país", agora é hora de perguntar: "afinal, qual é o lugar do meio ambiente no governo Lula?" Colocar a legislação ambiental como um entrave ao desenvolvimento - ao lado dos juros altos, da corrupção, da carga tributária, da simples falta de idéias - nos remete à década de 70 quando o mundo começava a acordar para os custos ambientais do desenvolvimento e os representantes do Brasil, na Conferência de Estocolmo em 72, disseram que o país não podia discutir o meio ambiente porque precisava da poluição, que era sinal de progresso.
Essa posição também remete à política de Bush contra o Protoloco de Kyoto, cuja adesão afetaria os interesses econômicos dos grupos que o apóiam, mesmo com todas as evidências científicas das mudanças climáticas e sem se preocupar com o risco para o planeta e as pessoas, em todo o mundo, decorrentes desta posição.
Foi muito oportuna também a reação das entidades da sociedade civil, cujo manifesto está publicado a seguir. Afinal, pelos laços históricos com o PT e com a ministra Marina, as ONGs deixaram de cumprir seu papel de vigilantes autônomos e independentes do interesse público. Não importa quem esteja no poder nem de onde vêm os recursos, o papel das entidades da sociedade civil é de independência e de cobrança, caso contrário o poder se fecha sobre si mesmo. As estruturas de poder existem para se reproduzir e quem assume um cargo precisa se ajustar à estrutura, até para poder fazê-la funcionar na direção que deseja. E é a sociedade cobrando, apoiando também, de forma independente, que assegura o avanço. Não o contrário.
Depois de tantos anos de esforços para levar a questão ambiental para dentro das estruturas de poder, para conseguir mudanças estruturais fundamentais para implantar soluções inovadoras na Amazônia - que custaram a vida de antigos companheiros do Lula e do PT - soa ridículo imaginar que nada disso aconteceu e que, quando um presidente tem a oportunidade de realizar aquilo que seus companheiros defenderam à custa da própria vida, simplesmente diz que não é com ele.
Se o presidente Lula não sabe, devia ser informado, que há muito tempo esse modelo de desenvolvimento baseado em estradas rasgadas na selva, poluição nas cidades tipo Cubatão, lixo sem destino, grandes hidrelétricas tipo Balbina - há muito tempo esse modelo de desenvolvimento vem sendo superado por outro - que se dá com respeito ao meio ambiente, aos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais e, o que é mais importante, influenciando a forma convencional de gerar riquezas.
E exemplos existem em todos os partidos, em todos os países, de projetos de desenvolvimento que estão indo muito bem, trazendo crescimento, gerando renda sem precisar destruir. Do Paraná ao Acre, do Amazonas à Califórnia, o desafio é fazer as leis mais eficientes e transformar os problemas ambientais em formas de geração de renda.
O meio ambiente e o pobres
Outra tese presente no discurso do presidente Lula que também é arcaica é a de que os pobres - no caso os quilombolas - atrasam o progresso. De novo, está retomando uma idéia preciosa ao governo militar, que resultou em projetos genocidas aos índios, que expulsou posseiros, até que os pobres reagiram e, sob a liderança de Chico Mendes, fizeram uma reforma agrária inovadora que juntou a defesa do meio ambiente com o reconhecimento dos direitos de posse. E no lugar de ter um monte de seringueiros vivendo na periferia das cidades hoje, temos famílias crescendo e tendo novas oportunidades a partir da floresta.
Idéias como essa - que radicalmente mudam o enfoque do meio ambiente e do desenvolvimento - é que deveriam estar na mesa do presidente Lula. Como erradicar a pobreza, impusionar o desenvolvimento do país, valorizando o meio ambiente - essa é a questão central.
Por que não fazer uma política massiva de inclusão social associada à solução de problemas ambientais? Porque não tirar todos os impostos das atividades de reciclagem , por exemplo, uma vez que os produtos, em sua vida útil, já pagaram todos os impostos devidos? Porque não fazer um grande programa de reflorestamente para inserir no mercado de carbono? Porque não convocar os ambientalistas para trazer soluções sustentáveis para desentravar o desenvolvimento do país?
Grandes obras
Já o problema das grandes obras de infra-estrutura, paralisadas por problemas de licenciamento, a questão é diferente. Algumas obras sequer deveriam ser planejadas, outras respondem a interesses restritos, e algumas poucas são de real interesse público. O interesse de alguns grupos restritos com poder econômico se sobrepõe sobre o interesse da maioria da sociedade. E Lula, que brigou tanto para ver os pobres sendo respeitados, deveria ser o primeiro a fazer essa pergunta e juntar esforços com as ONGs para clarificar quem de fato se beneficia com obras tidas como prioritárias e de interesse nacional.
O Acre é exemplo
O Acre, governado pelo PT, é exemplo de como se pode fazer as coisas de forma certa. O Estado está crescendo 5% ao ano, tem 46% de seu território protegido com unidades de conservação e terras indígenas, está asfaltando estradas seguindo a legislação ambiental, criando florestas públicas de produção no entorno para evitar especulação fundiária, tem suas contas públicas sob controle, capta recursos nacionais e internacionais e executa com responsabilidade, melhorou a qualidade de vida urbana e na floresta. E, mais importante, chamou para si a responsabilidade de convencer pecuaristas e madeireiros de que é mais vantajoso trabalhar na legalidade e no respeito à legislação ambiental. E conseguiu!
Exemplo nacional
Espera-se de um Presidente da República que valorize e respeite as leis. Especialmente em temas que custaram muito à sociedade: meio ambiente e comunidades tradicionais. Temas que vêm sendo valorizados na escola, ensinados na televisão, divulgados o tempo todo na internet. Temas que hoje fazem parte da agenda das gerações futuras. Enquanto o mundo inteiro reconhece esses avanços no Brasil e discute os efeitos das mudanças climáticas, o nosso presidente volta à década de 70!
Momento oportuno
É mesmo oportuno o momento para clarear posições e reorganizar o meio de campo.
É fundamental fazer um balanço do que se alcançou até aqui. A política de não ser contra estradas nem hidrelétricas, sob o pressuposto de que se pode fazer obras de forma correta e respeitando a lei - somente pode ser reafirmada, se houver rigoroso respeito à lei. Caso contrário, é preciso voltar à posição anterior e passar a questionar as obras em si mesmas, como já fizemos no passado para, depois de muita disputa, se conseguir o respeito àquilo que deveria ter sido o ponto de partida. A política adotada nos últimos quatro anos, e seus reflexos sob a postura das ONGs, precisam ser urgentemente revistos.
Foi muito oportuna a fala do presidente Lula sobre os entraves ao desenvolvimento, porque ocorreu em um momento de transição entre uma gestão e outra e sinaliza claramente - ao contrário do início da primeira gestão - o pensamento do PT sobre meio ambiente. O PT não só não entende nada do assunto como tem uma visão preconceituosa, atrasada e desinformada. Marina Silva e sua equipe constituem uma rara exceção dentro do PT, razão pela qual foi tão difícil executar a idéia da transversalidade.
Se, no programa de governo do Lula para a Amazônia, que ajudei a escrever, nos propusemos a definir "o lugar da Amazônia no desenvolvimento do país", agora é hora de perguntar: "afinal, qual é o lugar do meio ambiente no governo Lula?" Colocar a legislação ambiental como um entrave ao desenvolvimento - ao lado dos juros altos, da corrupção, da carga tributária, da simples falta de idéias - nos remete à década de 70 quando o mundo começava a acordar para os custos ambientais do desenvolvimento e os representantes do Brasil, na Conferência de Estocolmo em 72, disseram que o país não podia discutir o meio ambiente porque precisava da poluição, que era sinal de progresso.
Essa posição também remete à política de Bush contra o Protoloco de Kyoto, cuja adesão afetaria os interesses econômicos dos grupos que o apóiam, mesmo com todas as evidências científicas das mudanças climáticas e sem se preocupar com o risco para o planeta e as pessoas, em todo o mundo, decorrentes desta posição.
Foi muito oportuna também a reação das entidades da sociedade civil, cujo manifesto está publicado a seguir. Afinal, pelos laços históricos com o PT e com a ministra Marina, as ONGs deixaram de cumprir seu papel de vigilantes autônomos e independentes do interesse público. Não importa quem esteja no poder nem de onde vêm os recursos, o papel das entidades da sociedade civil é de independência e de cobrança, caso contrário o poder se fecha sobre si mesmo. As estruturas de poder existem para se reproduzir e quem assume um cargo precisa se ajustar à estrutura, até para poder fazê-la funcionar na direção que deseja. E é a sociedade cobrando, apoiando também, de forma independente, que assegura o avanço. Não o contrário.
Depois de tantos anos de esforços para levar a questão ambiental para dentro das estruturas de poder, para conseguir mudanças estruturais fundamentais para implantar soluções inovadoras na Amazônia - que custaram a vida de antigos companheiros do Lula e do PT - soa ridículo imaginar que nada disso aconteceu e que, quando um presidente tem a oportunidade de realizar aquilo que seus companheiros defenderam à custa da própria vida, simplesmente diz que não é com ele.
Se o presidente Lula não sabe, devia ser informado, que há muito tempo esse modelo de desenvolvimento baseado em estradas rasgadas na selva, poluição nas cidades tipo Cubatão, lixo sem destino, grandes hidrelétricas tipo Balbina - há muito tempo esse modelo de desenvolvimento vem sendo superado por outro - que se dá com respeito ao meio ambiente, aos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais e, o que é mais importante, influenciando a forma convencional de gerar riquezas.
E exemplos existem em todos os partidos, em todos os países, de projetos de desenvolvimento que estão indo muito bem, trazendo crescimento, gerando renda sem precisar destruir. Do Paraná ao Acre, do Amazonas à Califórnia, o desafio é fazer as leis mais eficientes e transformar os problemas ambientais em formas de geração de renda.
O meio ambiente e o pobres
Outra tese presente no discurso do presidente Lula que também é arcaica é a de que os pobres - no caso os quilombolas - atrasam o progresso. De novo, está retomando uma idéia preciosa ao governo militar, que resultou em projetos genocidas aos índios, que expulsou posseiros, até que os pobres reagiram e, sob a liderança de Chico Mendes, fizeram uma reforma agrária inovadora que juntou a defesa do meio ambiente com o reconhecimento dos direitos de posse. E no lugar de ter um monte de seringueiros vivendo na periferia das cidades hoje, temos famílias crescendo e tendo novas oportunidades a partir da floresta.
Idéias como essa - que radicalmente mudam o enfoque do meio ambiente e do desenvolvimento - é que deveriam estar na mesa do presidente Lula. Como erradicar a pobreza, impusionar o desenvolvimento do país, valorizando o meio ambiente - essa é a questão central.
Por que não fazer uma política massiva de inclusão social associada à solução de problemas ambientais? Porque não tirar todos os impostos das atividades de reciclagem , por exemplo, uma vez que os produtos, em sua vida útil, já pagaram todos os impostos devidos? Porque não fazer um grande programa de reflorestamente para inserir no mercado de carbono? Porque não convocar os ambientalistas para trazer soluções sustentáveis para desentravar o desenvolvimento do país?
Grandes obras
Já o problema das grandes obras de infra-estrutura, paralisadas por problemas de licenciamento, a questão é diferente. Algumas obras sequer deveriam ser planejadas, outras respondem a interesses restritos, e algumas poucas são de real interesse público. O interesse de alguns grupos restritos com poder econômico se sobrepõe sobre o interesse da maioria da sociedade. E Lula, que brigou tanto para ver os pobres sendo respeitados, deveria ser o primeiro a fazer essa pergunta e juntar esforços com as ONGs para clarificar quem de fato se beneficia com obras tidas como prioritárias e de interesse nacional.
O Acre é exemplo
O Acre, governado pelo PT, é exemplo de como se pode fazer as coisas de forma certa. O Estado está crescendo 5% ao ano, tem 46% de seu território protegido com unidades de conservação e terras indígenas, está asfaltando estradas seguindo a legislação ambiental, criando florestas públicas de produção no entorno para evitar especulação fundiária, tem suas contas públicas sob controle, capta recursos nacionais e internacionais e executa com responsabilidade, melhorou a qualidade de vida urbana e na floresta. E, mais importante, chamou para si a responsabilidade de convencer pecuaristas e madeireiros de que é mais vantajoso trabalhar na legalidade e no respeito à legislação ambiental. E conseguiu!
Exemplo nacional
Espera-se de um Presidente da República que valorize e respeite as leis. Especialmente em temas que custaram muito à sociedade: meio ambiente e comunidades tradicionais. Temas que vêm sendo valorizados na escola, ensinados na televisão, divulgados o tempo todo na internet. Temas que hoje fazem parte da agenda das gerações futuras. Enquanto o mundo inteiro reconhece esses avanços no Brasil e discute os efeitos das mudanças climáticas, o nosso presidente volta à década de 70!
Momento oportuno
É mesmo oportuno o momento para clarear posições e reorganizar o meio de campo.
É fundamental fazer um balanço do que se alcançou até aqui. A política de não ser contra estradas nem hidrelétricas, sob o pressuposto de que se pode fazer obras de forma correta e respeitando a lei - somente pode ser reafirmada, se houver rigoroso respeito à lei. Caso contrário, é preciso voltar à posição anterior e passar a questionar as obras em si mesmas, como já fizemos no passado para, depois de muita disputa, se conseguir o respeito àquilo que deveria ter sido o ponto de partida. A política adotada nos últimos quatro anos, e seus reflexos sob a postura das ONGs, precisam ser urgentemente revistos.
sexta-feira, novembro 17, 2006
ENFIM, UMA ANÁLISE LÚCIDA
Leia o artigo de Jean-Pierre Leroy sobre os desafios da questão ambiental na segunda gestão do governo Lula. Fonte: Agência Carta Maior Link: http://agenciacartamaior.uol.com.br/
'Não vejo condição, no contexto atual, de barrar o avanço da destruição ambiental' - 15/11/2006 Local: São Paulo - SP
Para Jean-Pierre Leroy, um dos mais respeitados ambientalistas do país, falta ao governo compreensão sobre a importância da preservação ambiental. Ele pede mais pressão por parte dos movimentos no 2º mandato. A área ambiental, assim como o Ministério do Meio Ambiente, realmente não foi um dos setores mais festejados ou acariciados neste primeiro mandato de Lula. Pelo contrário. Tanto entre os setores produtivos quanto no interior do próprio governo, a questão ambiental e o cumprimento da legislação foram repetidamente taxados como “fatores retardadores do desenvolvimento”, principalmente quando se antepuseram aos projetos infra-estruturais de grande impacto socioambiental (hidrelétricas, estradas, transposição do São Francisco etc).
A dificuldade de elaboração, por parte do governo, de um projeto nacional que não impacte o meio ambiente como preço a pagar pelo desenvolvimento – considere-se aí também os grandes investimentos no agronegócio, principal vetor do desmatamento da Amazônia e do cerrado, por exemplo – causou bastante descontentamento entre setores da sociedade civil organizada. Mas, por outro lado, faltou, por parte do movimento socioambiental, uma atuação mais firme que impulsionasse políticas para o setor e elevasse a questão ambiental ao patamar de prioridade nacional.
É nesta direção que o ambientalista Jean-Pierre Leroy, coordenador do Projeto Brasil Sustentável e Democrático da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), caminha em sua avaliação sobre os resultados da gestão ambiental do país nos últimos quatro anos.
Nascido na França e residente no Brasil há mais de 30 anos, Jean-Pierre dedicou sua vida à luta socioambiental nos mais diferentes espaços, sempre ligado aos movimentos sociais. Morou por muitos anos no Pará, onde conheceu de perto os conflitos do Estado com maior índice de violência no campo, e foi, até o ano passado, Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Desca (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais).
Como o senhor analisa a gestão da área ambiental no primeiro mandato do governo Lula?
O tratamento dado à questão ambiental foi totalmente secundário. A nomeação da [ministra] Marina [Silva] foi mais uma sinalização para o exterior do que para o Brasil. Quer dizer, a Amazônia foi tratada como algo importante para o Brasil, mas, fora isso, eu diria que não houve sinalização de que o meio ambiente seria considerado. Como dentro do PT havia um forte movimento ambientalista, eu acho que as pessoas se iludiram; nós nos iludimos, achando que a proposta do governo poderia realmente dar importância ao meio ambiente. Mas sempre foquei a minha crítica não no Ministério do Meio Ambiente (MMA), mas no centro do PT . Na minha opinião, já era muito claro que teríamos que focar o coração do poder. O balanço que eu faço, então, é bastante negativo. Não só porque não se prestigiou [a questão ambiental], mas porque se perdeu muito em relação aos projetos.
Mas e as repetidas críticas de que o cumprimento da legislação ambiental e a ação do MMA acabaram atrasando o chamado progresso do país? Como avalia a ação do Ministério neste setor?
Acredito que só não perdemos a briga com os mega-projetos de infra-estrutura [de grande impacto socioambiental] porque faltou dinheiro para investimento neles. Para a previsão de hidrelétricas, por exemplo, faltou gás para poder realizar; e, ao mesmo tempo, houve uma certa divergência interna no governo. Isso ajudou a emperrar as coisas, senão também teríamos perdido tudo, quase tudo. Apenas não se perdeu no plano da luta contra o desmatamento da Amazônia. Graças ao impacto da divulgação do desmatamento em 2004 para 2005, que atingiu 27 mil quilômetros quadrados, e da morte da irmã Dorothy Stang (freira norte-americana assassinada em 2001 no Pará em função do conflito de terras), foi que se tomaram algumas medidas, como esse mosaico de unidades de conservação na Terra do Meio, no Pará e o tratamento dado ao entorno da BR 163, a Cuiabá-Santarém. Mas se não fosse isso, não acontecia nada .
A que você remete a dificuldade do governo petista de entender a importância da questão ambiental?
Parece que o governo procurou colocá-la sempre na mesa de negociação...Eu freqüentava a Comissão de Meio Ambiente do PT. Eu ficava impressionado, porque estávamos sempre entre nós, entre os mesmos, um clube dos ambientalistas. Antes mesmo antes de o governo Lula assumir, eu já estava muito preocupado, porque eu achava que formávamos um gueto e que a sensibilidade ambiental era coisa nula no partido. Na CUT, por exemplo, a Comissão de Meio Ambiente era uma coisa isolada, e a cúpula nunca se interessou pela questão. Eu acho que, em parte, porque a tradição dos metalúrgicos não preparava para isso. Persistiu a concepção de que o Brasil é uma terra a ocupar, e aí vem essa tradição, essa cultura urbana industrial e a vontade de desenvolver, que não é só a dele [Lula] ou a de um grupo do poder, mas é a da maioria da população. E tem a questão das alianças. Quando se investe no interior [do Brasil], precisa-se de alianças políticas. O que tem de mais rasteiro na política são esses políticos regionais, os novos coronéis do Norte, onde territórios viraram estados sem ter sociedade, como em Roraima, Amapá, Rondônia. Ao combinar essa tradição, a necessidade de aliança política com uma vontade desenvolvimentista, achando que só assim se conseguiria fazer recuar a pobreza, dá no que dá.
Como avalia a atuação e a relação da sociedade civil e dos movimentos com o governo Lula?
Os chamados movimentos sociais, primeiro, foram enfraquecidos com a adesão da CUT ao governo, com o fato de que ela era a principal base de apoio do governo na sociedade, e que muitos dirigentes sindicais foram contemplados com cargos no Executivo, conselhos de empresas, etc. O segundo ponto é que nós realmente apostamos no governo. Muitas ONGs e movimentos sociais trabalharam para eleger Lula, e lhe deram uma chance no começo. Ao mesmo tempo, muitos dos nossos amigos estavam nos ministérios: no do Meio Ambiente, no do Desenvolvimento Agrário, no das Cidades. Com isso, nós, a sociedade civil, não cumprimos bem o nosso papel. Agora, é bom dizer que houve um refluxo. Na época da Eco 92, se teve a sensação de que a compreensão do que significava o meio ambiente estava incorporada pelos movimentos e organizações, mas não foi bem assim. Não havia, no fundo, um movimento sócio-ambiental para dizer: “temos que mudar”. E, aos poucos, se viu voltar o movimento conservacionista com uma certa força, sem que conseguíssemos somar. De repente parecia que o meio ambiente era uma coisa só deles e das empresas, que vão defendê-lo com seus projetos, lobbys e imagens. Com os conservacionistas aliados a essas empresas, e a dispersão das entidades socioambientalistas, houve um enfraquecimento muito grande do campo da sociedade civil.Ao contrário do que aconteceu com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, constantemente pressionado pelos movimentos de trabalhadores, o Ministério do Meio Ambiente ficou mais protegido.
Foi realmente construída uma redoma entorno da Marina Silva?
Foi um erro nosso, e foi ruim para o Ministério do Meio Ambiente. Mas o movimento ambientalista não conseguiria pressionar como movimento social. Ele é muito disperso. São centenas de pequenos grupos e pequenas ONGs, e [o movimento ambientalista] tinha perdido justamente a participação real de movimentos sociais. É difícil ser parceiro do Ministério, receber e gerir projetos que vem do governo, e ao mesmo tempo continuar sendo um movimento político. Quase todos nós vivemos essa contradição, alguns mais do que outros, porque com a negociação de projetos a relação ameaçava de se tornar clientelista. É por isso que eu digo que tinha que questionar o núcleo do poder e, ao mesmo tempo, lembrar que, de um certo modo, o MMA era um reflexo desse governo que não dá importância [para a questão ambiental].
Qual a sua avaliação sobre a Lei de Gestão de Florestas, que permitirá o arrendamento de florestas públicas na Amazônia para a iniciativa privada, como forma de brecar o desmatamento?Você acha que isso vai barrar a exploração ilegal de madeira?
A primeira crítica que fiz ao projeto foi que, em tese, pode ser muito bonito, mas olha o que acontece e o que sempre aconteceu com o desmatamento ilegal. Onde vai ter gente para fiscalizar? Para bloquear os que estão na ilegalidade, fiscalizar os que vão ter as concessões? Em tese, a Lei de Gestão de Florestas não é uma privatização, mas é um risco. Concessão, uma vez que [as empresas] estão instaladas, vira propriedade. É verdade aos poucos estão mapeando, cadastrando toda a Amazônia, mas entregar concessões de 40 ou 60 anos é consolidar situações. Quem garante que a reposição da floresta vai ser feita? Não vai ter gente para fiscalizar. A intenção pode ser boa, mas tenho muitas dúvidas.
Você mencionou alguns avanços em políticas ambientais nos últimos anos. Isso seria uma base para o segundo governo com avanços e consolidações?
Não é suficiente. O que eu mencionei são algumas coisinhas, que são importantes para quem está no Ministério. Porque, claro, eles estão tentando batalhar. O que se fez é insuficiente para dar bases para construir um projeto para o segundo governo e dizer: “já avançamos um pouco, vamos avançar mais”. É diferente em outros ministérios, em que temos bases. Se comparar com o Ministério das Cidades, o Desenvolvimento Social, o Desenvolvimento Agrário, eu vejo menos avanços no Ministério do Meio Ambiente.
Para esse segundo governo, quais seriam as estratégias de política ambiental?
De qualquer modo, é guerra de posições; é saber que é uma luta de resistências, porque não vejo condição, no contexto atual, de conseguir barrar todo o avanço da destruição ambiental. Precisamos fazer a guerra de retaguarda. Muita coisa que está se fazendo está fora da legalidade. Então, é lutar e brigar pela legalidade e, além disso, brigar para dizer que eles não estão medindo o impacto da destruição. O Ministério Público Federal é a única instituição coerente nesta luta. É incrível que, quando se está no Executivo, se está pronto para negociar também a lei, a legislação. Então, para combater isso, tem que ter uma certa distância. Se você está totalmente envolvido no jogo de negociação, acaba esquecendo que tem leis e direitos.
Como a sociedade civil organizada e o movimento socioambiental podem se posicionar de uma forma mais pró-ativa, menos subserviente?
O movimento social tem que adotar um recuo em relação ao governo, ser mais firme e dizer que não aceita tudo. Dizer que existem condições mínimas sem as quais se perde a dignidade. Depois sim, vai negociar, é normal. Mas a partir de uma posição. Eu arrisco dizer que é possível que saiam [as hidrelétricas] do Rio Madeira e de Belo Monte, mas temos que dizer que os prejuízos e impactos não são “coisinhas”. E aí precisamos criar as exigências. Energia hoje custa caro, então o governo tem que pagar o preço de apoiar a produção, e as empresas têm que pagar o preço de consumir a energia. Mas o eco disso é pouco. A gente tem a sensação de que está no deserto, de que se desenvolve um ambientalismo de resultado que diz: “podemos conseguir isso, vamos negociar com as empresas. Vamos deixar as empresas lá, porque se conseguirmos essa área de conservação está ótimo”. A gente não deve esquecer a posição do governo desenvolvimentista e essas alianças que vão dizer que o meio ambiente não tem importância, porque se está trabalhando em prol do desenvolvimento. Vai se criar um efeito que será repercutido em várias esferas e níveis do poder, o que me torna ainda mais pessimista e mais preocupado.
Natalia Suzuki e Verena Glass
'Não vejo condição, no contexto atual, de barrar o avanço da destruição ambiental' - 15/11/2006 Local: São Paulo - SP
Para Jean-Pierre Leroy, um dos mais respeitados ambientalistas do país, falta ao governo compreensão sobre a importância da preservação ambiental. Ele pede mais pressão por parte dos movimentos no 2º mandato. A área ambiental, assim como o Ministério do Meio Ambiente, realmente não foi um dos setores mais festejados ou acariciados neste primeiro mandato de Lula. Pelo contrário. Tanto entre os setores produtivos quanto no interior do próprio governo, a questão ambiental e o cumprimento da legislação foram repetidamente taxados como “fatores retardadores do desenvolvimento”, principalmente quando se antepuseram aos projetos infra-estruturais de grande impacto socioambiental (hidrelétricas, estradas, transposição do São Francisco etc).
A dificuldade de elaboração, por parte do governo, de um projeto nacional que não impacte o meio ambiente como preço a pagar pelo desenvolvimento – considere-se aí também os grandes investimentos no agronegócio, principal vetor do desmatamento da Amazônia e do cerrado, por exemplo – causou bastante descontentamento entre setores da sociedade civil organizada. Mas, por outro lado, faltou, por parte do movimento socioambiental, uma atuação mais firme que impulsionasse políticas para o setor e elevasse a questão ambiental ao patamar de prioridade nacional.
É nesta direção que o ambientalista Jean-Pierre Leroy, coordenador do Projeto Brasil Sustentável e Democrático da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), caminha em sua avaliação sobre os resultados da gestão ambiental do país nos últimos quatro anos.
Nascido na França e residente no Brasil há mais de 30 anos, Jean-Pierre dedicou sua vida à luta socioambiental nos mais diferentes espaços, sempre ligado aos movimentos sociais. Morou por muitos anos no Pará, onde conheceu de perto os conflitos do Estado com maior índice de violência no campo, e foi, até o ano passado, Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Desca (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais).
Como o senhor analisa a gestão da área ambiental no primeiro mandato do governo Lula?
O tratamento dado à questão ambiental foi totalmente secundário. A nomeação da [ministra] Marina [Silva] foi mais uma sinalização para o exterior do que para o Brasil. Quer dizer, a Amazônia foi tratada como algo importante para o Brasil, mas, fora isso, eu diria que não houve sinalização de que o meio ambiente seria considerado. Como dentro do PT havia um forte movimento ambientalista, eu acho que as pessoas se iludiram; nós nos iludimos, achando que a proposta do governo poderia realmente dar importância ao meio ambiente. Mas sempre foquei a minha crítica não no Ministério do Meio Ambiente (MMA), mas no centro do PT . Na minha opinião, já era muito claro que teríamos que focar o coração do poder. O balanço que eu faço, então, é bastante negativo. Não só porque não se prestigiou [a questão ambiental], mas porque se perdeu muito em relação aos projetos.
Mas e as repetidas críticas de que o cumprimento da legislação ambiental e a ação do MMA acabaram atrasando o chamado progresso do país? Como avalia a ação do Ministério neste setor?
Acredito que só não perdemos a briga com os mega-projetos de infra-estrutura [de grande impacto socioambiental] porque faltou dinheiro para investimento neles. Para a previsão de hidrelétricas, por exemplo, faltou gás para poder realizar; e, ao mesmo tempo, houve uma certa divergência interna no governo. Isso ajudou a emperrar as coisas, senão também teríamos perdido tudo, quase tudo. Apenas não se perdeu no plano da luta contra o desmatamento da Amazônia. Graças ao impacto da divulgação do desmatamento em 2004 para 2005, que atingiu 27 mil quilômetros quadrados, e da morte da irmã Dorothy Stang (freira norte-americana assassinada em 2001 no Pará em função do conflito de terras), foi que se tomaram algumas medidas, como esse mosaico de unidades de conservação na Terra do Meio, no Pará e o tratamento dado ao entorno da BR 163, a Cuiabá-Santarém. Mas se não fosse isso, não acontecia nada .
A que você remete a dificuldade do governo petista de entender a importância da questão ambiental?
Parece que o governo procurou colocá-la sempre na mesa de negociação...Eu freqüentava a Comissão de Meio Ambiente do PT. Eu ficava impressionado, porque estávamos sempre entre nós, entre os mesmos, um clube dos ambientalistas. Antes mesmo antes de o governo Lula assumir, eu já estava muito preocupado, porque eu achava que formávamos um gueto e que a sensibilidade ambiental era coisa nula no partido. Na CUT, por exemplo, a Comissão de Meio Ambiente era uma coisa isolada, e a cúpula nunca se interessou pela questão. Eu acho que, em parte, porque a tradição dos metalúrgicos não preparava para isso. Persistiu a concepção de que o Brasil é uma terra a ocupar, e aí vem essa tradição, essa cultura urbana industrial e a vontade de desenvolver, que não é só a dele [Lula] ou a de um grupo do poder, mas é a da maioria da população. E tem a questão das alianças. Quando se investe no interior [do Brasil], precisa-se de alianças políticas. O que tem de mais rasteiro na política são esses políticos regionais, os novos coronéis do Norte, onde territórios viraram estados sem ter sociedade, como em Roraima, Amapá, Rondônia. Ao combinar essa tradição, a necessidade de aliança política com uma vontade desenvolvimentista, achando que só assim se conseguiria fazer recuar a pobreza, dá no que dá.
Como avalia a atuação e a relação da sociedade civil e dos movimentos com o governo Lula?
Os chamados movimentos sociais, primeiro, foram enfraquecidos com a adesão da CUT ao governo, com o fato de que ela era a principal base de apoio do governo na sociedade, e que muitos dirigentes sindicais foram contemplados com cargos no Executivo, conselhos de empresas, etc. O segundo ponto é que nós realmente apostamos no governo. Muitas ONGs e movimentos sociais trabalharam para eleger Lula, e lhe deram uma chance no começo. Ao mesmo tempo, muitos dos nossos amigos estavam nos ministérios: no do Meio Ambiente, no do Desenvolvimento Agrário, no das Cidades. Com isso, nós, a sociedade civil, não cumprimos bem o nosso papel. Agora, é bom dizer que houve um refluxo. Na época da Eco 92, se teve a sensação de que a compreensão do que significava o meio ambiente estava incorporada pelos movimentos e organizações, mas não foi bem assim. Não havia, no fundo, um movimento sócio-ambiental para dizer: “temos que mudar”. E, aos poucos, se viu voltar o movimento conservacionista com uma certa força, sem que conseguíssemos somar. De repente parecia que o meio ambiente era uma coisa só deles e das empresas, que vão defendê-lo com seus projetos, lobbys e imagens. Com os conservacionistas aliados a essas empresas, e a dispersão das entidades socioambientalistas, houve um enfraquecimento muito grande do campo da sociedade civil.Ao contrário do que aconteceu com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, constantemente pressionado pelos movimentos de trabalhadores, o Ministério do Meio Ambiente ficou mais protegido.
Foi realmente construída uma redoma entorno da Marina Silva?
Foi um erro nosso, e foi ruim para o Ministério do Meio Ambiente. Mas o movimento ambientalista não conseguiria pressionar como movimento social. Ele é muito disperso. São centenas de pequenos grupos e pequenas ONGs, e [o movimento ambientalista] tinha perdido justamente a participação real de movimentos sociais. É difícil ser parceiro do Ministério, receber e gerir projetos que vem do governo, e ao mesmo tempo continuar sendo um movimento político. Quase todos nós vivemos essa contradição, alguns mais do que outros, porque com a negociação de projetos a relação ameaçava de se tornar clientelista. É por isso que eu digo que tinha que questionar o núcleo do poder e, ao mesmo tempo, lembrar que, de um certo modo, o MMA era um reflexo desse governo que não dá importância [para a questão ambiental].
Qual a sua avaliação sobre a Lei de Gestão de Florestas, que permitirá o arrendamento de florestas públicas na Amazônia para a iniciativa privada, como forma de brecar o desmatamento?Você acha que isso vai barrar a exploração ilegal de madeira?
A primeira crítica que fiz ao projeto foi que, em tese, pode ser muito bonito, mas olha o que acontece e o que sempre aconteceu com o desmatamento ilegal. Onde vai ter gente para fiscalizar? Para bloquear os que estão na ilegalidade, fiscalizar os que vão ter as concessões? Em tese, a Lei de Gestão de Florestas não é uma privatização, mas é um risco. Concessão, uma vez que [as empresas] estão instaladas, vira propriedade. É verdade aos poucos estão mapeando, cadastrando toda a Amazônia, mas entregar concessões de 40 ou 60 anos é consolidar situações. Quem garante que a reposição da floresta vai ser feita? Não vai ter gente para fiscalizar. A intenção pode ser boa, mas tenho muitas dúvidas.
Você mencionou alguns avanços em políticas ambientais nos últimos anos. Isso seria uma base para o segundo governo com avanços e consolidações?
Não é suficiente. O que eu mencionei são algumas coisinhas, que são importantes para quem está no Ministério. Porque, claro, eles estão tentando batalhar. O que se fez é insuficiente para dar bases para construir um projeto para o segundo governo e dizer: “já avançamos um pouco, vamos avançar mais”. É diferente em outros ministérios, em que temos bases. Se comparar com o Ministério das Cidades, o Desenvolvimento Social, o Desenvolvimento Agrário, eu vejo menos avanços no Ministério do Meio Ambiente.
Para esse segundo governo, quais seriam as estratégias de política ambiental?
De qualquer modo, é guerra de posições; é saber que é uma luta de resistências, porque não vejo condição, no contexto atual, de conseguir barrar todo o avanço da destruição ambiental. Precisamos fazer a guerra de retaguarda. Muita coisa que está se fazendo está fora da legalidade. Então, é lutar e brigar pela legalidade e, além disso, brigar para dizer que eles não estão medindo o impacto da destruição. O Ministério Público Federal é a única instituição coerente nesta luta. É incrível que, quando se está no Executivo, se está pronto para negociar também a lei, a legislação. Então, para combater isso, tem que ter uma certa distância. Se você está totalmente envolvido no jogo de negociação, acaba esquecendo que tem leis e direitos.
Como a sociedade civil organizada e o movimento socioambiental podem se posicionar de uma forma mais pró-ativa, menos subserviente?
O movimento social tem que adotar um recuo em relação ao governo, ser mais firme e dizer que não aceita tudo. Dizer que existem condições mínimas sem as quais se perde a dignidade. Depois sim, vai negociar, é normal. Mas a partir de uma posição. Eu arrisco dizer que é possível que saiam [as hidrelétricas] do Rio Madeira e de Belo Monte, mas temos que dizer que os prejuízos e impactos não são “coisinhas”. E aí precisamos criar as exigências. Energia hoje custa caro, então o governo tem que pagar o preço de apoiar a produção, e as empresas têm que pagar o preço de consumir a energia. Mas o eco disso é pouco. A gente tem a sensação de que está no deserto, de que se desenvolve um ambientalismo de resultado que diz: “podemos conseguir isso, vamos negociar com as empresas. Vamos deixar as empresas lá, porque se conseguirmos essa área de conservação está ótimo”. A gente não deve esquecer a posição do governo desenvolvimentista e essas alianças que vão dizer que o meio ambiente não tem importância, porque se está trabalhando em prol do desenvolvimento. Vai se criar um efeito que será repercutido em várias esferas e níveis do poder, o que me torna ainda mais pessimista e mais preocupado.
Natalia Suzuki e Verena Glass
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