domingo, dezembro 31, 2006

UMA IMAGEM

Rio, 31.12.06

O ano termina e não consegui tirar da minha cabeça a imagem da Ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Grace, sendo quase sequestrada na Linha Vermelha quando vinha de Brasília para o Rio no início deste mês. Teve seu carro roubado, ficou a pé ao lado de seu colega, o ministro Gilmar Mendes, sem mala, sem nada, até ser socorrida pelos seus seguranças que vinham atrás. É claro que muitas pessoas foram assaltadas ali naquela noite, embora só o caso deles tenha sido divulgado.

Duas coisas me deixaram atônita. A primeira, foi o fato da Ministra não ter dito nada. Ou melhor, disse que isso poderia ter acontecido em qualquer lugar do mundo. E a segunda foi a Polícia Federal dizer que ela deveria ter pedido escolta do aeroporto ao centro da cidade.

Se a mais alta autoridade do sistema judiciário do país - quarta na linha de sucessão da presidência - passa por esse constrangimento, inclusive com risco de vida, e não fala nada, não cobra das autoridades nem exige segurança no país, nós cidadãos comuns estamos completamente perdidos. Pior ainda é imaginar que para trafegar com segurança é necessário uma escolta da Polícia, algo ainda mais distante da vida das pessoas normais que trabalham, pagam os impostos e vivem na mais completa insegurança. É demais!

A violência que tomou conta do país é assustadora porque é baseada em atos de covardia. Pessoas indefesas estão sendo assassinadas brutal e covardemente. O que pode fazer uma pessoa que de repente vê alguém colocando foto no ônibus onde viaja? Assim é fácil deixar uma cidade acuada, principalmente porque ninguém conta mesmo com a proteção do Estado, o primeiro a se omitir. Ficam todos calados, paralisados, atônitos, inconformados e sem chance de fazer alguma coisa. É uma violência covarde que mata velhos, crianças e mulheres indefesos sem dar a eles qualquer chance de reagir.

Não é possível que o país continue refém da falta de decisão, preparo e inteligência para lidar com uma questão que não é privilégio do Brasil, com certeza, mas que pode ser enfrentada como outros países já demonstraram.

A omissão do poder público culminou com os ataques do final do ano e a ridícula troca de opiniões, ao vivo, a respeito das causas. Os eleitos que se apressem a por ordem na casa que ninguém aguenta mais. 2006 acabou com esta trágica marca que espero não contamine as expectativas que sempre acompanham o início de um novo ciclo.

domingo, novembro 26, 2006

NOTA DE REPÚDIO

Nota de repúdio às declarações do presidente Lula
24/11/2006

A declaração do Presidente da República de que as questões dos índios, quilombolas, ambientalistas e Ministério Público travam o desenvolvimento do País, causa-nos profunda indignação.

Informações do próprio governo atestam que a morosidade na tramitação de alguns projetos de infra-estrutura se deve à sua má qualidade ambiental, ao não-cumprimento de prazos por parte dos empreendedores e à insuficiência de quadros e de recursos nos órgãos públicos responsáveis pelo licenciamento. “Destravar” o desenvolvimento não deveria significar a supressão de direitos ou de garantias legais, e sim a superação de fragilidades técnicas dos empreendedores e do governo.

Ao atacar minorias. o Presidente recorre a um pretexto obviamente inconsistente e comete inominável injustiça.

O exercício da função de fiscal da lei pelo Ministério Público só pode ocasionar eventual atraso na implementação de projetos de infra-estrutura quando é acolhido por decisões do Poder Judiciário, que aos governantes, em regime democrático, cabe cumprir.

A todos interessa o desenvolvimento do País, que não é apenas crescimento econômico, lição aprendida desde os tempos da ditadura.

Estamos à disposição do Presidente para um diálogo franco e direto sobre o interesse comum pelo desenvolvimento em sentido amplo.

DESENVOLVIMENTO, SIM. DE QUALQUER JEITO, NÃO.

1- Amigos da Terra - Amazônia Brasileira
2- Angico
3- Associação Brasileira de ONGs – ABONG
4- Associação Camponesa - ACA
5- Associação de Preservação do Alto Vale do Itajaí - APREMAVI
6- Associação de Trabalhadores Rurais do Vale do Corda
7- Associação dos Professores De Direito Ambiental Do Brasil - APRODAB
8- Associação Mineira de Defesa do Ambiente - AMDA
9- Associação Pernambucana de Defesa da Natureza – ASPAN
10- Associação Protetora da Diversidade das Espécies - PROESP
11- Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica
12- Centro de Estudos e Exploração Sustentável do Cerrado - CENESC
13- Centro Experimental de Educação Ambiental - CEDEA
14- Conselho Indigenista Missionário – CIMI
15- Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
16- Ecologia & Ação – ECOA
17- Esplar - Centro de Pesquisa e assessoria
18- Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)
19- Fórum Carajás
20- Fórum Paulista de Mudanças Climáticas e Biodiversidade – FPMCB
21- Fundação Centro Brasileiro de Referência Cultural – CEBRAC
22- Fundação SOS Mata Atlântica
23- Grupo Ambientalista da Bahia – GAMBA
24- Grupo de Trabalho Amazonico – GTA (600 filiadas)
25- Instituto Ambiental Vidágua
26- Instituto Brasileiro De Advocacia Pública - IBAP
27- Instituto Centro Vida – ICV
28- Instituto Ethos
29- Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
30- Instituto Ecoar para Cidadania – ECOAR
31- Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
32- Instituto Physis - Cultura & Ambiente
33- Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
34- Instituto Socioambiental – ISA
35- ISABI - Instituto Socioambiental da Baía da Ilha Grande
36- Kanindé - Associação de Defesa Etnoambiental
37- Mater Natura - Instituto de Estudos Ambientais
38- Núcleo Amigos da Terra / Brasil
39- OCA Brasil
40- ONG Projeto MIRA-SERRA (RS)
41- Pesquisa e Conservação do Cerrado - Pequi
42- Projeto Brasil Sustentavel e Democratico/FASE
43- Projeto Saúde e Alegria
44- Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multialterais
45- Rede Cerrado (300 filiadas)
46- Rede Mata Atlântica (300 filiadas)
47- Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem – SPVS
48- SOS Amazônia
49- TERRÆ Organização Da Sociedade Civil
50- Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz
51- WWF Brasil

DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

O lugar do meio ambiente no governo Lula

Foi muito oportuna a fala do presidente Lula sobre os entraves ao desenvolvimento, porque ocorreu em um momento de transição entre uma gestão e outra e sinaliza claramente - ao contrário do início da primeira gestão - o pensamento do PT sobre meio ambiente. O PT não só não entende nada do assunto como tem uma visão preconceituosa, atrasada e desinformada. Marina Silva e sua equipe constituem uma rara exceção dentro do PT, razão pela qual foi tão difícil executar a idéia da transversalidade.

Se, no programa de governo do Lula para a Amazônia, que ajudei a escrever, nos propusemos a definir "o lugar da Amazônia no desenvolvimento do país", agora é hora de perguntar: "afinal, qual é o lugar do meio ambiente no governo Lula?" Colocar a legislação ambiental como um entrave ao desenvolvimento - ao lado dos juros altos, da corrupção, da carga tributária, da simples falta de idéias - nos remete à década de 70 quando o mundo começava a acordar para os custos ambientais do desenvolvimento e os representantes do Brasil, na Conferência de Estocolmo em 72, disseram que o país não podia discutir o meio ambiente porque precisava da poluição, que era sinal de progresso.

Essa posição também remete à política de Bush contra o Protoloco de Kyoto, cuja adesão afetaria os interesses econômicos dos grupos que o apóiam, mesmo com todas as evidências científicas das mudanças climáticas e sem se preocupar com o risco para o planeta e as pessoas, em todo o mundo, decorrentes desta posição.

Foi muito oportuna também a reação das entidades da sociedade civil, cujo manifesto está publicado a seguir. Afinal, pelos laços históricos com o PT e com a ministra Marina, as ONGs deixaram de cumprir seu papel de vigilantes autônomos e independentes do interesse público. Não importa quem esteja no poder nem de onde vêm os recursos, o papel das entidades da sociedade civil é de independência e de cobrança, caso contrário o poder se fecha sobre si mesmo. As estruturas de poder existem para se reproduzir e quem assume um cargo precisa se ajustar à estrutura, até para poder fazê-la funcionar na direção que deseja. E é a sociedade cobrando, apoiando também, de forma independente, que assegura o avanço. Não o contrário.

Depois de tantos anos de esforços para levar a questão ambiental para dentro das estruturas de poder, para conseguir mudanças estruturais fundamentais para implantar soluções inovadoras na Amazônia - que custaram a vida de antigos companheiros do Lula e do PT - soa ridículo imaginar que nada disso aconteceu e que, quando um presidente tem a oportunidade de realizar aquilo que seus companheiros defenderam à custa da própria vida, simplesmente diz que não é com ele.

Se o presidente Lula não sabe, devia ser informado, que há muito tempo esse modelo de desenvolvimento baseado em estradas rasgadas na selva, poluição nas cidades tipo Cubatão, lixo sem destino, grandes hidrelétricas tipo Balbina - há muito tempo esse modelo de desenvolvimento vem sendo superado por outro - que se dá com respeito ao meio ambiente, aos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais e, o que é mais importante, influenciando a forma convencional de gerar riquezas.

E exemplos existem em todos os partidos, em todos os países, de projetos de desenvolvimento que estão indo muito bem, trazendo crescimento, gerando renda sem precisar destruir. Do Paraná ao Acre, do Amazonas à Califórnia, o desafio é fazer as leis mais eficientes e transformar os problemas ambientais em formas de geração de renda.

O meio ambiente e o pobres

Outra tese presente no discurso do presidente Lula que também é arcaica é a de que os pobres - no caso os quilombolas - atrasam o progresso. De novo, está retomando uma idéia preciosa ao governo militar, que resultou em projetos genocidas aos índios, que expulsou posseiros, até que os pobres reagiram e, sob a liderança de Chico Mendes, fizeram uma reforma agrária inovadora que juntou a defesa do meio ambiente com o reconhecimento dos direitos de posse. E no lugar de ter um monte de seringueiros vivendo na periferia das cidades hoje, temos famílias crescendo e tendo novas oportunidades a partir da floresta.

Idéias como essa - que radicalmente mudam o enfoque do meio ambiente e do desenvolvimento - é que deveriam estar na mesa do presidente Lula. Como erradicar a pobreza, impusionar o desenvolvimento do país, valorizando o meio ambiente - essa é a questão central.

Por que não fazer uma política massiva de inclusão social associada à solução de problemas ambientais? Porque não tirar todos os impostos das atividades de reciclagem , por exemplo, uma vez que os produtos, em sua vida útil, já pagaram todos os impostos devidos? Porque não fazer um grande programa de reflorestamente para inserir no mercado de carbono? Porque não convocar os ambientalistas para trazer soluções sustentáveis para desentravar o desenvolvimento do país?

Grandes obras

Já o problema das grandes obras de infra-estrutura, paralisadas por problemas de licenciamento, a questão é diferente. Algumas obras sequer deveriam ser planejadas, outras respondem a interesses restritos, e algumas poucas são de real interesse público. O interesse de alguns grupos restritos com poder econômico se sobrepõe sobre o interesse da maioria da sociedade. E Lula, que brigou tanto para ver os pobres sendo respeitados, deveria ser o primeiro a fazer essa pergunta e juntar esforços com as ONGs para clarificar quem de fato se beneficia com obras tidas como prioritárias e de interesse nacional.

O Acre é exemplo

O Acre, governado pelo PT, é exemplo de como se pode fazer as coisas de forma certa. O Estado está crescendo 5% ao ano, tem 46% de seu território protegido com unidades de conservação e terras indígenas, está asfaltando estradas seguindo a legislação ambiental, criando florestas públicas de produção no entorno para evitar especulação fundiária, tem suas contas públicas sob controle, capta recursos nacionais e internacionais e executa com responsabilidade, melhorou a qualidade de vida urbana e na floresta. E, mais importante, chamou para si a responsabilidade de convencer pecuaristas e madeireiros de que é mais vantajoso trabalhar na legalidade e no respeito à legislação ambiental. E conseguiu!

Exemplo nacional

Espera-se de um Presidente da República que valorize e respeite as leis. Especialmente em temas que custaram muito à sociedade: meio ambiente e comunidades tradicionais. Temas que vêm sendo valorizados na escola, ensinados na televisão, divulgados o tempo todo na internet. Temas que hoje fazem parte da agenda das gerações futuras. Enquanto o mundo inteiro reconhece esses avanços no Brasil e discute os efeitos das mudanças climáticas, o nosso presidente volta à década de 70!

Momento oportuno

É mesmo oportuno o momento para clarear posições e reorganizar o meio de campo.
É fundamental fazer um balanço do que se alcançou até aqui. A política de não ser contra estradas nem hidrelétricas, sob o pressuposto de que se pode fazer obras de forma correta e respeitando a lei - somente pode ser reafirmada, se houver rigoroso respeito à lei. Caso contrário, é preciso voltar à posição anterior e passar a questionar as obras em si mesmas, como já fizemos no passado para, depois de muita disputa, se conseguir o respeito àquilo que deveria ter sido o ponto de partida. A política adotada nos últimos quatro anos, e seus reflexos sob a postura das ONGs, precisam ser urgentemente revistos.

sexta-feira, novembro 17, 2006

ENFIM, UMA ANÁLISE LÚCIDA

Leia o artigo de Jean-Pierre Leroy sobre os desafios da questão ambiental na segunda gestão do governo Lula. Fonte: Agência Carta Maior Link: http://agenciacartamaior.uol.com.br/

'Não vejo condição, no contexto atual, de barrar o avanço da destruição ambiental' - 15/11/2006 Local: São Paulo - SP

Para Jean-Pierre Leroy, um dos mais respeitados ambientalistas do país, falta ao governo compreensão sobre a importância da preservação ambiental. Ele pede mais pressão por parte dos movimentos no 2º mandato. A área ambiental, assim como o Ministério do Meio Ambiente, realmente não foi um dos setores mais festejados ou acariciados neste primeiro mandato de Lula. Pelo contrário. Tanto entre os setores produtivos quanto no interior do próprio governo, a questão ambiental e o cumprimento da legislação foram repetidamente taxados como “fatores retardadores do desenvolvimento”, principalmente quando se antepuseram aos projetos infra-estruturais de grande impacto socioambiental (hidrelétricas, estradas, transposição do São Francisco etc).

A dificuldade de elaboração, por parte do governo, de um projeto nacional que não impacte o meio ambiente como preço a pagar pelo desenvolvimento – considere-se aí também os grandes investimentos no agronegócio, principal vetor do desmatamento da Amazônia e do cerrado, por exemplo – causou bastante descontentamento entre setores da sociedade civil organizada. Mas, por outro lado, faltou, por parte do movimento socioambiental, uma atuação mais firme que impulsionasse políticas para o setor e elevasse a questão ambiental ao patamar de prioridade nacional.

É nesta direção que o ambientalista Jean-Pierre Leroy, coordenador do Projeto Brasil Sustentável e Democrático da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), caminha em sua avaliação sobre os resultados da gestão ambiental do país nos últimos quatro anos.

Nascido na França e residente no Brasil há mais de 30 anos, Jean-Pierre dedicou sua vida à luta socioambiental nos mais diferentes espaços, sempre ligado aos movimentos sociais. Morou por muitos anos no Pará, onde conheceu de perto os conflitos do Estado com maior índice de violência no campo, e foi, até o ano passado, Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Desca (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais).
Como o senhor analisa a gestão da área ambiental no primeiro mandato do governo Lula?
O tratamento dado à questão ambiental foi totalmente secundário. A nomeação da [ministra] Marina [Silva] foi mais uma sinalização para o exterior do que para o Brasil. Quer dizer, a Amazônia foi tratada como algo importante para o Brasil, mas, fora isso, eu diria que não houve sinalização de que o meio ambiente seria considerado. Como dentro do PT havia um forte movimento ambientalista, eu acho que as pessoas se iludiram; nós nos iludimos, achando que a proposta do governo poderia realmente dar importância ao meio ambiente. Mas sempre foquei a minha crítica não no Ministério do Meio Ambiente (MMA), mas no centro do PT . Na minha opinião, já era muito claro que teríamos que focar o coração do poder. O balanço que eu faço, então, é bastante negativo. Não só porque não se prestigiou [a questão ambiental], mas porque se perdeu muito em relação aos projetos.

Mas e as repetidas críticas de que o cumprimento da legislação ambiental e a ação do MMA acabaram atrasando o chamado progresso do país? Como avalia a ação do Ministério neste setor?
Acredito que só não perdemos a briga com os mega-projetos de infra-estrutura [de grande impacto socioambiental] porque faltou dinheiro para investimento neles. Para a previsão de hidrelétricas, por exemplo, faltou gás para poder realizar; e, ao mesmo tempo, houve uma certa divergência interna no governo. Isso ajudou a emperrar as coisas, senão também teríamos perdido tudo, quase tudo. Apenas não se perdeu no plano da luta contra o desmatamento da Amazônia. Graças ao impacto da divulgação do desmatamento em 2004 para 2005, que atingiu 27 mil quilômetros quadrados, e da morte da irmã Dorothy Stang (freira norte-americana assassinada em 2001 no Pará em função do conflito de terras), foi que se tomaram algumas medidas, como esse mosaico de unidades de conservação na Terra do Meio, no Pará e o tratamento dado ao entorno da BR 163, a Cuiabá-Santarém. Mas se não fosse isso, não acontecia nada .

A que você remete a dificuldade do governo petista de entender a importância da questão ambiental?
Parece que o governo procurou colocá-la sempre na mesa de negociação...Eu freqüentava a Comissão de Meio Ambiente do PT. Eu ficava impressionado, porque estávamos sempre entre nós, entre os mesmos, um clube dos ambientalistas. Antes mesmo antes de o governo Lula assumir, eu já estava muito preocupado, porque eu achava que formávamos um gueto e que a sensibilidade ambiental era coisa nula no partido. Na CUT, por exemplo, a Comissão de Meio Ambiente era uma coisa isolada, e a cúpula nunca se interessou pela questão. Eu acho que, em parte, porque a tradição dos metalúrgicos não preparava para isso. Persistiu a concepção de que o Brasil é uma terra a ocupar, e aí vem essa tradição, essa cultura urbana industrial e a vontade de desenvolver, que não é só a dele [Lula] ou a de um grupo do poder, mas é a da maioria da população. E tem a questão das alianças. Quando se investe no interior [do Brasil], precisa-se de alianças políticas. O que tem de mais rasteiro na política são esses políticos regionais, os novos coronéis do Norte, onde territórios viraram estados sem ter sociedade, como em Roraima, Amapá, Rondônia. Ao combinar essa tradição, a necessidade de aliança política com uma vontade desenvolvimentista, achando que só assim se conseguiria fazer recuar a pobreza, dá no que dá.

Como avalia a atuação e a relação da sociedade civil e dos movimentos com o governo Lula?
Os chamados movimentos sociais, primeiro, foram enfraquecidos com a adesão da CUT ao governo, com o fato de que ela era a principal base de apoio do governo na sociedade, e que muitos dirigentes sindicais foram contemplados com cargos no Executivo, conselhos de empresas, etc. O segundo ponto é que nós realmente apostamos no governo. Muitas ONGs e movimentos sociais trabalharam para eleger Lula, e lhe deram uma chance no começo. Ao mesmo tempo, muitos dos nossos amigos estavam nos ministérios: no do Meio Ambiente, no do Desenvolvimento Agrário, no das Cidades. Com isso, nós, a sociedade civil, não cumprimos bem o nosso papel. Agora, é bom dizer que houve um refluxo. Na época da Eco 92, se teve a sensação de que a compreensão do que significava o meio ambiente estava incorporada pelos movimentos e organizações, mas não foi bem assim. Não havia, no fundo, um movimento sócio-ambiental para dizer: “temos que mudar”. E, aos poucos, se viu voltar o movimento conservacionista com uma certa força, sem que conseguíssemos somar. De repente parecia que o meio ambiente era uma coisa só deles e das empresas, que vão defendê-lo com seus projetos, lobbys e imagens. Com os conservacionistas aliados a essas empresas, e a dispersão das entidades socioambientalistas, houve um enfraquecimento muito grande do campo da sociedade civil.Ao contrário do que aconteceu com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, constantemente pressionado pelos movimentos de trabalhadores, o Ministério do Meio Ambiente ficou mais protegido.

Foi realmente construída uma redoma entorno da Marina Silva?
Foi um erro nosso, e foi ruim para o Ministério do Meio Ambiente. Mas o movimento ambientalista não conseguiria pressionar como movimento social. Ele é muito disperso. São centenas de pequenos grupos e pequenas ONGs, e [o movimento ambientalista] tinha perdido justamente a participação real de movimentos sociais. É difícil ser parceiro do Ministério, receber e gerir projetos que vem do governo, e ao mesmo tempo continuar sendo um movimento político. Quase todos nós vivemos essa contradição, alguns mais do que outros, porque com a negociação de projetos a relação ameaçava de se tornar clientelista. É por isso que eu digo que tinha que questionar o núcleo do poder e, ao mesmo tempo, lembrar que, de um certo modo, o MMA era um reflexo desse governo que não dá importância [para a questão ambiental].

Qual a sua avaliação sobre a Lei de Gestão de Florestas, que permitirá o arrendamento de florestas públicas na Amazônia para a iniciativa privada, como forma de brecar o desmatamento?Você acha que isso vai barrar a exploração ilegal de madeira?
A primeira crítica que fiz ao projeto foi que, em tese, pode ser muito bonito, mas olha o que acontece e o que sempre aconteceu com o desmatamento ilegal. Onde vai ter gente para fiscalizar? Para bloquear os que estão na ilegalidade, fiscalizar os que vão ter as concessões? Em tese, a Lei de Gestão de Florestas não é uma privatização, mas é um risco. Concessão, uma vez que [as empresas] estão instaladas, vira propriedade. É verdade aos poucos estão mapeando, cadastrando toda a Amazônia, mas entregar concessões de 40 ou 60 anos é consolidar situações. Quem garante que a reposição da floresta vai ser feita? Não vai ter gente para fiscalizar. A intenção pode ser boa, mas tenho muitas dúvidas.

Você mencionou alguns avanços em políticas ambientais nos últimos anos. Isso seria uma base para o segundo governo com avanços e consolidações?
Não é suficiente. O que eu mencionei são algumas coisinhas, que são importantes para quem está no Ministério. Porque, claro, eles estão tentando batalhar. O que se fez é insuficiente para dar bases para construir um projeto para o segundo governo e dizer: “já avançamos um pouco, vamos avançar mais”. É diferente em outros ministérios, em que temos bases. Se comparar com o Ministério das Cidades, o Desenvolvimento Social, o Desenvolvimento Agrário, eu vejo menos avanços no Ministério do Meio Ambiente.

Para esse segundo governo, quais seriam as estratégias de política ambiental?
De qualquer modo, é guerra de posições; é saber que é uma luta de resistências, porque não vejo condição, no contexto atual, de conseguir barrar todo o avanço da destruição ambiental. Precisamos fazer a guerra de retaguarda. Muita coisa que está se fazendo está fora da legalidade. Então, é lutar e brigar pela legalidade e, além disso, brigar para dizer que eles não estão medindo o impacto da destruição. O Ministério Público Federal é a única instituição coerente nesta luta. É incrível que, quando se está no Executivo, se está pronto para negociar também a lei, a legislação. Então, para combater isso, tem que ter uma certa distância. Se você está totalmente envolvido no jogo de negociação, acaba esquecendo que tem leis e direitos.

Como a sociedade civil organizada e o movimento socioambiental podem se posicionar de uma forma mais pró-ativa, menos subserviente?
O movimento social tem que adotar um recuo em relação ao governo, ser mais firme e dizer que não aceita tudo. Dizer que existem condições mínimas sem as quais se perde a dignidade. Depois sim, vai negociar, é normal. Mas a partir de uma posição. Eu arrisco dizer que é possível que saiam [as hidrelétricas] do Rio Madeira e de Belo Monte, mas temos que dizer que os prejuízos e impactos não são “coisinhas”. E aí precisamos criar as exigências. Energia hoje custa caro, então o governo tem que pagar o preço de apoiar a produção, e as empresas têm que pagar o preço de consumir a energia. Mas o eco disso é pouco. A gente tem a sensação de que está no deserto, de que se desenvolve um ambientalismo de resultado que diz: “podemos conseguir isso, vamos negociar com as empresas. Vamos deixar as empresas lá, porque se conseguirmos essa área de conservação está ótimo”. A gente não deve esquecer a posição do governo desenvolvimentista e essas alianças que vão dizer que o meio ambiente não tem importância, porque se está trabalhando em prol do desenvolvimento. Vai se criar um efeito que será repercutido em várias esferas e níveis do poder, o que me torna ainda mais pessimista e mais preocupado.

Natalia Suzuki e Verena Glass

segunda-feira, outubro 30, 2006

BIBLIOTECA DA FLORESTA

Governo do Estado do Acre

Biblioteca da Floresta

A Amazônia do século 21 tem múltiplas faces: sociedades desconhecidas imersas na floresta densa se protegem no auto-isolamento; indústrias de alta tecnologia convivem com a extração e coleta de produtos nativos; frentes de expansão abrem enormes clareiras para extrair rapidamente riquezas milenares; alguns governos privilegiam a conservação enquanto outros lideram a destruição. Ao mesmo tempo em que parcela da sociedade aposta em um futuro sustentável outros apelam para a violência.

Nessa multiplicidade de cenários a idéia de viver dos recursos da floresta ainda não alcançou a hegemonia; mas quebrou-se a noção de que desenvolvimento só pode ser alcançado pela destruição da natureza. Não se pode falar em Amazônia, hoje, sem elencar as inovadoras e avançadas iniciativas de gestão baseadas nos mais modernos conceitos de sustentabilidade.

O Acre sempre esteve à frente deste processo inovador de construção de um modelo novo para a Amazônia. No Acre surgiram os movimentos sociais contra o desmatamento na década de 70 e as primeiras propostas da sociedade civil para conciliação entre desenvolvimento e meio ambiente na década de 80. Aqui se desenvolveu a única experiência continuada de mais de dez anos de gestão pública, municipal e estadual, voltada para a implementação de um modelo de desenvolvimento baseado na valorização dos recursos florestais e da biodiversidade.

Agora, depois de mais de 20 anos de história, é preciso colocar à disposição da sociedade o acervo de experiências práticas construído pelos movimentos sociais, pela gestão pública e comunitária dos recursos naturais e pelas iniciativas legislativas e judiciárias geradas no processo. Em um mundo velozmente conectado pela Internet a circulação de informações produzidas em diferentes lugares do mundo pode influenciar formadores de opinião, aqui e lá. É preciso construir um espaço para que essa troca de saberes aconteça.

Este é o espírito da Biblioteca da Floresta: reunir a experiência dos movimentos socioambientais e da gestão pública do Acre com as múltiplas formas de pensar a sociedade e o ambiente que vem sendo formuladas por centros de excelência, comunidades e governos espalhados em nichos institucionais diferenciados em nosso Planeta.

Para tornar esse ousado projeto realidade, contamos com a sua colaboração.

Jorge Viana, governador

Biblioteca Pública Temática de Florestas Tropicais

Objetivos

O Governo do Estado do Acre, consciente da sua responsabilidade junto à sociedade e ao meio ambiente, vem implementando o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Acre, uma política inovadora fundamentada em alternativas de utilização econômica e ambiental sustentáveis dos recursos naturais, em coerência com a importância da Amazônia na economia brasileira e mundial. Com apoio financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID e do BNDES, o programa visa promover o desenvolvimento florestal respeitando o alto nível de diversidade biológica e cultural existente no Estado.

Um dos desafios desse modelo de desenvolvimento é assegurar os meios para sua continuidade no futuro. A educação da sociedade e o acesso de pesquisadores e formadores de opinião a fontes de informação é uma das alternativas mais eficientes de assegurar que isso aconteça e que resultados aperfeiçoados sejam alcançados no curto e no médio prazo.

Para atender a esta demanda, o Governo do Estado do Acre criou a "Biblioteca da Floresta" - Biblioteca Pública Temática de Florestas Tropicais com os seguintes objetivos: (i) organizar a informação histórica e atual sobre desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões (econômica, social, ambiental, institucional, política e cultural); (ii) disponibilizar trabalhos de pesquisa acadêmica e técnica sobre temas relevantes ao desenvolvimento sustentável (manejo de uso múltiplo; áreas protegidas; gestão comunitária; tecnologia de transformação industrial de matéria-prima; alternativas de geração de valor; remuneração de serviços ambientais, dentre outros); (iii) incentivar a ampla divulgação dos resultados de estudos, pesquisas e projetos em execução na região, por meio de publicações, seminários, debates e outros meios considerados adequados.

Aspecto estratégico da implantação da Biblioteca da Floresta é a parceria com instituições nacionais e internacionais (universidades, centros de estudo, organizações multilaterais, governamentais e não governamentais) que possam contribuir com a organização e manutenção de um acervo de documentos e fontes atualizados sobre o desenvolvimento sustentável em diferentes países do mundo. Este acesso deverá ser viabilizado mediante convênios de cooperação técnica e científica a serem firmados entre o Governo do Acre e as instituições identificadas.

Coleção Especial: Movimentos Socioambientais do Acre

Aspecto fundamental para atrair a atenção de pesquisadores à Biblioteca da Floresta é a originalidade da documentação que conseguir reunir. O Governo do Estado decidiu identificar acervos relevantes e originais que possam vir a ser incorporados, mediante cessão ou doação, ao setor de documentação e pesquisa da Biblioteca. A primeira iniciativa está reunindo a memória dos movimentos socioambientais do Acre e da Amazônia naquele espaço. Para isso, foi firmado convênio com o Centro dos Trabalhadores da Amazônia, visando a digitalização de filmes, entrevistas gravadas e acervo documental sobre as iniciativas lideradas por Chico Mendes na década de 80. Convênios cobrindo acervos de outras instituições deverão ser realizados no futuro. Esse material passará a fazer parte da documentação da Biblioteca da Floresta e regras de acesso serão definidas para instituições e pesquisadores que queiram permutar conhecimento e informação.

Funcionamento

A Biblioteca da Floresta será um espaço organizado para atrair pesquisadores interessados na realidade amazônica e acreana e para abrir horizontes para pesquisadores locais trocarem informações com instituições internacionais. Para atingir estes objetivos está sendo organizada em diferentes seções:

. Bibliografia nacional e internacional
. Publicações oficiais de instituições ligadas ao tema
. Acesso on line a livrarias e coleções . Acervos digitalizados e/ou microfilmados

Gestão

A Biblioteca da Floresta está vinculada à Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour – FEM, responsável pelo monitoramento das atividades processuais do projeto, como implantação, organização técnica e capacitação de pessoal. A Biblioteca estará vinculada ao Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas - SEBP/AC e ao Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas – SNBP.

Formas de Colaboração

A Biblioteca da Floresta será implantada por intermédio de diferentes parcerias:

- Doação e/ou permuta de livros
- Doação de artigos técnicos
- Doação de documentos para a Coleção Especial

- Acesso a recursos on line
- Publicações governamentais, de ONGs e organizações multilaterais

Defina sua forma de colaboração e entre em contato:

SEBP/BIBLIOTECA DA FLORESTA
Helena Carloni
Rua Franco Ribeiro 77
69.908.020 Rio Branco, Acre
biblioteca.floresta@ac.gob.br

quinta-feira, outubro 26, 2006

UMA BIBLIOTECA ESPECIAL

O Acre está criando uma biblioteca especial.:
a Biblioteca da Floresta.

Governador Jorge Viana está enviando uma carta para instituições nacionais e internacionais divulgando a nova instituição e solicitando publicações.

Se você acha que esta é uma iniciativa importante, mande seu livro, ou doe um livro que você considera fundamental que alguém leia.

Veja a carta do governador e os objetivos da biblioteca no blog.

terça-feira, outubro 24, 2006

GORE AGITA AMERICANOS















Mensagem e foto de Brent Millikan diretamente de Berkeley , Califórnia

MAIS QUE CONVINCENTE

Hoje fui num comício em Berkeley em prol da aprovação de Proposition 87, referendo a ser votado nas eleições de novembro que visa a diminuir a dependência do Estado da Califórnia ao petroleo importado e estimular a adoção de energias alternativas limpas. O convidado especial era o Al Gore, que fez um ótimo discurso, destacando a oportunidade histórica e responsabilidade da California em tomar a liderança nos esforços pare enfrentar o aquecimento global nos EUA, inclusive como forma de pressionar o Governo Bush a mudar sua desastrada posição. Alias, para quem ainda não assistiu, vale conferir o excelente filme documentário "Uma verdade inconveniente", mesmo que seja mais voltado, com razão, ao público dos Estados Unidos. Um dos destaques do discurso do Gore foi quando mencionou que esteve no Brasil na semana passada, e ficou impressionado com os esforços do país em buscar alternativas ao petroleo, por meio alternativas aos combustíveis fosseis (alcool, biodiesel) e carros bi-combustivel. Foi muito bom estar neste evento em Berkeley, seio do movimento contra a guerra no Vietnã, e testemunhar mais um exemplo dos novos ventos que começam a soprar (finalmente) nos EUA, depois de tanto estrago cometido pelo Governo Bush.

Abraços, Brent

quarta-feira, outubro 11, 2006

O CORAÇÃO DA FLORESTA

Iniciativa governamental ameaça o coração da floresta

Mario Menezes em 11/10/2006

Fonte: Jornal do Commercio

O governo federal e o governo do Amazonas propuseram e vêm anunciando a reconstrução da rodovia BR-319, que corta a Amazônia Central e um dia interligou Manaus e Porto Velho. Para mitigar os impactos socioambientais que serão gerados por essa estrada, propõem implementar um mosaico de unidades de conservação-UCs, na sua região de influência, denominada Área sob Limitação Administrativa Provisória-ALAP da BR-319, com mais de 15 milhões de hectares.
A Casa Civil da Presidência da República e o Ministério do Meio Ambiente alegam que a decretação dessa ALAP foi decidida em função do êxito alcançado por estratégia semelhante, na BR-163, que liga Cuiabá a Santarém. Nada mais equivocado e enganoso, entretanto.
Os contextos em que estão inseridas as duas rodovias são inteiramente diferentes, exigindo abordagens também distintas no ordenamento de seus territórios. As regiões do Pará e do Mato-Grosso cortadas pela BR-163 estão sob forte pressão da expansão da soja, acompanhada de intenso processo desordenado de exploração madeireira e de grilagem. Ali, o planejamento de unidades de conservação e a adoção de medidas de comando e controle - fiscalização, por exemplo - contribuem para o ordenamento territorial, embora seja controversa a sua pavimentação.

Na BR-139, essas pressões não existem, e a ALAP poderá converter-se em vetor de alteração da floresta ao longo de seu eixo. Nela, a exploração madeireira não constitui atividade econômica importante, mas mais da metade dos oito milhões de hectares propostos para criação de Ucs serão florestas nacionais (flonas), tendo em vista a produção de madeira, principalmente. A cultura da soja fez um ensaio nos campos do sul do estado, onde também intensificou o desmatamento de florestas, e seu significado sócio-econômico é muito pequeno no Amazonas. Não obstante isso, os planejadores mantiveram extensas áreas sem destinação na parte mais próxima de Manaus e do porto graneleiro de Itacoatiara. Esse porto viabilizou a soja no oeste do Mato-Grosso e sul de Rondônia, a mais de 1.000 km de distância, com redução de 38% do seu custo de escoamento, em relação aos portos do Sul, e é de se imaginar o que não poderá provocar nessa área dele distante apenas 300 km.

Lembremos do caso da Flona do Bom Futuro, em Rondônia, que foi drasticamente alterada por invasões durante anos, e que toda a pressão que causou esse dano e a alteração de praticamente todas as Ucs e Terras Indígenas naquele estado está "represada" à espera da reabertura da 319, onde haverá flonas e outras Ucs e Terras Indígenas a ser controladas pelo poder público. Lembremos, também, da expansão da soja no planalto santareno, no Pará, que deslocou centenas de famílias rurais e alterou profundamente aquela paisagem, com todos os conflitos e degradação que essa atividade está produzindo - em grande parte estimulados pelo porto, também controverso, que a Cargill construiu em Santarém.

Também não dá para desconsiderar o potencial de "vazamento" demográfico e de atividades econômicas que grandes obras como as pretendidas no Alto Madeira vão gerar e empurrar para o sul do Amazonas, pela valorização das terras em áreas de ocupação consolidada, como as que se encontram sob influência direta da BR-364, em Rondônia, e que estudos de avaliação ambiental estratégica dessas obras detectam como certa.

Com a proposta de criação da ALAP, o governo federal atropelou o Programa Zona Franca Verde, do governo do Amazonas, que prevê estudos e discussão de alternativas, para esses casos, como vêm a ser, por exemplo, a hidrovia e a ferrovia. Programa que, aliás, desenvolve um importante projeto de sustentabilidade da exploração madeireira, em todo o estado, de forma gradativa, sem os riscos de um abrupto incremento dessa atividade, que a ALAP tende a produzir.

Questionados publicamente por entidades da sociedade civil sobre esse by pass ao programa do governo estadual, o MMA e a Casa Civil da Presidência da República não se manifestaram. Já o governo do Estado, através de seu secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, demonstrou o quanto foi feito e discutido sobre a área, cujos subsídios, todavia, serviram tão somente para o planejamento da ALAP, deixando de protagonizar um processo que também é seu.

Com o novo mandato que acaba de ganhar dos amazonenses, o governo Eduardo Braga ainda tem como reavaliar esse alinhamento à proposta do governo federal, removendo a ameaça que hoje paira sobre essa área, o coração da floresta, de onde pode se expandir, através da BR-174, do gasoduto Coari-Manaus e de outras vias ainda não vetorizadas como meio de penetração massiva (Manaus-Itacoatiara, Manaus-Novo Airão etc.), atingindo porções ainda mais remotas do estado e da região.

Os estudiosos do setor de transportes constatam que desde os impérios Romano e Inca "a estrada é a razão de o Estado se inscrever sobre o solo". Mas, razões outras, como a expansão da soja e da atividade madeireira, sob condições precárias de controle e critérios duvidosos de implementação, não estariam lastreando esse projeto aqui no Amazonas? Quem viver verá.

DECISÃO SOBRE ESTRADAS









As obras de infra-estrutura na Amazônia são decididas uma a uma, por órgãos diferentes, sob influência dos mais diversos interesses e ninguém, literalmente, se responsabiliza pelo conjunto. Nem mesmo os órgãos ambientais, que também licenciam uma a uma, raramente se preocupam com o impacto de todas elas.

Esse era meu papel à frente da Secretaria de Coordenação da Amazônia - o único órgão do governo federal responsável por planejar o desenvolvimento sustentável da região: chamar a atenção para o impacto agregado das obras de infra-estrutura.

Fiz e apresentei estudos, hierarquizei obras de acordo com o impacto econômico, social e ambiental, procurando estabelecer algum nível de racionalidade nas decisões. Muito difícil. Acabei concluindo que os governantes querem ver seus nomes ligados a ações parecidas com aquelas dos antigos bandeirantes - levar o progresso, independentemente do que isso possa significar no futuro. E como geralmente ficam no cargo pouco tempo não estão nem aí para consequências que durem mais do que 4 a 6 anos.

Estradas e estradas...

Existem obras mais fáceis de justificar que outras. Mas quando existe gente morando na beira, nem conservacionista fica imune ao argumento social. Ninguém consegue dizer não. Mas as estradas, e outras obras de infra-estrutura, deveriam ser submetidas a rigorosa análise de viabilidade social, econômica e ambiental e, muitas vezes, poderia seria mais interesse reorganizar a vida de algumas famílias do que atrair milhares de outras para uma situação sem eira nem beira.

Defendi, por exemplo, seguindo estudos de ongs como o IPAM, que obras de infra-estrutura em áreas densamente ocupadas podem ter um impacto positivo direta e indiretamente contribuindo para a fixação e o adensamento, ao contrário daquelas que ligam nada a lugar nenhum.

O caso da 163

Tive dúvidas no caso da 163, ligando Cuiabá a Santarém. Mas como não havia tempo de ir a campo diretamente, ouvi argumentos de pesquisadores - inclusive do IPAM - e o processo de tentativa de ordenar os impactos da estrada foram desencadeados e fortemente apoiados pelo MMA. A idéia que acabou se consolidando foi de que é melhor assumir e controlar a estrada do que se negar a licenciá-la. Mas como o único mecanismo de controle existente, e mais eficaz, acaba sendo a criação de áreas protegidas, todos respiram aliviados com a extensão que acaba ficando sob os cuidados da União, e as obras vão sendo licenciadas.

Na verdade acho que está sendo assinada um atestado de desistência; as pessoas estão assumindo que somente vão permanecer aqueles territórios e nada mais, a continuar o andar da carruagem da forma como está.

Como se decide

A maior parte das decisões sobre estradas na Amazônia se concentra no lobby da soja. No caso da 163 não faltaram argumentos, sites, notícias, terrorismo, decisão de investir dinheiro próprio, cobrar pedágio, etc... Tentamos discutir alternativas, como uma ferrovia para escoar a soja, já que esse era o maior vetor de pressão. Mas não: a estrada era viável, ia beneficiar milhares de pessoas, inclusive baratear o escoamento dos produtos da Zona Franca de Manaus.

Bastou o preço da soja cair e não se falou mais sobre o assunto, nem dinheiro do orçamento foi alocado. Mas as consequências ficaram lá: ao lado das áreas protegidas, a grilagem, especulação, migração, e outras mazelas. Mas isso vai ficar para o próximo governo tomar conta, seja quem for o eleito.

Surpresa

Fiquei muito impressionada, na semana passada, durante debate sobre pagamento por serviços ambientais, na FGV em São Paulo, quando ouvi Paulo Rabello de Caqstro, da RC Consultora, um consultor especializado no setor agrícola, dizer com todas as letras que a BR 163 não deveria ser asfaltada porque a melhor opção, em termos econômicos e ambientais, seria a ferrovia... Caí do cavalo! Agora? Depois que o estrago já está feito? Ou a opinião dele é essa porque não tem a menor importância hoje, ou é a evidência da maneira como as decisões são tomadas.

Manaus - Porto Velho

Tudo isso para falar da reabertura de uma outra obra sem finalidade justificável: a BR 319 que ligaria Manaus a Porto Velho e que passa ao lado do rio Madeira. E prá chamar a atenção para o brilhante artigo de Mario Menezes publicado hoje no site do Amigos da Terra: http://www.amazonia.org.br/opiniao/artigo_detail.cfm?id=223662

Mais um caso de decisão sem base econômica, social ou ambiental. Pura pressão de pequenos grupos de interesse locais, que lucram com a especulação da terra ou com a madeira. Estrada que ficará no curriculum do Virgílio Viana e do Eduardo Braga como uma marca irreversível de devastação porque não há como segurar o impacto que esse tipo de rodovia vai trazer. Acho que eles podem continuar fazendo um bom governo sem precisar disso.

Leiam o artigo do Mario que reproduzo a seguir.








sábado, outubro 07, 2006

SERVIÇOS AMBIENTAIS

RDS do rio Iratapuru no sul do Amapá.
Quando penso em serviços ambientais prestados por comunidades locais é de lá que me lembro. E esse foi o tema de workshop organizado por Forest Trends e FGV-Centro de Estudos em Sustentabilidade de 3 a 5 deste mês. É o tema também da revista Página 22 editada sobre o tema: "A natureza em serviço - é preciso pagar para conservar?" Para conseguir exemplares da publicação escreva para: livrariagv@fgvsp.br O artigo transcrito abaixo foi publicado na revista.


COMUNIDADES E SERVIÇOS AMBIENTAIS

Mary Allegretti
Publicado em Revista Página 22 N. 1, setembro 2006

A idéia de que populações tradicionais protegem os recursos naturais por deles depender para viver, lançada na década de 80, continua extraordinariamente viva, como pode-se ver pelo crescente número de unidades de conservação criadas para este fim. Não vem se concretizando, por outro lado, a expectativa de que os produtos fornecidos pela floresta compensem financeiramente o serviço de extraí-los e assegurem expectativas de modernidade presente nestas comunidades. Há uma causa estrutural para este desequilíbrio: a ausência de compensação pelos serviços ambientais que estas comunidades prestam à sociedade.

Extrativismo, agricultura e mercado

Serviços ambientais são benefícios que a natureza viabiliza para a sociedade e que resultam do bom funcionamento dos ecossistemas. Pode-se garantir esse serviço por meio de áreas de proteção integral, de uso sustentável e/ou por intermédio de atividades econômicas que valorizam ativos ambientais. Na primeira opção o Estado tem a obrigação de proteger; nas outras duas é auxiliado nesta função pelos habitantes destas áreas ou por empreendedores privados. Há, sempre, um custo na manutenção destes serviços e é a dificuldade em valorá-lo uma das razões pelas quais se destrói tanto o ambiente.

A comparação entre duas atividades econômicas clássicas – a agricultura e o extrativismo – permite uma clara compreensão do dilema.

Um produtor de soja, algodão ou café, insere nos custos de produção o valor da terra, adquirida ou arrendada, investimento prévio sem o qual a atividade não se realiza e está seguro que o mercado contabiliza esse custo no preço do produto. Um extrativista, castanheiro ou seringueiro, historicamente comercializa seus produtos exclusivamente pelo valor de reprodução da sua força de trabalho. Independentemente das regras arcaicas de comercialização, nunca ocorreu a contabilização do valor do estoque de capital natural de um castanhal ou seringal no preço do produto extrativo. O fato do extrativismo não ser uma atividade rentável não deriva de um defeito intrínseco a esta atividade, mas do fato do mercado não atribuir valor ao capital natural, base da atividade.

O extrativismo sustentável, da forma como é feito tradicionalmente na Amazônia, mantém os estoques de capital natural. São serviços ambientais gerados pelos sistemas ecológicos e administrados sob a lógica da produção social dos meios de vida. Os seringueiros, castanheiros e ribeirinhos são, assim, mantenedores de estoques de capital natural e, na medida em que sua atividade econômica depende da reprodução da natureza, são provedores de serviços ecológicos.

Se o mercado convencional não contabiliza o valor dos estoques e serviços, é preciso uma estratégia política para alterar essa situação: ou uma intervenção do Estado ou uma alteração nas regras do mercado.

Pacto pela modernidade

Comunidades utilizam recursos naturais de forma sustentável quando deles dependem para sua própria reprodução. Para que isso aconteça há um conjunto de pré-requisitos: os territórios devem estar protegidos por lei; deve haver segurança de que não serão expulsos ou ameaçados por forças econômicas ou políticas externas e a oferta de serviços básicos de educação, saúde, informação precisa ser permanente.

Ou seja, a conservação dos recursos naturais por comunidades é fruto de um pacto com o Estado: elas assumem a função de guardiães dos recursos naturais em troca de benefícios sociais e econômicos equivalentes à função desempenhada. É por isso que reivindicam investimentos que permitam a modernização da economia, mais do que a simples melhoria na qualidade de vida.

Esse pacto, na prática, tem sido parcialmente cumprido: territórios vêm sendo protegidos sem a contrapartida de investimentos sociais, muito menos produtivos. Na primeira década de vigência dessa política (1990-2000) a garantia dos territórios era suficiente. Hoje, é diferente. Uma nova geração já nasceu em áreas protegidas e anseia por investimentos que vão muito além dos convencionais: qualificação profissional na gestão dos recursos, agregação de valor, comunicação e inserção no mundo global, sem deixar a floresta.

Esse objetivo somente será alcançado mediante uma política inovadora especificamente formulada para remunerar um serviço ambiental, até aqui prestado gratuitamente por comunidades tradicionais a toda a sociedade. Mas seria preciso repactuar, tanto com o Estado quanto com a sociedade. O Estado precisa se comprometer a proteger os territórios e realizar investimentos básicos em saúde, educação e infra-estrutura social; a comunidade, a proteger os recursos de acordo com regras definidas para este fim; e a sociedade a realizar parcerias produtivas que valorizam os ativos florestais e da biodiversidade.

Experiências embrionárias já existem: a Lei Chico Mendes no Estado do Acre autoriza o executivo a subsidiar o quilo de borracha natural produzida por seringueiro, medida voltada para agregar valor ao seringal nativo. O Proambiente, programa proposto por agricultores familiares do Pará, busca compensar comunidades rurais pela transição de uma agricultura predatória para sustentável.

Mas nenhum país ainda enfrentou esse desafio na escala que poderia ocorrer no Brasil: remunerar comunidades indígenas e tradicionais pelo serviço de proteger nosso capital natural representaria uma revolução econômica, cultural e ambiental sem precedentes no Planeta.

quarta-feira, setembro 20, 2006

A VOLTA DE GALVEZ

Gravações da Minissérie Amazônia

Foto que tirei ontem, acompanhando as gravações da minissérie "Amazônia: de Galvez a Chico Mendes", de Glória Perez, na cidade cenográfica construída a uma hora de Rio Branco, no Acre.

Galvez foi presidente da República Independente do Acre, deposto pelos seringalistas por desentendimentos em relação à política de cobrança de impostos sobre a borracha. Um mês depois foi reempossado e a cena que assisti era a da volta dele à vila que estava construindo e que era a sede do país independente.

A cena foi linda e emocionante, parecia que o mundo tinha voltado no tempo de um momento para o outro. Tudo é bem feito: os espaços públicos, as casas, os objetos dentro das casas, os detalhes dos seringueiros com suas feições acreanas e suas roupas perfeitas da época.













Aparentemente, é o caos, gente correndo de um lado para o outro, fazendo cenas isoladas que você custa a entender onde elas se inserem em um roteiro que somente a autora e o diretor têm na cabeça. Os equipamentos se deslocam, os atores trocam de cena e de vestimentas, os figurantes se organizam e se dispersam, picolé e água à vontade para refrescar o ambiente que, lá pelas 11 horas da manhã, já é escaldante.

A maneira ao mesmo tempo firme e gentil como o diretor Marcos Schechtman trabalha, chama a atenção. É uma agenda pesada, estenuante, e quando sua voz ecoa no silêncio daquela imensa beira de rio, fica o mais completo silêncio. A gente fica prestando atenção na cena e no jeito como ele trabalha: cuidadoso, compenetrado, atencioso, subindo e descendo os barrancos da cidade de Galvez muito antes das seis horas da manhã.

Consulte o blog da missisérie e você vai conhecer a história toda:
http://amazonia.globo.com/Series/Amazonia/0,,7104,00.html


terça-feira, setembro 19, 2006

ELOS ENTRE GALVEZ E CHICO MENDES















À esquerda, a escola de Galvez, construída em Porto Acre no início do século passado, a primeira instituição de ensino do Acre.

À direita, a escola de Chico Mendes, construída no Seringal Nazaré, em Xapuri, cem anos depois, a primeira escola de alfabetização de seringueiros.


Visita ao cenários das gravações

Fui ontem à cidade cenográfica construída para a minissérie "Amazônia: de Galvez a Chico Mendes" de autoria de Glória Perez e dirigida por Marcos Schechtman, a uma hora de Rio Branco, No Acre. Assisti, ao vivo e a cores, o episódio no qual Galvez, expulso pelos seringalistas é reconduzido ao cargo. Ele volta aplaudido por ambos, seringueiros e seringalistas, e foi essa a cena que eu vi ser gravada. Memorável!

A cidade foi construída com todo cuidado. Os detalhes são perfeitos. O espaço vai ficar lá de forma permanente e é a reprodução da Cidade do Acre como deve ter sido durante o tempo em que Galvez dedicou-se a criar uma república independente.

Resgatando a identidade de Galvez

Um dos aspectos que mais me atrai na forma como a Glória Perez está construindo a história da mini-série Amazônia é a reinterpretação da identidade de Galvez e a conexão entre o Acre daquele tempo e o de hoje. Não o hoje de 2006, porque a história vai parar no assassinato de Chico Mendes. Mas o tempo de cem anos que vai da guerra acreana pela borracha ao mundo sem seringais das últimas décadas do século passado.

Lendo sobre Galvez fica-se com a idéia de que ele foi muito mais que um personagem de folhetim. Pode-se até concordar que ele foi um aventureiro por ter realizado uma revolução que certamente era mais dele do que dos outros. Mas não tenho dúvidas de que ele deve ter sido o primeiro de um tipo de visionário que continua existindo nesse pedaço de mundo, que insiste em construir algo mais que um barracão e um posto de cobrança de impostos sobre a borracha.

E a cidade cenográfica materializa essa nova imagem de Galvez. Ali estão os prédios públicos que ele criou ou idealizou: o da escola, da estatística, da polícia, da alfândega, em um momento em que a borracha oriunda do Acre iria fazer toda a diferença na continuidade daquela economia, uma vez que os seringais do Pará e do Amazonas não somente não tinham a mesma produtividade como já estavam bastante esgotados. Bastava colocar nordestinos ignorantes dentro da mata e aviá-los com jabá e conserva importada e ninguém nunca iria se importar com o destino deles. Galvez acabou indo muito mais longe do que o mandato que lhe havia sido conferido pelos seringalistas, foi deposto e convidado a deixar o país.

Cem anos depois

Não dá para não comparar com o que aconteceu cem anos depois, em outro cenário da revolução, Xapuri. Especialmente porque é a educação um dos elos entre os dois momentos. E foram essas imagens que me vieram à mente ao conhecer a cidade de Galvez hoje de manhã.

Em 1981, no meio dos empates contra a Bordon, em Xapuri, Chico Mendes decidiu criar a primeira escola para alfabetizar seringueiros que - desde o tempo de Galvez - haviam continuado cortando seringa sem nunca ter frequentado uma sala de aula.

O Projeto Seringueiro foi uma invenção dele e a escola foi construída na colocação Já Com Fome, rebatizada Independência, no meio do Seringal Nazaré, um dia a pé de Xapuri, dentro da mata ameaçada.

Chico foi marginalizado, desprestigiado, pelas autoridades do seu país, mas seu sonho, já antes idealizado por Galvez, acabou se realizando. Muitas escolas foram criadas desde então e muito mais vem sendo feito em direção a um futuro que tem elos muito fortes com aquele momento que hoje está sendo reconstruído. E que a minissérie vai mostrar.

O impacto da minissérie

Será grande, para o Acre, o impacto dessa minissérie. Já está sendo. As pessoas que estão ali trabalhando como figurantes estão vivendo uma estória que mal e mal conheciam pelos livros. Encontrei um sindicalista amigo do Chico, lá de Xapuri, que estava representando um coronel de barranco, enquanto seu filho e seu pai, eram seringueiros. Todos se sentem parte dessa história que foi entrando na vida deles como ficção mas que os faz conectar o passado ao presente.

Certamente inúmeras idéias de utilização deste cenário já devem estar disponíveis e discutidas. Nada se faz se um plano de futuro, no Acre de Jorge Viana que, com certeza, será também o De Binho Marques.

Ao ver hoje todos aqueles figurantes tão acreanos, me ocorreu uma idéia: reproduzir, todos os anos, naquele lugar, a história da revolução acreana, produzida aqui, como fruto de uma escola de teatro que já nasce com um cenário privilegiado. Uma ópera popular, que poderia começar em Porto Acre e terminar nas ruas de Xapuri.

E assim, todos os anos, o Acre teria motivos para convidar a sociedade brasileira para conhecer uma história inédita. Também poderia convidar aqueles que, no mundo inteiro, ouviram falar da história de Chico Mendes e dos seringueiros e certamente gostariam de ver e conferir o que aconteceu desde então. E tenho certeza de que não sairiam decepcionados com o que está acontecendo por aqui.

sexta-feira, setembro 08, 2006

terça-feira, setembro 05, 2006

GUERRA SEM TRINCHEIRAS

Guerra sem trincheiras

Por Mary Alegretti em 05/09/2006

Fonte: Amazonia.org.br

O assassinato brutal de uma jovem pesquisadora na Amazônia aguça sentimentos de revolta e impotência. Ela não foi assassinada por conflitos de terra ou desavenças políticas. Ela foi morta mais por ser mulher, estar fora do contexto convencional, e ter encontrado em seu caminho um ser irracional e violento. De pouco adianta questionar autoridades; o indivíduo - em liberdade condicional e que certamente não deveria ter sido solto - já está detido e pouca diferença isso fará no final da história. Ao menos é o que parece.

Vanessa era jovem, 36 anos, portuguesa, já havia realizado pesquisas no Nordeste, na Índia, trabalhado no Peru, na Costa Rica e estava agora pesquisando no Acre. Decidira trabalhar em uma área ainda não estudada, o Projeto de Assentamento Riozinho. Como afirmou Christiane Ehringhaus, (http://reservasextrativistas.blogspot.com) ela tinha uma vida muito rica de experiências e aventuras e quase mudara de rumo antes de decidir retomar as pesquisas e ir para o Acre, como muitos outros pesquisadores vêm fazendo nos últimos anos.

Esse é o perfil de uma pessoa incomum, corajosa e de uma pesquisadora determinada. É o perfil da maioria dos membros da Rede de Pesquisadores em Reservas Extrativistas. Muitos de nós já passaram por situações de risco, encruzilhadas perigosas, oposição da família, dos filhos, dos amigos. No entanto insistimos em seguir o rumo desse caminho.

Que motivos são esses que levam pesquisadores a associar à curiosidade intelectual, a coragem, e deixar trilhas fáceis e já dominadas para ir para o desconhecido e o imponderável? Quantas vezes nos perguntamos - como traduzir o que nos move? É esse sentimento de descoberta, de estar em um lugar onde ninguém antes pesquisou, entrevistar pessoas que nunca conversaram sobre suas vidas e que se percebem falando coisas que nem sabiam que existiam dentro delas.

Somos como os esportistas que buscam a montanha mais alta e os mares mais revoltos; só que o que nos move é visitar a aldeia mais isolada, viajar por rios não navegados, encontrar pessoas não entrevistadas, conhecer culturas não descritas, escrever diários não registrados nas ciências sociais e naturais...

No fundo, porém, o que mais nos motiva - e acho que Vanessa também partilhava essa marca - é a identidade que criamos com as pessoas que pesquisamos e o envolvimento com o futuro que as espera.

Esse sentimento de compromisso com a mudança da realidade investigada é difícil de ser entendido para quem não o conhece. Parece que a Amazônia é um lugar que costuma deixar esse tipo de marca, de forma indelével, em nossas peles. E é uma marca intransferível que quando se instala em nós, não nos dá sossego, não nos deixa em paz, a não ser quando, cansados de lutar contra, deixamos que a coerência tome conta e não procuramos mais parecer igual aos outros, quando de fato não somos.

É esse laço invisível com a realidade que a gente estuda e desvenda, com as pessoas que nos ensinam sobre ela, e com o futuro que imaginamos poder transformar, que nos mobiliza.

A violência política sempre esteve no horizonte de referência de pesquisadores que trabalham em áreas de conflito e em seringais. Mesmo territórios já protegidos como reservas extrativistas e terras indígenas, estão constantemente ameaçados por interesses contrários. Também já presenciamos a violência entre iguais, causada por desentendimentos, ciúmes e brigas e aquela que afeta grupos vulneráveis, como as mulheres.

Mas a violência que acreditamos ser parte do universo urbano, aquela que os sociólogos relacionam com a desagregação familiar das grandes cidades, com o uso de drogas, com a rede de tráfico, essa ainda não cabia no universo da floresta. Para esse tipo de violência as pacíficas comunidades tradicionais não têm a menor proteção, como não teve Vanessa e não terá nenhum dos pesquisadores da nossa Rede Resex.

Vivemos uma saturação de violência em nosso país, uma gratuidade em relação à vida, que é verdadeiramente assombrante. Embora não declarada, é uma situação de guerra. Só que jornalistas, pesquisadores, quando vão cobrir ou estudar uma região em guerra, contam com a proteção da ONU ou do governo, ou de ONGs internacionais. Eles não vão de GPS, computador, caneta, caderno e máquina fotográfica.

Não ser uma pessoa convencional, não pesquisar temas banais, não estar nos lugares seguros que se espera que esteja, arriscar uma aventura pessoal e científica... ao invés de assegurar um espaço de reconhecimento do país e dos pares, acaba se transformando em um risco exclusivamente pessoal contra o qual não há nenhuma instituição a quem se possa recorrer.

Precisamos de um espaço institucional de proteção para que a vida possa continuar entre os que não estão em guerra. É uma medida urgente a ser cobrada do Estado brasileiro antes que a mata amazônica e suas pacíficas comunidades, sejam envolvidas por essa guerra sem trinheiras.

NOS RIOS DA AMAZÔNIA


VANESSA SEQUEIRA VIAJANDO NOS RIOS DA AMAZÔNIA

VANESSA TRABALHANDO


VANESSA REALIZADO PESQUISA DE CAMPO NO ACRE

DIA DA AMAZÔNIA


VANESSA SEQUEIRA,
PORTUGUESA, PESQUISADORA,
ASSASSINADA QUANDO FAZIA TRABALHO DE CAMPO
EM SENA MADUREIRA, NO ACRE


segunda-feira, setembro 04, 2006

PROJETO DE PESQUISA

Projeto de pesquisa de Vanessa Sequeira financiado pelo Programa Rufford de Pequenas Bolsas.

Balancing forest conservation and livelihood security of forest dwellers in the Western Brazilian Amazon

Can people really make a living from the forest whilst conserving it, or is there a cost in terms of human welfare and/or conservation of the forest? This is a particularly complex question in the context of the Amazon rainforest, where perceived values differ according to the interests of each particular stakeholder. If conservation policies and strategies are to be successful, it is fundamental to address the divergent goals of different stakeholders and identify viable solutions to minimize trade-offs between environmental conservation and socio-economic development. These solutions are urgently needed given the annual loss of forest cover of about 18,000 km² in the Brazilian Amazon alone, and where 16% of the original forest cover has been lost over the past decades, threatening both biodiversity conservation and the livelihoods of forest-dwelling people.

The study will determine the impact of forest dwellers' livelihoods on the forest resources by focusing on case studies from forest frontier areas in Acre, the westernmost state of the Brazilian Amazon. Specific objectives are: 1) to identify how households achieve livelihood security through forest-based production systems, and determine the extent to which income is generated through forest resources; 2) to determine the impact of livelihood activities on forest conservation; 3) to determine actual and potential trade-offs between livelihood security and forest conservation, and identify ways to minimize them. The fieldwork will principally consist of household level interviews of forest dwellers, complemented with remote sensing techniques. Information will be collected relating to indicator variables which will subsequently be analysed both qualitatively and quantitatively. It is aimed to conduct at least 200 household interviews within the study areas over the period of a year.

PESQUISADORA ASSASSINADA

Vanessa Sequeira foi brutalmente assassinada ontem, em Sena Madureira, no Acre. A notícia pode ser acessada aqui: http://www.noticiasdahora.com

Ela fazia parte da Rede Resex e seu perfil, reproduzido abaixo, está no blog das reservas extrativistas: http://reservasextrativistas.blogspot.com

Vanessa Sequeira esta fazendo doutorado em um programa conjunto entre o Centro Tropical de Investigação e Ensino Agronomico (Costa Rica) e a Universidade de Wales Bangor (Reino Unido). Ela tem mais de 10 anos de experiência profissional no âmbito de conservação e desenvolvimento de recursos naturais, principalmente trabalhando com organizações não-governamentais. Vanessa dedica-se especialmente ao manejo e fomento dos produtos não-madeireiros e a certificação florestal. Ela trabalhou quatro anos em Madre de Deus, Peru, dando apoio aos sistemas de produção extrativista daquela região. Atualmente Vanessa esta residindo em Rio Branco-Acre, onde está investigando a relação entre processos de desmatamento e o bem estar social em projetos de assentamento no município de Sena Madureira. Sua pesquisa aborda a comparação de sistemas de produção extrativistas com sistemas agropecuários, a partir do enfoque de “livelihoods” (meios de vida) para entender a realidade socio-economica dos projetos de assentamento da região. Seu projeto de pesquisa também faz parte da rede de pesquisa em pobresa e meio ambiente coordenado pelo CIFOR. Outra fonte para conhecer sua pesquisa é o Programa Rufford de Pequenas Bolsas. As instituições parceiras na pesquisa incluem SETEM/PZ – UFAC, SEF, SEATER e INCRA.
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Este já é o segundo caso de pesquisador assassinado na Amazônia, em um ano. O arqueólogo James Brant Petersen foi morto durante um assalto a um restaurante de beira de estrada em Iranduba (AM), em agosto do ano passado. Agora, Vanessa Sequeira. Até pouco tempo atrás a Amazônia se caracterizava pela violência fundiária, mas estava livre daquela típica das grandes cidades. Agora não dá mais prá ser pesquisador de campo como manda a tradição de centenas de anos das ciências sociais e naturais.

Para onde vamos sem futuro?

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sábado, setembro 02, 2006

ÍNDIOS: PROJETO EXEMPLAR

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Fernanda Kaingang, Daniel Munduruku e Lúcio Terena

As fotos de Fernanda e Lúcio foram tiradas durante a participação de ambos em debate organizado pela Natura na COP8 em Curitiba. A foto de Daniel é do site do Inbrapi http://www.inbrapi.org.br
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Há tempo venho observando a interessante mudança que está ocorrendo nas sociedades indígenas: além de serem representados por seus líderes tradicionais em espaços de interlocução com a nossa sociedade, agora também têm seus próprios advogados e educadores. São profissionais formados nas universidades que ocupam o cenário até então dominado por não índios (mesmo que atuando em defesa deles) o que faz com que a interlocução se altere radicalmente. Embora houvesse antes o peso da tradição, não havia equidade na forma, o que agora existe. Isso significa o uso dos mesmos intrumentos de poder - a informação e o conhecimento - para defender interesses na maior parte dos casos opostos.

Dois exemplos dessa mudança são as organizações criadas por eles: o Inbrapi em 2003 e o Cafi no mês passado.

Inbrapi - Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual

O INBRAPI é uma organização não-governamental criada em 2003 para proteger os conhecimentos tradicionais e sob inspiração do Encontro de Pajés que aconteceu em 2001 em São Luís do Maranhão. Tem como um de seus objetivos criar um espaço permanente de inserção da comunidade tradicional nos tópicos de propriedade intelectual que sirva de referência aos povos indígenas em suas demandas concernentes à proteção do patrimônio cultural e intelectual.
Olha a turma que dirige o Inbrapi

Daniel Munduruku DIRETOR-PRESIDENTE - Formado em Filosofia e Mestrando em Educação na USP. É escritor premiado nacional e internacionalmente por suas obras voltadas para a divulgação do pensamento indígena. Foi um dos coordenadores do curso de Magistério Indígena do estado de São Paulo. Suas aulas e palestras versam sempre sobre Educação, Conhecimento Tradicional e Literatura Indígena. Coordena coleção de livros que narram histórias tradicionais de diversos povos e ajuda na formação e preparação de autores indígenas. E-mail: danielmunduruku@uol.com.br

Lúcio Flores Terena DIRETOR-VICE-PRESIDENTE – É formado em teologia e administração de empresas. E-mail: mailto:lucioterena@bol.com.br

Lúcia Fernanda Kaingang DIRETORA-EXECUTIVA – É Kaigang, nascida no Rio Grande do Sul. É advogada, é mestranda em Direito na UNB e assessora das associações Guarani e Kaigang do RS. Ministrou vários cursos de formação para professores e lideranças indígenas sobre os direitos constitucionais e Propriedade Intelectual. Prestou assessoria para a Coordenação-geral de Defesa dos Direitos Indígenas (CGDDI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Brasília. E-mail: luciakaingang@inbrapi.org.br

Cafi - Centro Amazônico de Formação Indígena

A Coiab divulgou uma nota com a informações sobre o Cafi no final de agosto. O Cafi foi criado com o objetivo de fortalecer organizações indígenas locais e regionais na promoção da autonomia dos povos indígenas e no fomento da sustentabilidade de seus territórios, através da formação de técnicos próprios em gestão territorial. Pioneiro no treinamento de indígenas em etnogestão começa ainda neste mês com uma primeira turma de 15 estudantes indígenas, provenientes de 12 Terras Indígenas da Amazônia, e funcionará com um quadro de consultores indígenas e não indígenas, especialistas nas diferentes áreas de interesse dos povos indígenas amazônicos.

O primeiro curso de Gestão Etnoambiental abordará as seguintes disciplinas: fiscalização e proteção em Terras Indígenas; técnicas de Sistemas de Informação Geográfica (Sig) e sensoriamento remoto; legislação ambiental e indígena; e técnicas de manejo de recursos naturais. Depois da capacitação inicial de cinco meses, os alunos retornarão parasuas terras de origem para colocar em prática os conhecimentosadquiridos, como o suporte da Coiab.

No primeiro ano de funcionamento, o Cafi pretende formar duas turmas de 15 estudantes cada, podendo este número aumentar de acordo com os resultados alcançados. A iniciativa, liderada pela Coiab, através de seu Departamento Etnoambiental, tem o apoio do Programa de Conservação da Amazônia da The Nature Conservancy (TNC) e da organização Amigos da Terra (Suécia).

De acordo com o coordenador geral da Coiab, Jecinaldo Saterê-Mawé, "O Cafi para o movimento indígena representa a passagem da teoria à prática, na formação própria de indígenas, e visa se tornar uma referência na luta pela defesa dos direitos indígenas, na efetivação da
gestão territorial, sustentabilidade e autonomia dos povos indígenas".

Para o diretor do Centro, Lúcio Terena, além de representar uma afirmação étnica e de cidadania, o Centro vem a atender a uma antiga reivindicação dos Povos Indígenas da Amazônia, que sempre lutaram por maior capacidade política e técnica para sua autonomia e sustentabilidade". (Coiab)

segunda-feira, agosto 21, 2006

A CULTURA DA FLORESTA

Como ser amazônida: a cultura da floresta

Por Lúcio Flávio Pinto *
21 de agosto de 2006

Adital - Adilson Freitas Dias reagiu ao meu artigo "Eu sou amazônida. E você?", publicado na edição anterior do Jornal Pessoal de Lúcio Flávio Pinto, com a seguinte mensagem:Você toca em uma questão que há muito me faço sem obter uma resposta que me convença. Perdoe-me pela ignorância da minha pergunta, mas qual seria uma via de desenvolvimento para a Amazônia, considerando a lógica capitalista hoje posta, sem por em risco nossa rica biodiversidade? Como seria a "cultura da floresta"? Ela daria conta de atender aos anseios dos amazônidas?

Sou economista e freqüentemente me faço essa provocação, sinto-me meio que obrigado a saber a resposta, sobretudo depois que conheci Santarém, onde passei vinte dias pesquisando o Arranjo Produtivo Local de grãos. Visitei vários segmentos do setor (produtores, sindicatos e ONGs e etc.), e por fim participei de um seminário na FIT (Faculdades Integradas do Tapajós) em que o tema principal era a soja. Além da visível divisão entre os que são favoráveis e contrários à cultura da soja, o que vi foi a crença de um povo que de fato acredita que a soja é o "ouro verde" capaz de promover o tão esperado desenvolvimento.

Isso ficou evidente durante o referido seminário, em que não faltaram discursos, até com um certo rancor contra os "urbanóides" (como denominava o Prof. Aluísio Leal aos moradores da capital), creditando aos sucessivos governos estaduais o descaso com a região do Baixo Amazonas. Neste dia só ficou faltando mesmo a execução do hino do Estado do Tapajós. Por outro lado, nas conversas com pessoas ligadas aos setores contrários à soja, percebi que as argumentações não conseguem avançar além das questões ligadas ao meio ambiente.

Devo salientar que não tenho opinião formada sobre o assunto, não por covardia, mas por ser incompetente mesmo para arriscar um palpite. Angustia-me não perceber entre os contrários a apresentação de uma alternativa viável e detalhada de desenvolvimento que poderia substituir esse novo ciclo econômico da região. Falo de uma proposta que possa levar a cada caboclo da região as benesses do sistema, que gostemos ou não, é o que vige. Não me refiro a idéias que visam manter, o ribeirinho, o pequeno agricultor, o caboclo, ou quem quer que seja, em culturas de subsistência, que subsistem inclusive a miséria.

Não sei se estou falando bobagens, mas na avaliação que faço, apontar os erros dos caminhos por nós escolhidos e/ou impostos à Amazônia, é relativamente fácil, pois os resultados já estão aí. O desafio é antevê-los e propor alternativas, e, a meu ver, são poucos os que têm essa capacidade. Como já lhe escrevi certa vez, sou um leitor e admirador de seus trabalhos e percebo em você essa capacidade e por isso, gostaria de compartilhar essa provocação. Sendo bem pontual: como seria a "cultura da floresta" para a região de Santarém? Como dizer àquele povo, que você conhece tão bem, não só por ser santareno, mas por ser um dos maiores conhecedores da Amazônia, que esse novo ciclo de crescimento econômico que vive a região não se traduzirá em desenvolvimento no longo prazo, sem lhes apresentar nada em troca?

Também por e-mail, enviei a seguinte resposta a Adilson:

A "cultura da floresta" é um projeto. Não se tornou realidade em nenhum lugar do mundo em nenhum momento. Somos homo agricolas. Mas a Finlândia vive de sua floresta. É um uso monovalente, mas intenso. Logo, a "cultura da floresta" é uma utopia. Mas o conhecimento atual já nos permite ter certeza de que destruí-la é uma estupidez. Onde existe a floresta tropical densa, o melhor investimento é mantê-la. O que não significa imobilizá-la.

Já escrevi defendendo um "modo científico" de ocupação. A partir de um esboço de zoneamento econômico-ecológico, em escala operacional e com informações confiáveis, o poder público executaria sobre esse desenho projetos de conhecimento. Turmas de graduação e pós-graduação em engenharia florestal, por exemplo, iriam ser mandadas para campi no mato, nas áreas de floresta nacional, para estudar e fazer. Acabariam com a melancólica dicotomia de que "quem sabe, faz; quem não sabe, ensina". Receberiam recursos (verba, base de apoio, equipamentos, supervisores, orientadores) para comandar projetos de manejo florestal, de uso inteligente de informações genéticas, etc., aplicando todo conhecimento disponível nessas empreitadas. Mas conectados aos centros de vanguarda em cada uma dessas especialidades no mundo, que também poderiam participar dos projetos em regime de convênio ou acordo de cooperação.

Os moradores locais seriam integrados a esses projetos, seja os dos graduandos e pós-graduandos, seja nos projetos que esses próprios moradores formularem. Outros seriam consultores remunerados. Outros ainda mão-de-obra qualificada em função de seu saber específico.

Utopia? Sim, mas exeqüível, desde que haja disposição para isso. Primeiro lugar em dinheiro, para valer. Em gente. Em equipamentos. E numa nova visão da Amazônia. A tarefa seria produzir informação operativa, de intervenção, de participação. Cada módulo do zoneamento receberia informação para se orientar e devolveria nova informação para reformular o conhecimento existente. Esse processo atrairia investimentos externos a esses projetos, mas ajustados a eles. O zoneamento não seria uma brincadeira digital ou uma enganação, mas uma ferramenta de ação.

Infelizmente não vou poder aprofundar agora, embora já tenha tratado bastante do tema no JP. Infelizmente, tenho que participar da preparação de uma peça para me defender amanhã em um dos muitos incidentes nos 15 processos judiciais a que respondo. Misérias de dizer a verdade na Amazônia. Ou pelo menos buscá-la. Mas, beirando os 60 anos, há quatro décadas andando pela Amazônia e tentando entendê-la, digo-lhe que essa onda de soja dentro da floresta é insensatez. Os santarenos, se refletirem, verão que já surfaram nessa onda e deram numa praia dura, quando acreditaram no ouro, na juta, no gado, no arroz, etc. Nosso futuro melhor depende de mantermos a árvore em pé, gregária, produtiva, em sinergia, estudando-a com o máximo de recursos e prioridades, e colocando esse saber para funcionar. Obrigado por seu interesse. Voltaremos a conversar.

Por feliz coincidência, na mesma época saiu, na revista Ciência e Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), um artigo (A Floresta Amazônica e o futuro do Brasil), no qual Charles Clement, e Niro Higuchi, pesquisadores do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), de Manaus, tratam exatamente da questão provocada pelo leitor. A parte final desse artigo, que aqui reproduzo, com algumas simplificações para o leitor de jornal, é uma proposta concreta de aproveitamento racional da floresta amazônica em benefício de todos. Merece ser incorporada às reflexões dos verdadeiros amazônidas.

A visão que apresentamos neste artigo é de uma Amazônia desenvolvida com base na floresta, com indústrias madeireiras usando tecnologia de ponta para produzir produtos acabados para o mercado internacional e nacional e usando madeira oriunda de florestas manejadas, enriquecidas e certificadas. Quanta floresta será necessária? As estimativas de área e volume apresentadas na FRA 2005 incluem florestas primárias densas, manejadas, capoeiras e cerrados. Propomos uma área de floresta amazônica igual a 250 milhões de hectares, com uma média de 250 m3/ha (10% comercial), como razoável e conservador.

Com este pressuposto, o estoque atual de madeira comercial na Amazônia é de 6,25 bilhões de m3, que daria para atender os mercados de madeira tropical (internacional = 52 milhões m3/ano e nacional = 20 milhões m3) durante 87 anos, movimentando US$ 22 bilhões por ano. Isso é tempo suficiente para desenvolver um modelo econômico baseado na floresta - se usarmos o tempo apropriadamente - e o desenvolvimento pagará sua própria conta após uma década.

Para começar, num espaço de 10 anos, teremos que inverter a relação aproveitamento e desperdício, passando de 30% versus 70% para 70% versus 30% e, principalmente, colocar no mercado não apenas 10 m3/ha e sim 50 m3/ha de madeira em tora. Isso pode ser conseguido usando os estudos de tecnologia de madeira já realizados pelos laboratórios da antiga Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, em Santarém, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus, da Fundação Tecnológica do Acre, em Rio Branco, do Ibama, em Brasília, e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, em São Paulo.

Depois de resgatar essas informações sobre espécies menos conhecidas no mercado, mas abundantes na floresta amazônica, o passo seguinte é introduzi-las no mercado, o que seria mais fácil no futuro porque o Brasil seria o principal fornecedor.

Essa visão oferece a possibilidade de gerar riqueza suficiente para pagar salários justos e gerar dividendos nas bolsas de valores, bem como garantir o ciclo hidrológico e, conseqüentemente, a chuva no Sudeste do Brasil. No entanto, essa visão somente pode ser alcançada se todos os ministérios do governo federal, todos os estados da Amazônia e todos os estados do Sudeste trabalharem juntos porque a floresta já está bastante fragmentada. A seguir, listamos algumas das mudanças nas políticas públicas que acreditamos necessárias em nível federal, as quais, logicamente, necessitam ter reflexo no âmbito estadual.

Moratória ao desmatamento. O MMA [Ministério do Meio Ambiente] expandirá a moratória com o apoio da Presidência da República, do Ministério de Justiça (Polícia Federal), do Ministério da Fazenda (Receita Federal, Polícia Rodoviária Federal), e do Ministério de Defesa (Serviço de Proteção da Amazônia - Sipam). Somente a madeira certificada estará isenta da moratória, o que funcionará como estímulo para que as empresas do setor busquem a certificação. Esta ação é essencial para permitir que outras ações tenham o tempo necessário para serem viabilizadas.

Zoneamento econômico-ecológico da Amazônia Legal. Os Ministérios de Integração Regional, Agricultura, Pecuária e Abastecimento e MMA combinarão para convencer os Estados a expandir a área destinada a floresta em todas as áreas originalmente florestadas. De preferência, todas essas áreas deverão ser garantidas, pois o alvo é 250 milhões de hectares. Adicionalmente, ecossistemas especialmente críticos para a conservação da biodiversidade amazônica serão identificados para serem transformados em unidades de conservação.

O objetivo é criar um mosaico com pelo menos 35% em unidades de conservação (existem 32% em áreas protegidas hoje, algumas das quais são florestas nacionais), 50% em florestas manejadas privadas, e o resto em agricultura e pecuária intensiva. Esse mosaico deverá manter 80-85% da floresta, superando o mínimo de 70% necessário para manter o ciclo hidrológico.

Regularização fundiária. O Ministério da Justiça assumirá a supervisão minuciosa dos cartórios da Amazônia Legal para evitar grilagem de terras públicas e proteção aos direitos de propriedade na região, tanto para particulares, como para as florestas de produção, as unidades de conservação, as terras indígenas e as outras terras públicas. Titulação regular será essencial para garantir empréstimos bancários e de agências de fomento, e certificação. Todos os ministérios precisam apoiar as garantias de propriedade após a regularização, pois florestas precisam ser consideradas terras produtivas e não podem ser invadidas como aconteceu no Rio Grande de Sul em fevereiro de 2006.

Investimentos na indústria florestal. Os Ministérios de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Suframa), da Integração Regional (Sudam), da Fazenda (BNDES, BASA) direcionarão seus investimentos na Amazônia para a atividade florestal, eliminando investimentos no agronegócio (que poderá captar financiamento na rede bancária privada); deverão manter os investimentos na pesca e aqüicultura (fonte de proteína para a maioria da população amazônida).

Os investimentos se concentrarão na atualização tecnológica de empresas existentes, na viabilização de novos empreendimentos com tecnologias avançadas (especialmente a abertura de filiais de empresas do setor florestal com tecnologias modernas e fábricas atualmente localizadas fora da Amazônia), na criação de arranjos produtivos locais (como o pólo moveleiro que a Suframa está criando no Amazonas), e no adensamento da cadeia produtiva florestal em geral.

Tecnologias de ponta. A incorporação de tecnologias de ponta na indústria florestal é essencial para o sucesso dessa visão, pois os europeus, japoneses e norte-americanos pagarão bem para produtos bem feitos com madeira nobre, e até os chineses pagarão bem para produtos bem feitos com madeira nobre ou comum. Um exemplo a ser seguido é da empresa Ikea, a maior varejista do setor florestal nos países desenvolvidos. A Ikea comercializa móveis e outros produtos feitos de madeira certificada, com cada móvel numa caixa pequena preparado para ser montado em casa.

Produzir móveis montáveis como esses requer alta tecnologia e qualificação da mão-de-obra - e logicamente a mão-de-obra precisa ser bem paga. Tecnologias de ponta também reduzirão o desperdício de madeira, aumentando a eficiência das fábricas, reduzindo a geração de dejetos, e melhorando a razão custo/benefício da operação. Tecnologias de ponta incluem equipamentos, técnicas e desenho industrial e comercial. A Fundação Centro de Análises, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi, Suframa) em Manaus oferece orientação e capacitação na identificação e desenvolvimento dessas tecnologias.

Investimentos em produção florestal. Seguir rigorosamente o que consta na legislação florestal é o primeiro passo em direção a sustentabilidade do manejo florestal. Os sistemas clássicos de silvicultura tropical (malaio uniforme - desenvolvido em Malásia na época colonial -, bosque abrigado e seletivo), utilizados em manejo de florestas tropicais do mundo todo, não produziram os resultados esperados. Na Amazônia, o sistema mais usado é o seletivo.

Propomos um modelo misto, utilizando o sistema seletivo com faixas de enriquecimento com espécies valiosas e conhecidas do ponto de vista silvicultural, como cedrorana e castanha do Brasil. Dessa forma, será possível aumentar o volume comercial por unidade de área no primeiro ciclo de corte. Do ponto de vista florestal e econômico, os ciclos subseqüentes serão mais seguros por conta da disponibilidade de mais espécies comerciais introduzidas no primeiro ciclo.

Certificação. Existem diversos tipos de certificação que poderiam ser úteis nessa perspectiva, especialmente a certificação de produção sustentável e a de qualidade (ISO). Para que essa visão gere benefícios na Amazônia, componentes sociais e laborais precisam ser incluídos como partes fundamentais dos processos de certificação, para que o Brasil e a Amazônia possam desenvolver-se no sentido mais completo da palavra. Uma outra vantagem da certificação é que ela exige fiscalização contínua e independente, o que, teoricamente, reduz as oportunidades para o tipo de corrupção que tem encharcado os projetos de manejo florestal na Amazônia.

Pesquisa e desenvolvimento. Muitas das tecnologias e práticas necessárias para implementar essa visão já existem, mas outras precisarão ser geradas nas instituições de ensino e pesquisa na Amazônia e no Brasil. Os ministérios de Ciência e Tecnologia, da Agricultura e da Educação possuem mecanismos para incentivar P&D na Amazônia. As Embrapas da Amazônia, o Inpa e as universidades federais e estaduais incrementarão suas pesquisas florestais para recuperar áreas degradadas por meio de projetos de silvicultura, bem como incrementarão suas pesquisas em enriquecimento de florestas em pé. Novas tecnologias de processamento e novos desenhos de produtos e processos serão de fundamental importância para garantir qualidade e atrair compradores nos países desenvolvidos.

Educação. A educação sobre a Amazônia é deficiente no país e na própria região, particularmente em assuntos que ensinam a história, as tradições, os estilos de vida, os alimentos dos amazônidas, quase ao ponto de fazer crer que esses brasileiros não existem. A educação ambiental é igualmente pobre. Se a Amazônia espera se desenvolver com base na floresta, como na visão que aqui se apresenta, o MEC e as secretarias estaduais de Educação precisam revisar as grades curriculares de primeiro grau à universidade para refletir a nova base da economia regional - atualmente a agricultura convencional é considerada a base da economia brasileira e permeia as grades curriculares.

A visão apresentada é factível e contribuirá para o desenvolvimento da Amazônia com a floresta em pé, embora gradualmente a floresta deva ser transformada em termos de sua densidade econômica, mas mantendo a maior parte de sua biodiversidade. É a única proposta que tem as escalas geográfica e econômica necessárias para enfrentar o agronegócio, hoje em franca expansão. Deixará espaço abundante para as outras idéias sobre o uso da biodiversidade e das florestas, como a bioprospecção, os projetos de manejo comunitário e a estocagem de carbono para atender os compromissos brasileiros frente ao Protocolo de Kyoto.

A visão contribuirá para garantir o ciclo hidrológico que abastece a região agrícola do Sudeste do Brasil, bem como os principais centros urbanos do país. A principal questão é a vontade política em fazer as mudanças necessárias de forma completa e rápida. Sabemos que essa vontade não virá de um só ministério - terá de vir da próxima geração de Getúlios e Juscelinos, apoiada em todos as agências dos governos federal e estaduais.

* Jornalista