sábado, outubro 07, 2006

SERVIÇOS AMBIENTAIS

RDS do rio Iratapuru no sul do Amapá.
Quando penso em serviços ambientais prestados por comunidades locais é de lá que me lembro. E esse foi o tema de workshop organizado por Forest Trends e FGV-Centro de Estudos em Sustentabilidade de 3 a 5 deste mês. É o tema também da revista Página 22 editada sobre o tema: "A natureza em serviço - é preciso pagar para conservar?" Para conseguir exemplares da publicação escreva para: livrariagv@fgvsp.br O artigo transcrito abaixo foi publicado na revista.


COMUNIDADES E SERVIÇOS AMBIENTAIS

Mary Allegretti
Publicado em Revista Página 22 N. 1, setembro 2006

A idéia de que populações tradicionais protegem os recursos naturais por deles depender para viver, lançada na década de 80, continua extraordinariamente viva, como pode-se ver pelo crescente número de unidades de conservação criadas para este fim. Não vem se concretizando, por outro lado, a expectativa de que os produtos fornecidos pela floresta compensem financeiramente o serviço de extraí-los e assegurem expectativas de modernidade presente nestas comunidades. Há uma causa estrutural para este desequilíbrio: a ausência de compensação pelos serviços ambientais que estas comunidades prestam à sociedade.

Extrativismo, agricultura e mercado

Serviços ambientais são benefícios que a natureza viabiliza para a sociedade e que resultam do bom funcionamento dos ecossistemas. Pode-se garantir esse serviço por meio de áreas de proteção integral, de uso sustentável e/ou por intermédio de atividades econômicas que valorizam ativos ambientais. Na primeira opção o Estado tem a obrigação de proteger; nas outras duas é auxiliado nesta função pelos habitantes destas áreas ou por empreendedores privados. Há, sempre, um custo na manutenção destes serviços e é a dificuldade em valorá-lo uma das razões pelas quais se destrói tanto o ambiente.

A comparação entre duas atividades econômicas clássicas – a agricultura e o extrativismo – permite uma clara compreensão do dilema.

Um produtor de soja, algodão ou café, insere nos custos de produção o valor da terra, adquirida ou arrendada, investimento prévio sem o qual a atividade não se realiza e está seguro que o mercado contabiliza esse custo no preço do produto. Um extrativista, castanheiro ou seringueiro, historicamente comercializa seus produtos exclusivamente pelo valor de reprodução da sua força de trabalho. Independentemente das regras arcaicas de comercialização, nunca ocorreu a contabilização do valor do estoque de capital natural de um castanhal ou seringal no preço do produto extrativo. O fato do extrativismo não ser uma atividade rentável não deriva de um defeito intrínseco a esta atividade, mas do fato do mercado não atribuir valor ao capital natural, base da atividade.

O extrativismo sustentável, da forma como é feito tradicionalmente na Amazônia, mantém os estoques de capital natural. São serviços ambientais gerados pelos sistemas ecológicos e administrados sob a lógica da produção social dos meios de vida. Os seringueiros, castanheiros e ribeirinhos são, assim, mantenedores de estoques de capital natural e, na medida em que sua atividade econômica depende da reprodução da natureza, são provedores de serviços ecológicos.

Se o mercado convencional não contabiliza o valor dos estoques e serviços, é preciso uma estratégia política para alterar essa situação: ou uma intervenção do Estado ou uma alteração nas regras do mercado.

Pacto pela modernidade

Comunidades utilizam recursos naturais de forma sustentável quando deles dependem para sua própria reprodução. Para que isso aconteça há um conjunto de pré-requisitos: os territórios devem estar protegidos por lei; deve haver segurança de que não serão expulsos ou ameaçados por forças econômicas ou políticas externas e a oferta de serviços básicos de educação, saúde, informação precisa ser permanente.

Ou seja, a conservação dos recursos naturais por comunidades é fruto de um pacto com o Estado: elas assumem a função de guardiães dos recursos naturais em troca de benefícios sociais e econômicos equivalentes à função desempenhada. É por isso que reivindicam investimentos que permitam a modernização da economia, mais do que a simples melhoria na qualidade de vida.

Esse pacto, na prática, tem sido parcialmente cumprido: territórios vêm sendo protegidos sem a contrapartida de investimentos sociais, muito menos produtivos. Na primeira década de vigência dessa política (1990-2000) a garantia dos territórios era suficiente. Hoje, é diferente. Uma nova geração já nasceu em áreas protegidas e anseia por investimentos que vão muito além dos convencionais: qualificação profissional na gestão dos recursos, agregação de valor, comunicação e inserção no mundo global, sem deixar a floresta.

Esse objetivo somente será alcançado mediante uma política inovadora especificamente formulada para remunerar um serviço ambiental, até aqui prestado gratuitamente por comunidades tradicionais a toda a sociedade. Mas seria preciso repactuar, tanto com o Estado quanto com a sociedade. O Estado precisa se comprometer a proteger os territórios e realizar investimentos básicos em saúde, educação e infra-estrutura social; a comunidade, a proteger os recursos de acordo com regras definidas para este fim; e a sociedade a realizar parcerias produtivas que valorizam os ativos florestais e da biodiversidade.

Experiências embrionárias já existem: a Lei Chico Mendes no Estado do Acre autoriza o executivo a subsidiar o quilo de borracha natural produzida por seringueiro, medida voltada para agregar valor ao seringal nativo. O Proambiente, programa proposto por agricultores familiares do Pará, busca compensar comunidades rurais pela transição de uma agricultura predatória para sustentável.

Mas nenhum país ainda enfrentou esse desafio na escala que poderia ocorrer no Brasil: remunerar comunidades indígenas e tradicionais pelo serviço de proteger nosso capital natural representaria uma revolução econômica, cultural e ambiental sem precedentes no Planeta.

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